DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL:
ASPECTOS GERAIS
Natália Augusta Sampaio Silva {C}[1]
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo retratar a enorme importância do estudo a cerca da temática: responsabilidade civil no sistema de proteção e defesa do consumidor brasileiro. A análise com maior grau de aprofundamento recai sobre os casos de responsabilização civil dos fornecedores pelo fato e vício do produto ou serviço. Com parâmetro na Lei n° 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, no qual estão contidos mandamentos nucleares tais como, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, o princípio da eqüidade e a cláusula geral de boa-fé, o princípio da proibição do abuso do direito e a função social dos contratos. Dentre estes, destaca-se o da vulnerabilidade do consumidor, o que enseja a responsabilização objetiva dos fornecedores dos produtos ou serviços.
Palavras-chave: consumidor – vulnerabilidade - responsabilidade civil – fornecedor.
INTRODUÇÃO
Um dos princípios fundamentais da ciência do Direito é o da isonomia, que consiste, conforme Aristóteles, em tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais na medida em que se desigualam. E com base nesse importante princípio agiu o legislador brasileiro quando da elaboração do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC, Lei n° 8.078/90, consiste em um microssistema normativo de natureza multidisciplinar em que são abrangidos vários ramos do direito público e privado. Tendo surgido com a finalidade de condensar as disposições existentes acerca dos direitos dos consumidores, e também confirmar os princípios consumeristas para o efetivo exercício da cidadania. Dessa maneira, o Código procurou elencar os sujeitos das relações consumeristas, os princípios norteadores da política nacional de relações de consumo, os direitos básicos dos consumidores frente a produtos e serviços, o sistema contratual e, ainda, as sanções para o caso do não cumprimento das disposições constantes no instrumento.
Em síntese, uma das grandes virtudes do CDC foi ter evidenciado de maneira bastante cristalina os direitos dos consumidores e a efetiva aplicação de responsabilidade aos fornecedores, quando referidos direitos forem objeto de violação.
Em relação à responsabilidade civil muito se discute na doutrina a questão da definição dos limites desta. Há dois grandes sistemas de responsabilidade civil no direito ocidental moderno: o alemão e o francês. O sistema francês possui uma cláusula geral de indenizar sempre e outras em que se disciplinam hipóteses em que o dever de indenizar não cabe. Já no sistema alemão ocorre o contrário. Ele funciona por adição, ou seja, afirma que só há responsabilidade quando se atinge diretamente determinados bens previamente determinados pela lei. Sendo, portanto, um sistema restritivo de responsabilidade. Dessa feita, o sistema adotado pelo Brasil é o francês da cláusula geral de responsabilidade civil. E, dentro deste sistema, há a divisão da responsabilidade em dois tipos: a contratual e a extracontratual.
Na contratual há uma obrigação anterior entre as partes, que se descumprida, gera o dever de indenizar.
Na extracontratual não há uma relação jurídica prévia entre as partes, mas, o simples fato de alguém causar dano a outrem acarreta o dever de indenizar. No sistema brasileiro há uma simbiose desses dois tipos de responsabilidade.
A regra do sistema civil brasileiro é o da responsabilização civil subjetiva, ou seja, comprovada a culpa do agente pelo fato danoso, o agente tem o dever de indenizar. Contudo, no trato das relações consumeristas há a incidência da responsabilização civil objetiva dos fornecedores, em que se exige apenas a prova do nexo causal entre o dano e a ação do agente.
São essas, em linhas gerais, as características da responsabilidade civil dos fornecedores dentro do microssistema do CDC, que, acertadamente, não adotou a regra geral da Teoria da Culpa, mas a Teoria do Risco.
{C}1. PRINCIPIOLOGIA CONSUMERISTA
Os princípios consumeristas basilares do ordenamento jurídico brasileiro são: o da vulnerabilidade do consumidor, do dever governamental, da garantia da adequação, da boa-fé, da informação e do acesso à justiça.
O princípio da vulnerabilidade do consumidor é considerado por muitos doutrinadores pátrios como o mais importante dos princípios consumeristas, pois dele se irradiam todos os outros. Isso porque, da simples análise da relação consumerista, resta evidenciado que o consumidor é a parte mais frágil dela, vez que não dispõe de controle sobre a produção dos produtos, necessitando, assim, submeter-se ao exclusivo poder dos fornecedores, havendo, então, necessidade da criação de uma política jurídica que busque a minimizar tal disparidade na dinâmica das relações consumeristas.
Diante disso, a vulnerabilidade, é indissociável à pessoa do consumidor, nos termos, inclusive, do art. 2°, do CDC, e tal característica independe da sua condição social, cultural ou econômica, seja ele pessoa jurídica ou pessoa física.
Interessante registrar que a vulnerabilidade do consumidor não se confunde com a hipossuficiência, que é uma característica restrita a alguns consumidores, que além de presumivelmente vulneráveis são também, em sua situação particular carentes de condições materiais ou culturais, é o caso, por exemplo, dos analfabetos, das crianças e etc.
Com acerto, Herman Benjamin aduz que “a vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a todos os consumidores”[2].
Assim, deduz-se que o referido princípio possui como finalidade precípua dar realce à isonomia, dispensando-se tratamento desigual aos desiguais para, dessa forma, tentar equilibrar juridicamente o consumidor com o fornecedor. Haja vista ser o aquele fraco técnica e economicamente.
O princípio do dever governamental encontra-se previsto nos incisos II, VI e VII do art. 4° do CDC. Nele estão abrangidas a responsabilidade atribuída ao Estado, enquanto sujeito organizador da sociedade, ao prover o consumidor dos mecanismos suficientes que proporcionam a sua efetiva proteção, seja através da iniciativa direta do Estado – incentivo à criação e desenvolvimento de associações representativas - ou até mesmo através dos fornecedores. Bem como, o dever deste de promover continuadamente a racionalização e melhoria dos serviços públicos.
Já o princípio da garantia da adequação aborda a questão da necessidade da adequação dos produtos e serviços ao binômio, qualidade e segurança, atendendo aos objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, prevista no art. 4°, do CDC. Consistindo, dessa feita, no atendimento dos problemas dos consumidores quanto à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida. Os fornecedores devem atentar-se para a criação de mecanismos de controle de qualidade de seus produtos e serviços, uma vez que o CDC adota o princípio da responsabilidade objetiva, juntamente à inversão do ônus da prova, para assim prevenir maiores prejuízos aos consumidores.
O princípio da boa-fé nas relações de consumo encontra-se expressamente previsto no inciso III, do art. 4°, do CDC. Na linha deste princípio as partes da relação consumerista devem buscar a circulação dos produtos e serviços com objetivo da geração de riquezas e benefícios a todos os integrantes do mercado de consumo, agindo sempre com correção, dignidade, pautando-se pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de não prejudicar a qualquer pessoa.
Com relação ao princípio da informação, princípio este de fundamental importância nos dias atuais em que houve um recrudescimento nas publicidades dos produtos e serviços com a finalidade de incitar ao consumismo, servirá para informar os cidadãos para que não sejam levados a consumir pela ilusão, mas pela realidade.
No tocante ao princípio do acesso à justiça, previsto no artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal, todos têm direito ao acesso à justiça para pleitear a tutela jurisdicional reparatória ou preventiva em relação a um direito, no caso, relacionado ao consumo.
{C}2. DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
Para a responsabilização do agente faz-se imprescindível a ocorrência da culpa, conforme a doutrina subjetiva ou teoria da culpa, ou, apenas do risco, segundo a doutrina objetiva ou teoria do risco.
O Código Civil, nos termos dos seus artigos 186 e 187, adotou como regra a responsabilidade subjetiva, pois, além da comprovação da ação ou omissão que gerou um dano, ligados pelo nexo de causalidade, deve-se provar a culpa em sentido lato.
Todavia, para a ocorrência do efeito indenizatório, não basta um mero fato humano. Faz-se imprescindível que este fato seja jurídico e ilícito.
No CDC, diferentemente do Código Civil, a regra é a responsabilidade objetiva, em que se dispensa a comprovação da culpa para atribuir ao fornecedor a responsabilidade pelo dano. Dessa feita, exige-se apenas a demonstração do nexo causal entre o dano experimentado pelo consumidor e o vício ou defeito no serviço ou produto.
Assim, o legislador do Código Consumerista optou pela teoria do risco do negócio, segundo a qual aquele que explora atividade econômica deve arcar com os danos causados por essa exploração, ainda que não tenha concorrido voluntariamente para a produção dos danos. Logo, quem cria um risco é obrigado a responder pelas conseqüências dos seus atos.
Para a teoria objetiva importa apenas o dano para que se concretize o dever de reparação. No caso das relações de consumo, consoante entendimento pacífico da doutrina, para restar caracterizada a responsabilidade prevista no artigo 12 do CDC são necessárias as ocorrências comprovadas de três elementos: i) existência do defeito; ii) o efetivo dano moral e/ou patrimonial; iii) o nexo de causalidade entre o defeito do produto e a lesão.
Segundo o supra citado artigo os danos indenizáveis não são apenas aqueles causados aos consumidores por defeitos de seus produtos. É necessária a comprovação de um defeito no produto e o nexo causal entre este defeito e o dano sofrido pelo consumidor.
Todavia, há no artigo 14, §4º, do CDC, uma exceção à responsabilidade objetiva: trata-se da responsabilidade dos profissionais liberais, em suas atuações não ligadas a obrigação de resultado, já que neste tipo de obrigação há responsabilização objetiva.
{C}3. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO
O artigo 12, do CDC, aborda a questão dos defeitos dos produtos, ou seja, inadequações no produto que ocasionam uma lesão no consumidor. É o caso, por exemplo, de um acontecimento externo, que ocorre no mundo exterior, que causa dano material e/ou moral ao consumidor, mas que decorre de um defeito do produto. Seu fato gerador será sempre um defeito do produto.
Assim sendo, o consumidor que sofrer acidente de consumo decorrente de defeito de concepção, execução ou comercialização de produto, tem o direito de ser indenizado por todos os danos decorrentes.
O artigo 8º, do CDC, estabelece que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, sendo obrigado o fornecedor a prestar informações necessárias e adequadas a seu respeito. Logo, uma vez colocados no mercado, importa verificar se há possibilidade de transmitir ao consumidor informações que capacitem o consumidor do fornecimento em questão ao seguro consumo do produto ou serviço.
Já o artigo 10, do CDC, impede a colocação no mercado produto ou serviço com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. Havendo, inclusive, responsabilidade nos casos em que o produto seja distribuído gratuitamente.
Por fim, para a responsabilização do fornecedor é necessário, além do defeito e do nexo de causalidade entre este e o dano sofrido pelo consumidor, que o produto entre no mercado de consumo de forma voluntária e consciente pelo fornecedor.
{C}4. RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO
A responsabilidade pelo vício do produto ou serviço não está relacionada com a prevista nos artigos 12 a 14 do mesmo Código. Isso porque a falta de qualidade no fornecimento nem sempre é causa de danos à saúde, à integridade física e ao interesse patrimonial do consumidor.
O artigo 18, por exemplo, faz menção às hipóteses em que há vício no produto, sem causar dano à saúde ou integridade física do consumidor.
Os vícios elencados no CDC são os relacionados à inadequação (art. 18 e seguintes) e à insegurança (art.12 e seguintes). Conforme os ensinamentos do doutrinador Luiz Antonio Rizzatto [3]são considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios -característica que impede seu uso ou consumo- ou inadequados - pode ser utilizado, mas com eficiência reduzida - ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária.
É possível encontrar no CDC três tipos de vícios por inadequação dos produtos: vícios de impropriedade, vícios de diminuição do valor e vícios de disparidade informativa.
O doutrinador acima mencionado aduz que os vícios são os problemas que:
i) fazem com que o produto não funcione adequadamente; ii) fazem com que o produto funcione mal; iii) diminuam o valor do produto; iv) não estejam de acordo com informações; v) os serviços apresentem funcionamento insuficiente ou inadequado. E, o produto ou serviço que venha a apresentar um vício em prejuízo do consumidor acarretará na responsabilização do fornecedor[4].
{C}5. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE
O CDC prevê algumas causas excludentes de responsabilidade, ou seja, hipóteses em que se elimina a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e do serviço. Tais hipóteses estão previstas no artigo 12, §3° e 14, §3° do Código Consumerista.
A primeira delas, elencada no inciso III, § 3° do artigo 12, trata da introdução do produto no ciclo produtivo-distributivo de forma voluntária e consciente. Assim, haveria exclusão da responsabilidade do fornecedor nos casos de furto ou roubo de produto defeituoso estocado no estabelecimento, ou com a usurpação do nome, marca ou signo distintivo, e também quando o produto defeituoso tenha sido apreendido pela Administração e, posteriormente, à revelia do fornecedor, seja introduzido no mercado de consumo. Nessa esteira manifesta-se Herman Benjamin:
b
O inciso II do referido dispositivo legal e o inciso I, § 3° do artigo 14, trazem como excludente da responsabilidade do fornecedor a inexistência de defeito. Isso porque, o defeito do produto ou serviço é um dos pressupostos da responsabilidade, de forma que, se não ostentar vício de qualidade, ocorre a quebra da relação causal ficando afastada a responsabilidade do fornecedor.
Vale frisar, contudo, que a inexistência dos defeitos do caput do artigo 12, será comprovada pelo fornecedor, havendo, assim, inversão do ônus da prova, quando o juiz considera como verossímeis as alegações do consumidor, nos termos do artigo 6º, inciso III.
Por fim, como o caput do artigo 12 dispõe que a responsabilidade é pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos, inexistindo estes não haverá dever de indenizar.
Já os incisos III, § 3° do artigo 12 e inciso II, § 3° do artigo 14, abordam a questão da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Nessa toada, faz-se mister a distinção entre culpa exclusiva e culpa concorrente. No primeiro caso, desaparece o nexo de causalidade entre o defeito do produto e o dano, dissolve-se a relação de causalidade; no segundo, a responsabilidade se atenua em virtude da concorrência de culpa. Porém, para o eminente doutrinador Rizzatto[5] a responsabilidade do fornecedor permaneceria integral, em caso de culpa concorrente, ficando afastada tal responsabilidade apenas no caso de culpa exclusiva do consumidor. Ocorre, todavia, que para a maior parte da doutrina consumerista, nos casos de culpa concorrente a responsabilização do fornecedor permanece integral, mas, haverá a redução do montante indenizatório.
Em relação a conduta culposa do consumidor, quando esta for suficiente para afastar a responsabilidade do fornecedor, deve por este ser provada, quando houver a inversão do ônus da prova determinada pelo juiz.
Como acima mencionado, o CDC prevê a exclusão da responsabilidade do fornecedor nos artigos 12, § 3° e 14, § 3°. Todavia, a doutrina aponta outros eventuais casos de exclusão de responsabilidade, como o caso fortuito ou força maior, riscos de desenvolvimento e exercício regular de direito.
Pela análise das excludentes dispostas nos artigos 12, § 3° e 14, § 3° do CDC, verifica-se que este diploma legal silencia quanto ao caso fortuito e a força maior, previstos expressamente no artigo 393 do Código Civil. Em virtude de tal omissão no CDC, discute-se se o caso fortuito e a força maior podem ser considerados como excludentes para as ditas relações consumeristas.
Luiz Antônio Rizzatto{C}[6] afirma que em virtude de o § 3º do artigo 12, do CDC, ter utilizado o advérbio "só", o rol indicado seria taxativo, e não autorizaria a inclusão de tais excludentes: "o risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei não prevê como excludentes do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior".
Na mesma linha, Sílvio Luís Ferreira da Rocha{C}[7] aduz que se na interpretação das normas restritivas de direito não pode o intérprete alargar a aplicação da norma, com maior razão não seria possível aplicar as normas do Código Civil, que restringiriam a responsabilidade do fornecedor, nas relações consumeristas, pois implicaria em grave prejuízo para o consumidor.
No entanto, para Herman Benjamin{C}[8] a temática deve ser tratada de forma diversa, uma vez que a regra no direito brasileiro é que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil. E, embora o CDC, entre as causas excludentes de responsabilidade, não os elenca. Também não os nega. Logo, o sistema tradicional neste caso não teria sido afastado, mantendo-se, então, a capacidade do caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar.
Na mesma linha de pensamento segue o doutrinador João Batista de Almeida[9] para quem apesar de não prevista expressamente no CDC, ambas as hipóteses possuem força liberatória e excluem a responsabilidade, porque quebram a relação de causalidade entre o defeito do produto e o dano causado ao consumidor. Seria o caso, por exemplo, de eventual responsabilização do fornecedor de um equipamento eletrônico, no caso de um raio explodir o equipamento, e, em conseqüência, causar incêndio e danos aos moradores. Ora, inexistiria nexo de causalidade a ligar eventual defeito do aparelho ao evento danoso, o que impossibilitaria a configuração da responsabilização civil.
No entender de Eduardo Saad{C}[10] embora o artigo 12 especifique que o fornecedor apenas não será responsabilizado quando provar que não colocou o produto no mercado, que inexiste defeito ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, tratar-se-ia, na verdade, de evidente equívoco da redação, pois, o CDC não pode obrigar o fornecedor a indenizar quando da ocorrência de caso fortuito ou de força maior.
Interessante registrar a linha de pensamento do doutrinador Fábio Ulhôa Coelho[11] para quem ficaria afastada a responsabilidade do fornecedor apenas em se demonstrando a presença de caso fortuito ou força maior, posteriores ao fornecimento. Isso porque, só a manifestação de tais fatores, posteriormente ao fornecimento, desconstituiria o nexo causal entre o ato de fornecer produtos ao mercado e os danos sofridos pelo consumidor.
Ocorre, todavia, que a presente temática não se encontra perto de ser pacificada pela doutrina tampouco pela jurisprudência dos tribunais pátrios, porém, a maior parte da doutrina vem consolidando o entendimento no sentido de que havendo o caso fortuito ou a força maior, haverá a ocorrência da quebra do nexo de causalidade, não se podendo responsabilizar o fornecedor pelo que não deu causa, nem tinha como prever ou evitar.
{C}6. RISCO DO DESENVOLVIMENTO
O risco do desenvolvimento consiste em um determinado produto vir a ser introduzido no mercado sem que possua qualquer defeito conhecido, ainda que testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução ser insuficiente para prever eventual defeito futuro. Assim, decorrido um tempo do início de sua circulação no mercado de consumo, se detecta um defeito, que só se tornou identificável em virtude da evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de produzir danos aos consumidores.
Para Herman Benjamim{C}[12] os riscos do desenvolvimento podem ser definidos como o risco que não podem ser cientificamente conhecidos ao momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço.
Há grande divergência doutrinária no tocante a adoção pelo CDC dos riscos de desenvolvimento como excludente da responsabilidade do fornecedor. O ponto principal dessa divergência é a interpretação do inciso III do §1º do artigo 12, do CDC. Uma parte dos doutrinadores afirmam que estão presentes os pressupostos da responsabilidade do fornecedor, ou seja: defeito, dano e nexo causal. Enquanto outros, por outro lado, afirmam inexistir um desses pressupostos: o defeito, assim, afastada a responsabilidade.
Para a melhor doutrina surgiria a necessidade de se compatibilizar a excludente com a responsabilidade objetiva imposta ao fornecedor. Para essa compatibilização dever-se-ia considerar dois requisitos: a) o primeiro, requisito temporal, diz respeito ao momento que deve ser tomado em consideração para a verificação do estado dos conhecimentos científicos e técnicos; b) o segundo, requisito técnico, diz respeito ao critério para avaliação do estado da ciência e da técnica.
Aduz-se que ao fornecer no mercado consumidor produto ou serviço que, posteriormente, venha apresentar riscos cuja potencialidade não pôde ser antevista pela ciência ou tecnologia, o empresário não deve ser responsabilizado com fundamento nem na periculosidade -pois prestou informações sobre os riscos adequados e suficientes-, nem na defeituosidade -porque cumpriu o dever de pesquisar-.
Em relação ao requisito técnico, Herman Benjamin{C}[13] afirma que a análise do grau de conhecimento científico não é feita tomando por base um fornecedor em particular, mas, por aquilo que sabe a comunidade científica em determinado momento histórico.
{C}7. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO
O artigo 188, inciso I, do Código Civil prevê que o exercício regular de um direito reconhecido não constitui ato ilícito, afastando, assim, a responsabilidade civil.
Embora o CDC silencie quanto ao exercício regular de direito, entende a doutrina que por ser ele ato lícito, afastada estaria a responsabilização do fornecedor. Assim, por exemplo, o ato de realizar cobrança, de enviar um título vencido para cartório de protesto, com a conseqüente inclusão do nome do devedor em banco de dados, mesmo que provoquem transtornos ao consumidor, são exemplos de exercício regular de direito do fornecedor e, portanto, de atos lícitos. Todavia, tais direitos devem ser exercidos pelo fornecedor atendendo aos preceitos dos artigos 42 e 43 do CDC.
Ademais, segundo o doutrinador Rizzatto Nunes{C}[14], o credor tem o direito de cobrar seu crédito do consumidor inadimplente, apenas não podendo fazê-lo de forma abusiva.
Logo, o exercício regular de um direito, por ser ato lícito, não ensejará a responsabilização do fornecedor, apenas haverá responsabilização caso o fornecedor viole os dispositivos que disciplinam a ação regular de cobrança e o cadastro de consumidores em bancos de dados, agindo de forma abusiva.
CONCLUSÃO
Os princípios fundamentais previstos principalmente no artigo 4° e incisos do CDC revelam a filosofia de ação da defesa do consumidor, vez que ao reconhecer a vulnerabilidade do consumidor no mercado, prevêem ação governamental no sentido de protegê-lo efetivamente, bem como, a educação e informação de fornecedores e consumidores, em relação aos seus direitos e deveres com vistas à melhoria do mercado, e também através de incentivos à criação; pelos fornecedores, de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como por mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo.
Um exemplo cristalino da referida proteção consumerista consiste na forma da responsabilização civil do fornecedor, do tipo objetiva, em que se faz necessário o consumidor prejudicado comprovar apenas o dano e o nexo causal. O dever indenizatório decorrente da responsabilidade, contudo, comporta exceções. Tais excludentes, como mencionado ao longo deste trabalho, são, além das expressamente previstas no CDC, o caso fortuito, a força maior e o exercício regular de direito.
Por fim, faz-se imperiosa a atenção constante dos consumidores para que possam se proteger de potenciais abusos de anúncios, contratos, marketing, propagandas, dentre outros meios de difusão da informação, do mercado fornecedor.
CONSUMER PROTECTION AND RESPONSIBILITY:
GENERAL ASPECTS
Natália Augusta Sampaio Silva {C}[15]
ABSTRACT:
This article aims to portray the enormous importance of the study of civil responsibility in the system of consumer protection in Brazil. One category is analized in a more detailed fashion: civil responsibility on the part of suppliers over faulty products or services. In accordance with the principles prescribed by the Consumer Rights Protection Code (Law 8.078/90), among them the principles of equality, good faith, prohibition of abuse, the social function of contracts, and, most importantly, the principle of consumer’s vulnerability, suppliers are, in general, considered objectively responsible in such cases.
Keywords: consumer – vulnerability - civil responsibility – suppliers.