A retirada dos símbolos religiosos das repartições públicas


24/05/2015 às 23h42
Por Paulo Moleta

Resumo: Neste texto analiso alguns aspectos acerca da presença de símbolos religiosos em repartições públicas, levando em consideração a opção constitucional pela adoção de um Estado Laico, ou seja, que não possui sentimento religioso, tampouco estabelece preferências ou se manifesta por meio de seus órgãos, assim como abordamos aspectos acerca da fixação e manutenção, por parte do Estado e seus Poderes, de símbolos de específicas crenças religiosas, violando a exigência constitucional de neutralidade em relação às crenças e religiões.

Palavras-Chave: laicidade estatal, símbolos religiosos, repartições públicas, inconstitucionalidade.

O objetivo principal do presente artigo é demonstrar a necessidade da existência de um Estado verdadeiramente neutro, no que diz respeito às religiões, em que todos os credos, assim como a ausência destes, sejam respeitados em observância aos preceitos constitucionais adotados, assegurando à minoria uma igualdade em relação àqueles que representam a maioria.

As mudanças culturais ocorridas no Estado Moderno, acompanhadas de uma teorização do poder político e de formulações em torno da liberdade religiosa, implicaram uma ruptura gradual com o modelo de Estado então existente e passaram a compreender as idéias de neutralidade estatal e de pluralismo ideológico e religioso.

Neste contexto, o Brasil adotou a laicidade estatal por dispositivo constitucional e assegurou, a todos os cidadãos, no rol de garantias fundamentais, as liberdades de crença e de culto, além da igualdade, independentemente de suas convicções religiosas.

Nota-se, no entanto, que apesar de toda proteção constitucional às liberdades de crença e de culto, assim como o caráter Laico do Brasil, em órgãos públicos brasileiros verifica-se a presença de símbolos religiosos, especialmente os crucifixos, frequentemente encontrados em salas de audiência e em Tribunais.

A idéia de laicidade estatal surge na metade do século XIX, mais precisamente no ano de 1871, durante a Revolução Francesa, e reside na separação entre o poder político e o poder religioso. É a maneira pela qual o Estado se emancipa de toda a referência religiosa, sem, no entanto, desprezá-la.

A laicidade estatal, portanto, apresenta-se como um regime social de convivência no qual as instituições políticas são legitimadas pela soberania popular e não por elementos religiosos. Assim, o Estado laico não deve ser entendido como uma instituição anti-religiosa ou anticlerical, mas como a primeira organização política que garantiu as liberdades religiosas.

No Brasil foi com o advento da República que se firmou a linha da liberdade religiosa. O artigo 72, § 3º, da Constituição de 1891 dispunha que “todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.” AConstituição Federal de 1988, acompanhando as transformações ocorridas no Estado Contemporâneo, tratou de dispor sobre a liberdade religiosa no rol de direitos e garantias fundamentais e assim declarou ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos.

Na América Latina, os vinte países trazem, em suas Constituições, dispositivos legais que asseguram a liberdade de cultos para todos os seus cidadãos e a maioria deles apresenta-se legalmente como sendo estados laicos, modernos e liberais, caracterizados pela separação da Igreja e do Estado. A Igreja Católica, no entanto, em razão de sua importância histórica e cultural se afirma como interlocutora religiosa privilegiada junto ao Estado, chegando a amealhar e obter, em diferentes domínios (educacional, assistencial e político), um tratamento privilegiado, sendo motivo de críticas por parte de outras denominações religiosas, sobretudo as evangélicas.

As religiões, em geral, destacam-se pela presença de símbolos, os quais diferenciam uma instituição religiosa de outra. Assim, através destes símbolos, é possível identificar seu semelhante no âmbito religioso.

No Cristianismo Católico o símbolo mais conhecido e de maior relevância é a Cruz. Na Cruz, Jesus Cristo foi morto e com a crucifixão, surgiu outro símbolo bastante difundido pela religião católica qual seja o crucifixo.

Embora o Cristianismo tenha enorme força no Brasil, a pluralidade religiosa existente em nosso Estado indica que não deve ser ele o único a ser seguido. Diversas outras Igrejas não cultuam símbolos importantes para a Igreja Católica. Se para os católicos a cruz representa a vitória e a ressurreição, para os evangélicos, por exemplo, representa dor e sofrimento. São visões diferentes, de crenças diferentes e que devem ser respeitadas de forma isonômica.

Todas as religiões têm seus símbolos e o direito de cultuá-los. Isso significa Laicidade Estatal, significa Liberdade Religiosa. Neste contexto é importante ressaltar que a laicidade Estatal está vinculada ao princípio do direito da igualdade, pois, constatando-se a existência do pluralismo religioso, reconhece-se que não cabe ao Estado determinar qual sistema de crença é verdadeiro ou mais verdadeiro que o outro, nem decidir qual é o mais positivo ou conveniente para a sociedade.

A manutenção de crucifixos em salas de sessão e em outros espaços eminentemente públicos é uma prática antiga e disseminada, em um país que, de um lado possui o catolicismo como religião majoritária e por outro possui uma tradição cultural enraizada de separação entre os espaços religioso e jurídico-estatal.

Por esta razão, entende a doutrina que um dos múltiplos desdobramentos do princípio da laicidade é a exigência de diferenciação simbólica entre Estado e religião. Esta exigência se traduz na proibição do uso de símbolos religiosos como os crucifixos, nos estabelecimentos públicos, dado que dito uso sinaliza a identificação do Estado com as idéias religiosas que os símbolos representam.

A presença destes símbolos religiosos em espaços como a sala de sessão de um tribunal ou sala de audiência de juízos monocráticos – via de regra em posição de absoluto destaque - transmite uma mensagem que nada tem de neutra, associando a prestação jurisdicional à religião majoritária, o que é francamente incompatível com o princípio da laicidade do Estado, o qual demanda a neutralidade estatal em questões religiosas.

É oportuno esclarecer que aos magistrados e serventuários da Justiça, como cidadãos, é assegurada a mesma liberdade de crença das demais pessoas. Contudo, os espaços acessíveis ao público do tribunais não pertencem aos magistrados ou serventuários e sim ao Estado brasileiro, estando, portanto, plenamente submetidos ao irrestrito acatamento do princípio constitucional da laicidade.

O Estado laico não é ateu nem religioso. Não deve perseguir as religiões, nem promover a religiosidade, mas sim estabelecer regras de convivência, buscando o mínimo de restrição e o máximo de liberdade, sempre focando o respeito à diversidade religiosa, contemplando crentes e não crentes.

A laicidade não significa a adoção pelo Estado de uma perspectiva ateísta ou refratária à religiosidade. Ao contrário, a laicidade impõe que o Estado se mantenha neutro em relação às diferentes concepções religiosas presentes na sociedade, sendo-lhe vedado tomar partido em questões de fé, bem como buscar o favorecimento ou o embaraço de qualquer crença.

Como bem afirma Maria Emília Correa Costa, em seu artigo intitulado “Apontamentos sobre a Liberdade Religiosa e a formação do Estado Laico” [1]

“O caminho de transição da tolerância religiosa para o pluralismo religioso é longo e tortuoso. Passa por inúmeras medidas estatais e pela mudança de postura na própria sociedade, tais como: o reconhecimento e o respeito às minorias religiosas e às suas práticas religiosas; a desvinculação simbólica do Estado das confissões religiosas, seja pela não-exposição de símbolos religiosos nos recintos públicos, seja pela não utilização de ritos religiosos em cerimônias oficiais ou, ainda, pela não fundamentação de cunho religioso em decisões ou medidas oficiais; (...)”

O respeito à diversidade religiosa, o fortalecimento da laicidade e a garantia plena do direito fundamental de liberdade religiosa são os pilares pra a real formação de uma sociedade democrática. O respeito pela pluralidade passa obrigatoriamente pelo reconhecimento da liberdade religiosa.

Neste contexto, conclui-se que a retirada de símbolos religiosos de estabelecimentos estatais não configura laicismo. Pelo contrário, a retirada dos referidos símbolos estaria preservando a liberdade de religião do indivíduo e ratificando o caráter Laico do Estado.

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Referências

LOREA, Roberto Arriada. Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2008.

CALADO, Maria Amélia Giovannini. A laicidade estatal face à presença de símbolos religiosos em órgãos públicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2565, 10 jul. 2010.


Paulo Moleta

Bacharel em Direito - Curitiba, PR


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