Teoria da derrotabilidade das normas jurídicas.
A referida teoria, iniciou-se com o autor inglês Herbert Hart, onde o conceito de derrotabilidade (defeasibility), sustentado no famoso artigo The Ascription of Responsability and Rights, que publicou em 1948.
A derrotabilidade da norma jurídica significa a possibilidade, no caso concreto, de uma norma ser afastada ou ter sua aplicação negada, sempre que uma exceção relevante se apresente, ainda que a norma tenha preenchido seus requisitos necessários e suficientes para que seja válida e aplicável.
Tomemos como p. ex. nos casos de cancelamento de consórcio em curso:
Para quem firmou contrato de consórcio antes da entrada em vigor da Nova Lei de Consórcios (Lei nº 11.795/2008), o Judiciário tem considerado que o consumidor desistente ou excluído deve ser reembolsado em até 30 dias após o encerramento do grupo.
Já aqueles que celebraram contrato de consórcio após 6 de fevereiro de 2009, o consumidor excluído continua a concorrer ao sorteio, e ao ser sorteado receberá o reembolso dos valores a que tem direito, caso contrário será necessário aguardar a realização da última assembléia de contemplação do grupo.
O judiciário, entretanto, vem determinando em alguns casos a devolução imediata nos casos de desistência através do efetivo cancelamento do contrato.
Segue jurisprudência nesse sentido, ou seja, excepcionando o caso concreto em virtude da peculiaridade apresentada:
RECURSO INOMINADO. Desistência de compra parcelada. Pretensão do recorrido de reaver a quantia paga e obter a resolução do contrato. Defesa da empresa administradora inconsistente, fundada no brocardo pacta sunt servanda. Instituto de consórcio atípico configurada É abusiva a cláusula que prevê a devolução das parcelas pagas à administradora de consórcio somente após o encerramento do grupo. A devolução deve ser imediata, os valores atualizados desde os respectivos desembolsos os juros de mora computados desde a citação. Prevalência dos princípios que norteiam o CDC, principalmente aqueles entalhados no artigo 51, IV, e § 1º, II, pois colocaria o consumidor na situação de desvantagem exagerada, ferindo os princípios da equidade e justiça que devem nortear a aplicação da lei de proteção ao consumidor. Sentença (fls. 38/41) mantida por seus próprios fundamentos, inclusive quanto ao seu montante no valor de r$ 2.640,00 (dois mil, seiscentos e quarenta reais), não merecendo reforma. Recurso conhecido e improvido. (TJMA. ACÓRDÃO Nº. 34049/2010. Rei. Juiz Adinaldo Ataíde Cavalcante. Primeira Turma Remi sal Cível e Criminal. Julgado em 06.12.2010. Publicado em DJMA 26.01.2011.).
Em razão dessa teoria, toda norma, seja ela qualificada como regra ou princípio, está sujeita a exceções que não são previstas de forma exaustiva, podendo, em face da incidência da exceção, ser superada ou derrotada de acordo com o caso concreto e a argumentação desenvolvida (neste sentido, interessante o artigo de Fernando Andreoni Vasconcellos).
Hart percebeu que em razão da impossibilidade de as normas preverem as diversas situações fáticas, ainda que presentes seus requisitos, elas contém, de forma implícita, uma cláusula de exceção (tipo: a menos que), de modo a ensejar, diante do caso concreto, a derrota/superação da norma.
Porém, embora possa uma norma jurídica ser derrotada/afastada diante do caso concreto, ela continua sendo aplicada a casos normais, pois, como advertiu Hart, uma norma que é excepcionada diante de um hard case, é ainda uma norma.
De ver-se, a rigor, que não é propriamente a norma que é derrotada ou excepcionada, embora a teoria difundida seja a derrotabilidade da norma; o que é derrotado ou superado é o enunciado normativo. Por isso, é mais tecnicamente correto afirmar que a derrotabilidade incide sobre os textos normativos e não sobre as normas jurídicas, exatamente porque o texto normativo não contém imediatamente e integralmente a norma, não se confundindo com ela. A norma é o resultado da interpretação do texto, diante do caso concreto.
Enfim, apesar da singularidade da expressão “derrotabilidade”, na prática o fenômeno é cotidiano e diariamente verificável nas interpretações jurídicas empregadas nas controvérsias processuais.