Repercussão Geral, Transcedência, Recursos Repetitivos. Formas de efetividade na prestação jurisdicional ou “Um velho calção de banho, um dia prá vadiar.”


29/10/2013 às 13h06
Por Advocacia: Heleno Ávila Advogados Associados

Prof. Esp. Cláudio-Alexandre dos Santos e Silva

Bacharel e Direito pela Universidade Tiradentes, Advogado do Escritório Ávila e Silva Advocacia e Professor da Universidade Tiradentes, sendo Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela mesma Instituição de Ensino Superior.

Desde há algum tempo tem-se repetido, quase que como um mantra ou como verdade insofismável que o problema do judiciário tem sido a sua demora em prestar aquilo que Constitucionalmente dele se espera, que seja, a Jurisdição.

Muitas tem sido as teorias levantadas: falta de pessoal qualificado, pequeno número de Juízes, questões remuneratórias, falta de estrutura física, procedimento demorado, infinidade de recursos, etc.

Em resposta são criados órgãos, modificadas Leis, investe-se em pessoal e novas tecnologias e, em verdade o problema continua sem solução aparente levantando um questionamento que nos parece válido, essas tentativas serviriam para instrumentalizar o processo judiciário de maneira a resguardar direitos?

Em sumária análise cremos que a resposta seria negativa. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, lançou no ano de 2010 a chamada Meta 2 que tinha por slogan “Quebrar recordes é assegurar Direitos”. Será mesmo que tal diretriz é verdadeira, principalmente quando vimos processos sendo extintos com e sem resolução de mérito sem o menor critério jurídico ou preocupação com a tutela que estava sendo prestada às partes?

Verdadeiramente não é a celeridade ou morosidade que irão proporcionar uma Justiça justa ou não. O grande processualista paulista Kazuo Watanabe ao analise o acesso à justiça como baliza do sistema processual constitucional brasileiro redefiniu o instituto para assim conceituá-lo não como um simples acesso à justiça, mas sim um acesso a uma ordem jurídica justa.

Podemos resumir as lições do Mestre da seguinte forma:

Facilitação do acesso – gratuidade (juizado especial e na assistência judiciária) e nas ações coletivas (ação civil pública, ação popular, etc).

Respeito ao devido processo legal – possibilidade de efetiva participação das partes na formação da convicção do juiz (ativismo do juiz [postura ativa na condução do processo e na busca da justiça] e diálogo com o juiz [comunicação efetiva – o juiz deve ouvir as partes e analisar seus pleitos;

Decisões com justiça – 1ª) tempestividade (duração razoável do processo) e 2ª) aplicar a lei de modo a gerar a maior pacificação social possível.

Efetividade das decisões – 1º) aumento dos poderes do juiz: a) ampliação dos meios de execução, como § 5º do artigo 461 do CPC); b) medidas sancionatórias; c) início do cumprimento de sentença de ofício, salvo pagamento de quantia; d) atipicidade dos meios executivos para as obrigações de fazer e entrega de coisa fundada em título judicial 461 e 461-A; 2º) Tutela de urgência – principalmente tutela antecipada.

Como se observa, o que propõe o processualista é que o cidadão não só consiga ir até o Judiciário (acesso à justiça), mas que de lá possa sair com a efetiva prestação jurisdicional, dada em razoável lapso temporal. Não se deve buscar simplesmente acabar com o processo, mas sim pacificar a relação jurídica conturbada que deu origem ao processo.

O que tem ocorrido, entretanto, em nosso entender, é uma série de medidas que em nada contribuirão para a justiça, tendo em vista que não se pode confundir celeridade com ideal de justiça.

Analisemos inicialmente os institutos irmãos da repercussão geral e da transcendência – nomes pomposos para dizer que o STF e o TST só analisarão recursos se os mesmos trouxerem questões que extrapolem os limites subjetivos da lide e para tanto deverão possuir repercussão ou transcendência quanto aos aspectos políticos, sociais, econômicos ou jurídicos.

O que ocorre é que quem vai dizer se a questão extrapola ou não os limites da intersubjetividade das partes litigantes são os próprios tribunais, ou seja, se houver interesse do tribunal no julgamento do recurso ótimo, senão teremos uma instância “legitimamente” suprimida.

Outro instituto muito discutido e discutível é a chamada súmula vinculante, que foi constitucionalmente instituída através da EC 45/2004. Por tal instituto quando houver sua edição todos os órgãos do judiciário e do executivo estarão vinculados ao entendimento esposado no verbete, não podendo dele discordar ou apresentar entendimento dissonante.

Da mesma maneira temos as chamadas súmulas impeditivas de recurso, que impedem que seja um recurso conhecido se estiver em desacordo com o entendimento sumulado do Tribunal competente para o julgamento.

Outro instituto, também relativamente novo é o chamado incidente de recursos repetitivos, que ao ser suscitado faz com que todos os recursos do país que versem sobre o tema deixem de ser levados adiante, ficando sobrestado o seu andamento até a decisão final.

O que podemos observar de maneira muito simples e que estão sendo criados mecanismos de concessão de superpoderes aos Tribunais superiores que em decisões muitas vezes políticas gerarão com certeza uma série de injustiças em nome de uma celeridade, ou seria mesmo por preguiça de julgar.

Preferimos não pensar na segunda hipótese pois cremos que o nobre exercício da jurisdição não pode e nem deve sofrer de tal mal, senão teríamos que, como os poetas Vinícius e Toquinho, imaginar como trilha sonora dessa tragédia a canção Tarde em Itapoã, afinal daqui a pouco, sem ter o que julgar, estariam os nossos Ministros como a personagem da música:

Um velho calção de banho o dia prá vadiar

um mar que não tem tamanho um arco-íris no ar.

Depois da praça Caymi sentir preguiça no corpo

e numa esteira de vime beber uma água de côco.

É bom... passar uma tarde em Itapoã, ao sol que arde em Itapoã

ouvindo o mar de Itapoã, falar de amor em Itapoã.

Mas como dito não cremos que seja esse o mal que aflige as Cortes pois, mesmo com tantas e mirabolantes “soluções” o número de recursos não para de aumentar. Então, afinal, onde está o problema.

O problema passa pela falta de estrutura, passa pelo despreparo dos magistrados, passa pelos procedimentos anacrônicos, mas passa, principalmente, pela falta de efetividade da decisão de piso.

A partir do momento que a Legislação Brasileira vislumbrar uma possibilidade de atribuir ao magistrado de primeira instância poderes para efetivar a sua decisão é possível garantir que a partir daí tenhamos o início da solução do problema.

O professor e Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Antônio Carlos Marcatto em palestra proferida no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe citou um exemplo muito esclarecedor sobre o tema.

Segundo o professor o TJSP mantinha um tribunal de alçada para o julgamento das apelações oriundas das ações de despejo, sendo que tais recursos demoravam em média dois anos para que fossem proferidos os acórdãos. Isso criava a seguinte situação: uma pessoa em São Paulo locava um imóvel, não pagava os alugueis, recebia uma ordem de despejo, apelava, tal apelação tinha efeito suspensivo e ficava morando no imóvel por mais ou menos dois anos sem pagar aluguel algum.

O que foi feito? Criaram-se novos tribunais? Nomearam-se novos Desembargadores e Juízes? Investiu-se em pessoal? Não. Simplesmente modificaram a lei para que a apelação em casos de despejo deixasse de ter o efeito suspensivo automático. Conseqüência? Não mais foram interpostas apelações em caso de despejo, ou seja, deixou de existir o a ato de recorrer pelo simples recorrer.

Efetividade das decisões judiciais de primeiro grau de jurisdição. Decisões proferidas com cautela mas que assegurem às partes a solução, a pacificação da mazela social e jurídica que gerou o processo.

Não é com mecanismos que impeçam os recursos que vamos conseguir isso, posto que, se analisados profundamente chegaremos a uma patente inconstitucionalidade por ferir o acesso ao Judiciário que deve ocorrer, como já dito, de forma justa. A mudança é de mentalidade, inclusive legislativa, para que se crie formas de prevenção, solução extrajudicial de conflitos, mas principalmente que dê ao magistrado de primeira instância condições de ver a sua sentença, desde que justa, efetivamente cumprida.

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Advocacia: Heleno Ávila Advogados Associados

Bacharel em Direito - Aracaju, SE


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