Mandado de segurança é instrumento hábil para retirar documento do veículo do ano no caso de negatória de emissão por parte do DETRAN sob a exigência de pagamento de multa que nunca recebeu notificação
É cediço que para se organizar em um Estado realizamos o pacto social de forma que a máquina administrativa executa funções tidas como essenciais, por exemplo: água, energia, transporte, entre outros.
É claro que o Estado é soberano, mas, Ele limita-se sua soberania pelos termos da lei de forma a preservar as garantidas fundamentais de seu povo, assim, o Estado só pode agir em estrito cumprimento à lei, coaduna como nosso entendimento o Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello[1] diz sobre o aludido princípio, senão vejamos:
"é o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei”.
E essa legalidade nos compele enquanto servos e cidadãos deste Estado a confiar Nele de forma a assegurar nossos direitos por meio da Lei, em síntese, aqui impõe-se o Princípio[2] da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro de forma a assegurar o postulado da segurança jurídica[3].
Tal intróito se impõe, para que se demonstre que o apelado confia na administração pública e como tal, com o firme propósito de cumprir o determinado pela lei em cumprir o pagamento de IPVA e licenciamento, mas, foi-lhe negado ante o surgimento de multa a qual não tinha sido notificado previamente.
É cediço que o órgão estatal só pode utilizar-se de seu poder de polícia (que limita os direitos dos cidadãos) quando está diante de uma condição de ilegalidade ou infração administrativa.
E ao vincular a renovação de licença para veículos mediante pagamento de multas das quais não se teve prévia ciência vai de encontra a lei nº 9.503 de 1997, é o que reluz o art. 22, VI, concessa venia, transcreve-se tal dispositivo:
“Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
(...)
VI - aplicar as penalidades por infrações previstas neste Código, com exceção daquelas relacionadas nos incisos VII e VIII do art. 24, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar”. (negritei e sublinhei).
Assim, diante de um impasse, qual seja: efetuar o pagamento da multa e andar pela cidade irregularmente alternativa paga-se a multa aceita que o DETRAN/MT incorreu em uma ilegalidade que nem ao menos sabe lugar, motivo, horas que geraram essa multa, pois, até a presente data não recebeu nenhuma notificação.
É claro que os atos da administração são autônomos em relação ao judiciário, mas, esses atos quando eivados de vício ensejam em controle por parte do poder Judiciário quando jungidos de ilegalidade.
In casu, o STJ julgando reiterados casos similares editou a súmula nº 127 que rege:
“É ilegal condicionar a renovação de licença de veículo ao pagamento de multas, da qual o infrator não foi notificado”.
Para que os Nobres Julgadores possam vislumbrar a veracidade dos argumentos trazidos pelo reclamado chamo a atenção para as manifestações do órgão de trânsito as fls. 41/43, afirmando que não encontraram os supostos AR´s e que tão logo seriam encaminhados aos autos e tal petitório ocorreu emJulho de 2007, estamos em Fevereiro de 2012 e a peça que contém as razões de apelação (fls. 57/63) vê-se que os supostos AR´s, inexistem, portanto, não há que se falar em presunção de legalidade, ante a falta de motivo e motivação.
Ademais, essa eg. Corte tem julgado nesse mesmo sentido, vale dizer:
“REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - MULTA DE TRÂNSITO - VINCULAÇÃO DA TRÂNSFERENCIA/LICENCIAMENTO AO PAGAMENTO DE MULTA - DUPLA NOTIFICAÇÃO DA PARTE INFRATORA NÃO COMPROVADA - ILEGALIDADE - SENTENÇA RATIFICADA. A inexistência da dupla notificação do infrator enseja a insubsistência do registro da infração, motivo pelo qual condicionar o licenciamento do veículo ao pagamento de multas correspondentes a infrações não notificadas, nos termos do art. 281, parágrafo único, inciso II, do CTB, é ilegal”. TJMT. 4ª Camara Civel. REEXAME NECESSÁRIO Nº 34235/2011 - CLASSE CNJ - 1999 - COMARCA DE LUCAS DO RIO VERDE. Relator: DES. MARIANO ALONSO RIBEIRO TRAVASSOS. DJE. 08.11.2011. (negritei).
E ainda nessa mesma esteira:
“REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - LICENCIAMENTO DO VEÍCULO - EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO DE MULTAS - AUSÊNCIA DE DUPLA NOTIFICAÇÃO DO INFRATOR - ILEGALIDADE - INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 281, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DO CTB – SEGURANÇA CONCEDIDA – SENTENÇA RATIFICADA. A Administração Pública não pode condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado, a teor da Súmula 127 do STJ”. TJ/MT. REEXAME NECESSÁRIO Nº 23078/2011 - CLASSE CNJ - 199 - COMARCA. CAPITAL. 3 Câmara Civel. Relator: DESEMBARGADOR JOSÉ TADEU CURY. DJE. 23.08.2011. (negritei).
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Brasileiro. 28ª ed. Editora Malheiros. São Paulo. 2011.
[2] MAFFINI, Rafael da Cás. Principio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro. Editora verbo jurídico. Porto alegre. 2011.
[3] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Editora Malheiros. São Paulo. 2011.