É indubitável que noções de responsabilidade devem ser ponderadas diante de situações, além de imprevisíveis, catastróficas, como foi o caso do advento das consequências da pandemia no país.
Sabe-se que casos fortuitos ou de força maior podem isentar o agente de qualquer responsabilidade de danos decorrentes destes pela evidente razão de que não há como se evitar o mal que estaria por vir.
Para Álvaro Villaça Azevedo, caso fortuito é “o acontecimento provindo da natureza, sem qualquer intervenção da vontade humana.” Já a força maior é “o fato do terceiro, ou do credor; é a atuação humana, não do devedor, que impossibilita o cumprimento obrigacional.” (AZEVEDO, 2001, p. 270).
Assim, seja por este ou por aquele, independente de conceituação doutrinária, o objetivo é o mesmo: impedir a configuração de eventual responsabilidade.
Mas a configuração dos institutos não é o bastante para tal isenção. Faz-se necessário um liame causal entre o evento e a origem do dano, desta forma tornar-se-á apto a afastar o nexo de causalidade entre a conduta do suposto responsável e o dano causado.
Se o caso fortuito ou de força maior isenta o agente de responsabilidade, não significa que não ocorreu a lesividade, mas que se rompeu a linha entre nexo de causalidade da conduta e o dano. Assim sendo, ainda subsiste o dever de indenizar. O doutrinador Sérgio Cavalieri Filho nos remete ao entendimento.
Salienta-se que, em se tratando de responsabilidade objetiva, com fundamento no risco da atividade, existem hipóteses em que o caso fortuito não afasta o dever de indenizar. Essa situação pode ser identificada no chamado fortuito interno, entendido como o fato imprevisível – e por isso inevitável –, mas que está ligado aos riscos próprios [...] O que ocorre em casos relacionados ao transporte, ao fornecedor de produtos e serviços e ao Estado (CAVALIERI FILHO, 2014, p.122).
Dessa forma, conseguimos entender que não obstante pode-se considerar o advento da pandemia como caso fortuito, isto não é o bastante, visto que o Poder Administrativo teve considerável tempo, sobretudo pelo fato de que o vírus se propagou em outros países antes de atingir o Brasil. Nesse sentido, aborda a professora Maria Cândida Kroetz:
A inevitabilidade do fato que gerou o dano está no centro da questão da isenção de responsabilidade pela ocorrência de caso fortuito ou de força maior em uma pandemia. Diante de acontecimentos diretamente decorrentes da Covid-19 ou diante das medidas excepcionais adotadas pelos governantes para enfrentar a doença, indaga-se sobre a possibilidade de configurar a isenção de responsabilidade por danos causados. E a resposta não é linear. Cada caso é único e requer uma análise dos critérios de configuração do caso fortuito ou de força maior e sua aptidão para afastar o nexo causal (KROETZ, 2020. Texto Digital).
Na visão da professora, a resposta acerca dessa dúvida não é pacífica, podendo, sim, ser responsabilizado pelo dano causado, tanto o particular quanto o Estado, analisando cada caso concreto em si.
Urge a necessidade de preenchimento dessa lacuna legis de forma objetiva de verdade, visto que, embora seja predominante a ideia de que os institutos citados supra isentem o Estado de responsabilidade, existem decisões singulares diversas que vão de encontro a este entendimento, considerando o saber jurídico particular do julgador. O que acarreta a um prejuízo ainda maior além da insegurança jurídica ao particular.