"Vagabundos, justiceiros, corrupção e taxatividade”


16/05/2016 às 17h45
Por Lucas Wesley Almeida Cavalcanti

Os bens jurídicos valorados pela sociedade têm afrontado em grande escala os ideais de justiça, proporcionalidade e igualdade.

Ao que me parece, o “povo” acostumou-se a achar normal determinados atos que deveriam ser tidos como repugnantes, principalmente no tocante a corrupção. Por que digo isso? Simples, o fato de quem “rouba menos” ser taxado de melhor para governar (observe que o termo roubar remete a crimes contra o patrimônio; já os crimes perpetrados na condição de governantes se tratarem, em sua maioria, de crimes contra a administração).

Há de se fazer uma conexão, inclusive, com a taxatividade em relação à outras atividades criminosas, sobre as quais os delitos praticados pelos marginalizados sociais são considerados de extrema gravidade. Por outro lado, crimes praticados pelas classes mais favorecidas são apreciados como socialmente aceitos.

Neste sentido, Bolsonaro afirmou que “(...) essa Polícia Militar do Brasil tinha que matar é mais"e completou “eu tenho um projeto aqui na Câmara, se alguém está roubando uma bicicleta, se eu atirar naquele vagabundo, eu não respondo por crime nenhum. Eu não sou mais passível de ser punido (...)” [1]. Esse pensamento confirma a afirmação de que a lei deve pesar mais para crimes mais repugnantes ou praticados por desfavorecidos, não se aplicando à delitos que tem como agente ativo os mais favorecidos na sociedade.

O leitor deve imaginar" o que tem a ver uma coisa com a outra? ". Talvez, se pensarmos melhor há uma extrema ligação de ambos os temas. O brasileiro é acostumado a eximir a responsabilidade de alguns por achar que a conduta de outros são mais repugnantes.

ROUBA MAS FAZ

É tradição na política brasileira o chavão “rouba, mas faz”, que emergiu ao mais populoso estado do Brasil na metade do século passado, quando Adhemar de Barros era canonizado por seus pares por concretizar determinadas ações [2], não importando as possíveis atitudes ilícitas por ele perpetradas.

Nota-se, portanto, que se passaram pouco mais de seis décadas, no entanto pouco evoluiu o entendimento popular acerca dos pilares que devem reger a sociedade. Desta forma, o bem comum não pode-se confundir jamais com favores políticos, mas deve ser entendida como a real finalidade da Criação do Estado.

Tornou-se matéria constante nos jornais e comum nas conversas populares falar sobre “Impeachment, lava-jato e corrupção”. Assim, ao sugerir que a população evoluira seu entendimento político, me vi frustrado ao escutar um “cientista político” falar em um programa de rádio que “o governo do PT roubou, mas o do PMDB e PSDB roubou mais e, por isso, àquele é melhor que estes”.

Ora, se as pessoas que estão transmitindo informações estão despejando esse entendimento, o que não pensa a comunidade no geral? Melhor seria haver o pensamento de que todos devem pagar pelos seus atos lesivos à bens jurídicos, salvo os casos em que a lei prevê excludentes.

Outrossim, É relevante o pensamento de Arthur Machado Paupério [3] quando afirma que “mesmo numa democracia, à base do principio majoritário, impõe-se primeiramente que jamais a maioria torne justo o que é objetivamente injusto (...)”. De tal forma, não pode a massa legitimar uma atitude errada enquanto incrimina outra de igual natureza, levando em consideração apenas alguns critérios, tais como quantidade, ação repetida por outros atores e fragilidade social.

BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO

Hodiernamente temos visto o aumento de casos de torturas, linchamentos e autotutela, exercidos pela sociedade civil. Denominam-se justiceiros as pessoas e grupos que têm agido repressivamente na punição direta e antijurídica de determinados criminosos.

É de ressaltar que, quando do exercício das próprias razões, denominada autotutela e desprotegida do ordenamento jurídico (salvo excludentes de ilicitude taxadas no código penal), os agentes justiceiros também estão por cometer delitos (sobretudo em relação a desproporcionalidade de reação). Ora, se “bandido bom é bandido morto”, porque não merecem a mesma punição esses agentes que desconsideram o contrato social e atuam baseados pelos próprios códigos morais?

Como explanado acima a respeito da taxatividade de crimes e delinquentes, há uma certa valoração de crimes e criminosos no Brasil, onde crimes de proximidade (crimes contra a vida e contra a propriedade) são tidos como inaceitáveis e merecedores de punição extrema, por outro lado crimes que atingem outras esferas de direitos, os quais tem menos proximidade com a integridade física e propriedade, são relevados e tratados de forma mais branda.

Assim, os “justiceiros” entendem que “bandido bom é bandido morto”, no entanto isso depende muito do bandido. Ora, essa regra não se aplica ao “playboy” que revende drogas na faculdade, muito menos aos grandes empresários que utilizam de mão de obra escrava. A punição por morte não atinge os pilotos homicidas, ao atropelarem pessoas por estarem embriagados, nem tampouco aos sonegadores de impostos.

Esse entendimento é, por si, contraditório, injusto e desigual. Afronta, assim, a inteligência humana, a isonomia e a ordem social. Não é necessário nem elencar os dispositivos legais mitigados pelo “brilhante entendimento justiceiro”.

É de ressaltar que essas pessoas perpetuam o entendimento de que “os direitos humanos só protegem os bandidos”. Não questionam nem ao menos o que são direitos humanos. Não sabem, portanto, que o próprio direito à segurança, a vida e a propriedade são garantias advindas dessa ordem.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, tenho pra mim que a situação política do Brasil mude quando todos passarem a repugnar tanto as atitudes e crimes com menor lesividade, quanto os que atingem maiores bens jurídicos. É necessário, portanto, uma reeducação em prol da isonomia, equidade e justiça social.

O direito, é, como aduz Tercio Sampaio Ferraz Jr [4], um sistema de controle de comportamento, o qual se vale de uma relação básica nas relações pessoais, qual deva ser exercido pelo juiz, pelo legislador ou mesmo pela norma.

Por fim, é relevante desconsiderar todo pensamento extremista que coloca em perigo as garantias constitucionais, sobretudo o que desconsidera toda carga de direitos fruto da vagarosa evolução social. Pela ordem social e segurança jurídica, devemos pensar em modos mais efetivos para tratar a criminalidade e a corrupção, deixando de lado todo extremismo que limita" o próprio direito de ter direitos ".

Publicado anteriormente em http://lucaswesley125.jusbrasil.com.br/artigos/337248913/vagabundos-justiceiros-corrupcao-e-taxatividade

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Referências

1. http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/bolsonaro-defende-queapm-mate-mais-no-brasil

2. http://epoca.globo.com/colunaseblogs/eugenio-bucci/noticia/2015/10/rouba-mas-faz-obra-social.html

3. PAUPÉRIO, Artjur Machado. A legalidade, a realidade social e a justiça: a ordem política, social e econômica e os valores humanos. Rio de Janeiro, Freitas Bastos: 1983.

4. FERRAZ JR, Tercio Sampaio. A Norma Jurídica. Rio de Janeiro, Freitas Bastos: 1980.


Lucas Wesley Almeida Cavalcanti

Advogado - Buíque, PE


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