A representação comercial é, por sua natureza, uma relação jurídica autônoma, na qual o representante comercial atua como intermediário entre uma empresa (representada) e seus clientes, promovendo a venda de produtos ou serviços em troca de comissões. Essa relação, estabelecida pela Lei nº 4.886/65, regulamenta a atividade e busca garantir a autonomia do representante, diferenciando-o dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No entanto, existem situações em que a relação entre o representante comercial e a empresa representada pode se desvirtuar, preenchendo os requisitos para a configuração de um vínculo empregatício. Quando isso ocorre, é possível que a Justiça do Trabalho, ao analisar o caso, reconheça a existência de um contrato de trabalho, com todos os direitos decorrentes da legislação trabalhista.
Os Requisitos para Configuração do Vínculo Empregatício
De acordo com o artigo 3º da CLT, para que haja vínculo de emprego, é necessário que estejam presentes quatro elementos essenciais: (i) a pessoalidade, (ii) a habitualidade, (iii) a subordinação, e (iv) a onerosidade.
A ausência de qualquer um desses elementos caracteriza a relação como autônoma, como é o caso da representação comercial. No entanto, quando todos os requisitos são cumpridos, pode haver o reconhecimento da relação de emprego. A seguir, analisamos cada um desses elementos no contexto da representação comercial:
Pessoalidade: A pessoalidade significa que o trabalho deve ser prestado de forma pessoal, ou seja, o trabalhador não pode ser substituído por outra pessoa. No caso do representante comercial, a pessoalidade é muitas vezes flexibilizada, uma vez que ele pode delegar atividades para assistentes ou até mesmo constituir uma pessoa jurídica para prestar os serviços. Contudo, se o representante comercial for obrigado a realizar o trabalho diretamente, sem a possibilidade de substituição, pode-se argumentar que a pessoalidade está presente, o que contribui para a caracterização do vínculo trabalhista.
Habitualidade: A habitualidade refere-se à frequência com que os serviços são prestados. Na relação de emprego, o trabalhador exerce suas funções de maneira regular e contínua. No caso do representante comercial, a atividade pode ser mais flexível, com variações na intensidade do trabalho, conforme a demanda. Porém, se o representante comercial estiver vinculado à empresa de maneira contínua, sem pausas consideráveis e com exigência de cumprimento de horários fixos, esse requisito pode ser preenchido. A Justiça do Trabalho, em muitos casos, observa a frequência com que o representante presta serviços para a empresa, reconhecendo o vínculo quando a atuação é considerada habitual.
Subordinação: A subordinação é o elemento mais relevante para a distinção entre a autonomia do representante comercial e o vínculo de emprego. Na relação de emprego, o trabalhador está sujeito às ordens e diretrizes do empregador, que controla e dirige a prestação dos serviços. No caso da representação comercial, o representante deveria ter maior liberdade para atuar, tomando decisões sobre como e quando realizar seu trabalho. No entanto, se a empresa representada impõe ao representante regras rígidas sobre a forma de execução do trabalho, controle de horários, metas inatingíveis e outras formas de supervisão direta, isso pode caracterizar a subordinação. A subordinação é o principal fator para a Justiça do Trabalho reconhecer o vínculo, já que a perda da autonomia do representante é um indicativo de que a relação assumiu características empregatícias.
Onerosidade: A onerosidade está presente quando o trabalhador recebe uma contraprestação pelo trabalho realizado. Na representação comercial, o pagamento ocorre geralmente por meio de comissões sobre as vendas efetuadas. Ainda que a comissão seja a forma de remuneração, se o pagamento for realizado de maneira fixa, ou se o representante tiver garantias mínimas de remuneração independentemente das vendas, pode-se considerar que há onerosidade nos moldes da CLT. A Justiça do Trabalho pode entender que, mesmo na representação comercial, a forma de remuneração, quando atrelada a condições muito rígidas ou garantias de remuneração fixa, contribui para a caracterização de um vínculo trabalhista.
A Descaracterização da Autonomia e a Configuração do Vínculo
Diversas decisões da Justiça do Trabalho têm reconhecido o vínculo empregatício de representantes comerciais quando fica demonstrado que a relação com a empresa representada preenche os requisitos da CLT. A autonomia é uma característica fundamental da representação comercial, mas, na prática, muitas empresas buscam reduzir custos e evitar encargos trabalhistas ao formalizar uma relação autônoma, enquanto exercem controle sobre o representante como se ele fosse um empregado.
Casos frequentes envolvem a imposição de metas de vendas inatingíveis, exigência de cumprimento de horários ou obrigatoriedade de comparecimento em reuniões periódicas. Além disso, algumas empresas chegam a fornecer estrutura física, como escritórios e veículos, e a exigir relatórios diários ou semanais, o que é incompatível com a autonomia que caracteriza a relação de representação comercial.
Outro aspecto relevante é o fato de o representante muitas vezes trabalhar exclusivamente para uma única empresa, sem liberdade para representar outras marcas. Quando a exclusividade se soma a outros elementos de controle e subordinação, o risco de descaracterização da autonomia é elevado.
Consequências do Reconhecimento do Vínculo Trabalhista
Quando a Justiça do Trabalho reconhece que a relação de representação comercial preenche os requisitos da relação de emprego, a empresa representada pode ser condenada a pagar todos os direitos trabalhistas devidos. Isso inclui:
Verbas rescisórias: aviso prévio, férias proporcionais e integrais acrescidas de 1/3, 13º salário proporcional, além do pagamento das comissões devidas até a data da rescisão.
FGTS: o representante comercial que tem o vínculo de emprego reconhecido terá direito ao recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que deve ser feito de maneira retroativa, desde o início da relação.
Multa do artigo 477 da CLT: caso a empresa não realize o pagamento das verbas rescisórias dentro do prazo legal após a rescisão, poderá ser condenada ao pagamento de multa equivalente a um salário do representante.
Multa do FGTS: a empresa será obrigada a pagar a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, como ocorre em qualquer demissão sem justa causa.
Jornada de trabalho e horas extras: caso seja comprovada a imposição de jornada de trabalho ao representante, a empresa poderá ser condenada a pagar horas extras, caso a jornada tenha ultrapassado as 8 horas diárias ou 44 horas semanais.
Além desses direitos, a empresa também poderá ser condenada a pagar todas as comissões devidas durante o período trabalhado, assim como eventuais diferenças salariais se o representante não tiver sido remunerado adequadamente.
Conclusão
O reconhecimento de vínculo empregatício entre representantes comerciais e empresas representadas ocorre quando a autonomia inerente à representação comercial é desvirtuada e se preenchem os requisitos de pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade, conforme previsto na CLT.
O representante comercial que se vê submetido a condições de trabalho típicas de um empregado, como controle de horários, metas rígidas e supervisão, tem o direito de pleitear o reconhecimento desse vínculo perante a Justiça do Trabalho, assegurando, assim, o recebimento dos direitos trabalhistas correspondentes.
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