Alteração e Extinção do Contrato Administrativo


05/09/2013 às 23h24
Por Flávio Honorato Queiroga

1. INTRODUÇÃO

Em princípio, é preciso estabelecer o entendimento a respeito da modernização do conceito de Estado, que fez consolidar a ideia da possibilidade jurídica da instituição celebrar pactos bilaterais, figurando ele como uma das partes na relação obrigacional.

É preciso entender, portanto, a clara dimensão dessas mudanças verificadas a partir da transmutação da atuação estatal, sob o prisma do Estado absolutista para o Estado moderno, inaugurado com o advento da revolução francesa, em 1789, que difundiu direitos, mais precisamente, em relação às garantias individuais.

Hodiernamente, podemos, portanto, identificar uma clara atuação do Estado em diversos segmentos da sociedade, o que inclui, de forma bastante percuciente, os contratos. Os contratos celebrados pelo Estado com terceiros, de acordo com a doutrina, podem ser, genericamente nominados como CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO, que se subdividem em Contratos Privados da Administração e Contratos Administrativos.

Os contratos privados da administração são regidos, em geral, pelos preceitos de direito privado, observando, no que couber, a legislação pertinente à atuação da Administração Pública, a exemplo da adoção da licitação na escolha dos prestadores de serviço ou dos fornecedores. Já os contratos administrativos se submetem aos preceitos de direito público conforme dispõe o art. 54 da Lei 8.666 de 1993.

Na opinião de Carlos Roberto Gonçalves, O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para sua formação, da participação de pelo menos duas partes, baseado no mútuo consenso, no encontro de duas vontades, na conformidade da lei e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos.

No contrato administrativo, o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, tem como princípio basilar uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público. (José dos Santos Carvalho Filho)

Outro princípio que diferencia o contrato administrativo daqueles firmados entre particulares, objeto de deliberação do Código Civil, é a observância da preponderância da administração pública, descrito em vários artigos da Lei 8.666 de 1993 (Art. 58, 65, I, 65, § 1º, e 78, XII).

Isto fica muito claro na opinião de Tácito: “O princípio da igualdade entre as partes, que importa a regra da imutabilidade dos contratos, cede passo ao da desigualdade, ao predomínio da vontade da Administração sobre a do outro contratante”. (Caio Tácito in José dos Santos Carvalho Filho). Esse princípio também é denominado como cláusula de privilégio ou exorbitante.

Para destacar essa preponderância, o artigo 58 do diploma da licitação e dos contratos na administração pública dispõe sobre alguns privilégios, denominados prerrogativas, que devem ser observados pelos agentes públicos, sob pena de responsabilização. Eles são:

a) Alteração unilateral do contrato;

b) Rescisão unilateral;

c) Fiscalização da execução do contrato;

d) Aplicação de sanções;

e) Ocupação provisória de bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, quando o ajuste visa à prestação de serviços essenciais.

2. ALTERAÇÃO UNILATERAL

Para Gasparini, “A alteração do contrato, salvo acordo, só pode incidir nas cláusulas regulamentares ou de serviços, isto é, nas de execução a cargo do contratado, e no prazo (extinção antecipada), consoante tem apregoado a doutrina, observados, como limites, o edital e a proposta”. O professor José dos Santos Carvalho Filho indica que essa alteração unilateral é fato inexistente para os contratos regidos pelas cláusulas de direito privado.

Tipos de alteração:

  • Alteração Primária

a) Quando há modificação do projeto ou das especificações, com vistas à melhor adequação técnica aos fins do contrato (alteração qualitativa) – Art. 65, I, “a” da Lei 8.666 de 93;

b) Quando é preciso modificar o valor em virtude de aumento ou diminuição quantitativa do objeto contratual (alteração quantitativa) – Art. 65, I, “b” da lei 8.666 de 93.

  • Alteração derivada

A alteração derivada, como o próprio nome sugere, decorre da implementação das operações primárias, sendo válido salientar que essa modalidade de alteração está relacionada às cláusulas econômico-financeiras e monetárias, podendo apenas ser alteradas com a prévia concordância do contratado, na hipótese de não haver a alteração primária do contrato.

Apesar dessa preponderância do interesse público, a lei também prevê a proteção contra o arbítrio e interesses escusos, para garantia do contratado, uma vez que, não havendo a proteção, muito provavelmente, seria muito difícil encontrar um particular interessado em contratar com a administração pública. Mesmo as previsões que concedem flexibilização para a Administração Pública têm como princípio o interesse público.

A lei também prevê proteção contra a alteração das cláusulas econômico-financeiras e monetárias, sem as alterações primárias, que não podem ser realizadas sem a prévia concordância do contratado (art. 58, §1º da lei 8.666 de 93). Processada a alteração, as cláusulas devem ser revistas (Art. 58, §2º).

Há também a proteção contra aumento de encargos de qualquer natureza para o contratado, fazendo jus às diferenças devidas (art. 65, §6º), assim como, no caso de repercussão no preço, para o contratado e para a Administração no caso de tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta... (art. 65, §5º).

3. Princípio do restabelecimento do equilíbrio contratual

Os limites para as alterações contratuais, de acordo com Marcelo Alexandrino, e que estão previstos no §1º, do art. 65 são de duas ordens:

a) 25% do valor inicial atualizado do contrato;

b) 50% no caso específico de reforma de edifício ou de equipamentos.

As alterações contratuais previstas no art. 65, §1º, dizem respeito às alterações qualitativas ou às quantitativas? De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, a ambas, mas há doutrinadores que afirmam que se referem apenas às quantitativas.

No caso das supressões realizadas pela Administração na hipótese de já ter surgido efeito pecuniário para o contratado, a repercussão pode convergir para duplo ônus para Estado:

a) Ficará obrigado a reembolsar o contratado pelos custos do material adquirido;

b) Terá o dever de indenizar o contratado por outros danos decorrentes da supressão. Em todo caso deverá haver comprovação dos custos absorvidos. (art. 65, §4º da lei 8.666 de 93).

4. Rescisão Unilateral

Além de poder alterar unilateralmente o contrato administrativo, a Administração tem também o poder de extinguir a relação contratual, tanto por razões de interesse público como por descumprimento de cláusula contratual por parte da contratada.

4.1. Motivos da Rescisão Unilateral.

O art. 78 da Lei nº 8.666/93 expõe os motivos ensejadores da rescisão do contrato:

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;

II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos;

III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados;

IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;

V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração;

VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores;

VIII - o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1o do art. 67 desta Lei;

IX - a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;

X - a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;

XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;

XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;

XIII - a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1o do art. 65 desta Lei;

XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

XVI - a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;

XVII - a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Dentre estes, a autora Di Pietro ressalta quatro tipos de rescisão unilateral: 1. Inadimplemento com culpa (incisos I a VIII e XVIII do art.78); 2. Inadimplemento sem culpa (incisos IX a XI do art.78); 3. Razões de interesse público (inciso XII do art.78); 4. Caso fortuito ou de força maior (inciso XVII do art.78).

O inadimplemento com culpa abrange lentidão, atraso injustificado e paralisação. Já o inadimplemento sem culpa abrange situações que caracterizem desaparecimento do sujeito, sua insolvência ou comprometimento da execução do contrato.

Como nas duas primeiras hipóteses a rescisão se dá por fatos atribuídos ao próprio contratado, a Administração nada deve a este, ficando o contratado sujeito às consequências do inadimplemento, tornando credora de indenização a Administração, provados que fiquem os prejuízos causados pelo descumprimento.

Por outro lado, nas hipóteses de rescisão por motivo de interesse público, ou ocorrência de caso fortuito ou força maior, como não há culpa do contratado, tem este direito a reparação dos prejuízos que a rescisão ocasionou. A Administração fica obrigada a ressarcir o contratado dos prejuízos comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito à devolução da garantia, aos pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e ao pagamento do custo da desmobilização de acordo com o art.79, §2º. Se não fosse assim, haveria verdadeiro enriquecimento sem causa por parte da Administração, o que não é tolerável pelo Direito.

Entretanto, de acordo com o entendimento da autora, nos casos de rescisão por caso fortuito ou força maior, o contrato deveria se rescindir de pleno direito, não havendo qualquer sentido a Administração indenizar o particular por um prejuízo a que não deu causa.

4.2. Exceção de contrato não cumprido.

A exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimplenti contractus), prevista no art.476 do CC/02, significa que uma parte contratante não pode exigir da outra o cumprimento de sua obrigação sem que ela mesma tenha cumprida a sua.

Alguns doutrinadores defendem que essa cláusula de exceção de contrato não cumprido, que é muito comum nos contratos privados, não se aplique aos contratos administrativos. Para essa corrente a ausência dessa cláusula representa uma cláusula exorbitante. O sustento teórico era o princípio da continuidade do serviço público, mais importante do que o interesse do particular.

Esse entendimento foi modificado pela doutrina moderna. Celso Antônio Bandeira de Mello demonstra que o princípio da continuidade do serviço público nem sempre está presente nos contratos, como é o caso das obras públicas, de modo que o atraso nos pagamentos devidos pela administração não podem ser suportados pelo construtor.

O art.78, XV do dispositivo legal estabelece que é causa de rescisão culposa “o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação”.

O autor José dos Santos entende de modo diferente. Para ele, em situações especiais, se o prejudicado, mesmo antes do prazo, ficar impedido de dar continuidade ao contrato por falta de pagamento, tem ele direito a rescisão do contrato com culpa da Administração.

5. Da extinção dos contratos administrativos

5.1. Pelo término do prazo e entrega do objeto

Essas duas são formas naturais de extinção contratual. Entretanto, no intuito de analisarmos da melhor maneira possível, mister se faz que façamos uma distinção entre os tipos de contratos, em especial o de obras. Além disso, entraremos um pouco na discussão acerca da duração dos contratos administrativos e sua eventual prorrogação.

No contrato de obra pública, tem-se como objetivo principal a execução de um objeto pré-determinado cuja entrega coroa a conclusão dos objetivos contratuais. Enquanto os demais contratos – de serviços, de fornecimento, de concessão e permissão, alienações e locações -, estão voltados à realização de uma obrigação que perdura no tempo de forma continuada, havendo um prazo para prestação desses serviços.

Gasparini nos leciona que a extinção do contrato administrativo pelo cumprimento do objeto dá-se quando as partes conseguiram o que pactuaram e voltam, sem menor dificuldade, às respectivas situações anteriores.

Já a extinção pelo término do prazo vai provocar efeitos diversos a depender das “subespécies” de contratos administrativos, adotando-se o entendimento de que os contratos administrativos subdividem-se em contratos por objeto e contratos por prazo (demais contratos).

Em relação aos contratos de obra, a estipulação de um prazo, em si, não tem efeito extintivo. Acontece de os contratos públicos de obra serem contratos de resultado, ou seja, o que importa é a entrega finalizada da obra.

Os prazos previstos nos contratos por objeto são prazos moratórios - a expiração dos mesmos não extingue o ajuste. É que nos contratos que se extinguem pela conclusão do seu objeto, a prorrogação independe de aditivo ou de nova licitação, porque, embora ultrapassado o prazo, o contrato continua em execução até que seja entregue o objeto ou rescindida a avença, por uma das hipóteses legais (espécies de rescisão, impossibilidade material e jurídica).

Esta questão da mitigação do prazo ou sua eventual prorrogação nos remete a outra discussão, qual seja: a duração do contrato.

A Lei 8.666/93 que trata dessa matéria dispõe em seu art. 57:

“Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;

III - (VETADO)

IV - ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato.

V - às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até cento e vinte meses, caso haja interesse da administração.”

O referido estatuto, ainda, em seu art. 7°, §2°, III, deixou claro que obras e serviços só podem ser contratados se houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações.

Como visto, para que o contrato seja executado é necessário que ele tenha dotação orçamentária. Sendo esta anual, entende-se que a duração do contrato também será anual. Aqui a doutrina se divide quanto à possibilidade ou não de um contrato iniciar em um ano e terminar no outro. José dos Santos Carvalho Filho defende esta possibilidade, por exemplo, de começar em setembro de 2010 e findar em março de 2011, não sendo possível, para o professor, a contratação por mais de um ano com mais de um crédito orçamentário (haveria exceções).

Outro limite contratual consta do inciso I do art. 57, ou seja, quando estiver previsto no plano plurianual, podendo ser prorrogados se constar no novo plano plurianual.

Esta possibilidade de prorrogação não significa dizer que o contrato possa ser tido como indeterminado, o §3° do art. 57 veda o contrato com prazo de vigência indeterminado.

A conclusão do exposto seria que a extinção do contrato pela entrega do objeto seria inibidora da extinção pelo término do prazo. Além de nos levar a crer que a consecução do contrato não teria fim, visto sua possibilidade de prorrogação.

É cediço lembrar que a mitigação de uma forma de extinção pela outra se dá nos casos em que o contrato é de obra. E, em sendo de obra, geralmente se busca um interesse público, assim, parece ser melhor dilatar o prazo e executar as obras (respeitando a previsão orçamentária), que pará-las.

Quanto aos demais tipos contratuais, pode haver a extrapolação contratual pela prorrogação nos casos elencados no estatuto (§1° e incisos do art. 57) ou no disposto no §5° do art. 79 do referido estatuto que dispõe sobre a prorrogação automática, “Ocorrendo impedimento, paralisação ou sustação do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente por igual tempo”.

5.2. Pela impossibilidade material ou jurídica

Outra forma de extinção do contrato pode ser através da impossibilidade material ou jurídica de seu cumprimento. A primeira ocorre quando o fato se torna óbice intransponível para a execução da obrigação ajustada, é o que ocorre, por exemplo, quando há desaparecimento do objeto, pois não há como se aceitar um contrato sem objeto.

Para melhor visualização basta imaginar que a Administração contrate alguma empresa para pintar um prédio, porém antes da realização do serviço ocorre um incêndio no prédio, tornando impossível a realização do serviço para o qual a empresa foi contratada. A extinção do contrato, nesses termos, não leva qualquer das partes a indenizar a outra, dado que nem uma, nem outra, deu causa ao evento extintivo.

A impossibilidade jurídica, por outro lado, ocorre quando em tese seria possível a realização da obrigação, mas não nos termos e condições decorrentes do contrato. As hipóteses de impossibilidade jurídica trazidas pela doutrina são: falecimento do contratado, dissolução da sociedade e falência do contratado.

a) Falecimento do contratado;

Nos contratos administrativos rege o princípio que impõe ao contratante particular a obrigação de responder pessoalmente pelas obrigações assumidas, pois foi selecionado, em regra, por procedimento licitatório como o melhor, o mais capaz para a satisfação do interesse público, trata-se, portanto, de contrato realizado intuitu personae. A responsabilidade pessoal do contratado está na essência do contrato administrativo e sua observância é obrigatória, mesmo na omissão de disposições contratuais que a imponham.

A doutrina afirma que no caso de falecimento do contratado, devido às características aqui relatadas, o contrato será extinto, em face do princípio da execução pessoal do contratado, pois não se pode obrigar a Administração a manter o vínculo com os sucessores do contratado morto, pessoas que não selecionara e com quem nada contratara. Ocorrida a morte do contratado, a extinção é automática, não se exige nenhum ato da Administração, devendo esta apenas declarar a extinção do contrato.

Situação interessante é aquela trazida por Diógenes Gasparini, que, apesar de concordar com o que foi dito até agora, afirma que pode o próprio contrato administrativo estabelecer regras diferentes, estabelecendo, por exemplo, que em caso de morte do contratado, o contrato continue a vigorar com os seus sucessores, pois o contrato, mesmo o administrativo, faz “lei” entre as partes, e deve ser obedecido, salvo no que a Administração Pública puder modificar. Porém se o contrato nada estipulou nesse sentido, aplica-se a regra de extinção do contrato.

b) Dissolução da sociedade

Se o contratante particular é uma pessoa jurídica é está é dissolvida pelos seus sócios, a dissolução acarretará a extinção do contrato, aplicando-se os mesmo princípios tratados na extinção do contrato em razão da morte do contratado pessoa física.

c) Falência do contratado

A falência do contratado também leva a extinção do contrato, pois, conforme estabelece o art. 55, XIII, da Lei nº 8.666/93, o contratado deve, para manter o ajuste, preservar as condições que o elegeram como o melhor capaz de atender à execução do contrato e os interesses da Administração Pública, e a falência, obviamente descumpre esse mandamento legal. Além disso, a própria Lei de Falências, Lei nº 11.101/05, dispõe em seu art. 75 que uma vez decretada a falência importa “o afastamento do devedor de suas atividade”, o que torna inviável o prosseguimento do contrato administrativo.

5.3. Anulação

A anulação do contrato, também chamada de invalidação, é outra forma excepcional de extinção do contrato administrativo e só pode ser declarada quando constatada a ilegalidade no contrato. Segue as regras análogas à anulação dos atos administrativos, podendo ser causada pela ilegalidade relativa à competência da autoridade que firmou o ajuste, quanto ao objeto do contrato, a forma ou motivo. Cumpre destacar, ainda, a nulidade da licitação conduz a nulidade do contrato, conforme expressa a própria Lei nº 8.666/93 no §2º do art. 49.

A anulação pode ser realizada pela própria administração pública, de ofício ou provocada, ou pelo Poder Judiciário, mediante provocação. Mesmo quando a anulação é processada pela própria Administração Pública deve ser instaurado procedimento administrativo, sendo garantidos a ampla defesa e o contraditório ao contratado, pois a anulação do contrato causa prejuízo à parte contratada, bem como deve ser expresso o motivo pelo qual declara a nulidade do contrato, ou seja, a razão da ilegalidade do contrato, já que essa é a única razão para anulação do contrato.

A anulação do contrato administrativo pelo Poder Judiciário se dá pelo mesmo motivo, a ilegalidade, e será obtida pelas vias judiciais comuns (ação ordinária anulatória) ou especiais (mandado de segurança ou ação popular), conforme o caso e o direto subjetivo protegido.

A regra da anulação dos contratos administrativos está definida no art. 59 da Lei nº 8.666/93:

“Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.”

Como pode se observar os efeitos da anulação do contrato administrativo retroagem, ou seja, a anulação do contrato opera efeito ex tunc, assim como ocorre também na anulação dos atos administrativos. O contrato administrativo nulo não gera direitos ou obrigações entre as partes, pois a nulidade original impede a formação de qualquer vínculo contratual eficaz entre os contratantes, só deixando subsistir suas conseqüências em relação a terceiros de boa fé.

Da leitura do parágrafo único acima transcrito, percebe-se que apesar de nulo o contrato, e dessa anulação operar efeitos retroativos, a Administração Pública deve ressarcir o contratado pelo que já tiver executado até a data em que a nulidade foi decretada, desde que não tenho o contratado contribuído para o vício gerador da invalidação, ou seja, deve ser impedido o enriquecimento sem causa por parte da Administração Pública, onde a mesma tenha recebido parte do objeto do contrato e, ainda assim, não queira indenizar o contratado.

Além dessa indenização pela parte já cumprida do objeto do contrato, a Lei faz menção a “outros prejuízos regularmente comprovados”. Grande parte da doutrina afirma que essa expressão se refere apenas aos danos emergentes, no entanto, José dos Santos Carvalho Filho entende que se a invalidação decorrer de ilegalidade ou impossibilidade do objeto do contrato tem o direito o contratado aos danos emergentes, isto é, “aqueles que realmente se originaram da execução parcial do contrato (projetos, vistorias, pareceres técnicos, viagens etc.)". Porém se a invalidação foi causada por culpa comissiva ou omissiva da Administração, seja na celebração do contrato ou no processo de licitação, o contratado tem direito, além do que já foi executado e dos danos emergentes, aos lucros cessantes, parcela correspondente à projeção futura do que poderia auferir se não houvesse a paralisação do ajuste pela anulação

5.4. Rescisão dos contratos administrativos

Os contratos administrativos podem ser extintos de diversas formas, dentre elas pode-se citar a rescisão unilateral, entretanto, é mister trazer à baila as outras espécies de rescisão contratual.

Tais espécies rescisórias têm gênese em um evento juridicamente relevante (fato jurídico) ocorrido posteriormente ao nascimento da avença, em decorrência de uma manifestação de vontade que, a depender do caso, advém do contratante ou do contratado.

Didaticamente, pode-se discriminar as hipóteses de rescisão em 5 grupos, conforme suas especificidades:, Rescisão Amigável, Rescisão Judicial, Rescisão por Arbitragem, Rescisão de Pleno Direito e Rescisão Administrativa Unilateral (tratada em tópico próprio).

5.4.1. Rescisão Amigável

Esse tipo de rescisão decorre da manifestação bilateral das partes da avença, de maneira que inexiste litígio em questão, uma vez que os interesses visam um mesmo fim.

É necessário a observância de alguns requisitos, quais sejam:

a) Instrumento rescisório – Consiste em uma formalização de um termo no processo de licitação;

b) Autorização – Requer-se, ainda, que a autoridade competente autorize a rescisão e justifique sua posição.

Via de regra, a rescisão amigável é ex nunc, ou seja, opera efeitos a partir da data em que foi firmada, embora possam ser fixados direitos e obrigações para as partes com eficácia ex tunc (retroativos ou posteriores). Exemplos práticos disso seria a cobrança de juros sobre débitos anteriores e o pagamento futuro de créditos ou qualquer outra relação negocial que derive do contrato em extinção.

5.4.2. Rescisão Judicial

Ocorre quando a extinção do contrato administrativo provém de decisão advinda de autoridade jurisdicional. Essa é a modalidade de que, em geral, se servem os particulares contratados pela Administração Pública para pleitearem seus direitos, quando aquela deixa de cumprir suas obrigações firmadas, mas nada impede a Administração Pública de propor a ação na situação em que lhe for de direito, apesar de poder valer-se da Rescisão Administrativa por ato próprio.

Destarte, a decisão decreta o fim da relação contratual e, eventualmente, condena o causador ao pagamento de uma indenização, quando requerida pelo interessado.

Hely Lopes Meirelles orienta que são previstos, pela lei 8.666/93, cinco casos para o pedido de rescisão do contratado:

a) A supressão de obras, serviços ou compras, além dos limites legais; (artigo 78, XIII)

b) Suspensão da execução do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a cento e vinte dias; (artigo 78, XIV)

c) Atraso superior a noventa dias dos pagamentos devidos pela Administração; (artigo 78, XV)

d) A não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução do contrato, nos prazos ajustados; (artigo 78, XVI)

e) Ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada (artigo 78, XVII).

Vale salientar que a ação para rescisão do contrato administrativo é de rito ordinário e admite pedidos cumulados de indenização, retenção, compensação e demais efeitos decorrentes das relações firmadas por meio do contrato em questão.

Pode, também, ser impetrada sob forma de ação popular (artigo 5° LXXIII da Carta de 88), quando o contrato é firmado com a Administração centralizada, autárquica e entidades estatais ou subvencionadas com dinheiro público e houver ilegalidade ou lesividade de seu patrimônio.

Por fim, insta frisar outro caminho judicial para a rescisão que seria através de mandado de segurança, que, na verdade, não é admissível em detrimento a ação direta de rescisão do contrato, contudo, poderá ser impetrado adequadamente para anulação de ato ilegal ou abusivo de alguma autoridade, o que acarretará indiretamente à cessação dos efeitos do contrato, equiparando-se a rescisão.

5.4.3. Rescisão por Arbitragem

A arbitragem é um instituto jurisdicional que tem o escopo de resolver conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, consubstanciando um título executivo judicial chamado de sentença arbitral.

Por vezes, a justiça tradicional não consegue abarcar de maneira eficiente as inúmeras demandas sociais, causando uma lentidão na prestação jurisdicional. É nesse contexto que muitas pessoas passam a escolher a arbitragem para solucionar suas pendengas, por ventura existentes.

É necessário que haja cláusula compromissória no contrato administrativo, que disponha no sentido de levar ao juízo arbitral os imbróglios supervenientes à celebração do contrato. Sendo proferida a decisão do arbitro, se faz lei entre as partes, não sendo possível nova apreciação pelo Poder Judiciário.

Uma vez que a convenção arbitral revela-se como pressuposto processual negativo, em caso de tentativa de uma das partes em submeter novamente o litígio à apreciação do Poder Judiciário, o processo deverá ser extinto sem resolução de mérito nos termos do artigo 267, VII, do Código de Processo Civil.

Muito se discute acerca da possibilidade de o Poder Público recorrer à arbitragem para a apreciação de seus litígios. Apesar, de não haver disciplina detalhada sobre a matéria, começam a surgir dispositivos casuísticos no sentido de aceitar tal procedimento, como é o caso da lei n° 11.079/2004 em seu artigo 11, III (regula as parcerias público-privadas), nos exatos termos abaixo:

Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:

(...)III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

Outro exemplo corrente é a lei n° 8.987/95, em seu artigo 23-A, que dispõe sobre o Regime Geral de Concessão e Permissão de Serviços Públicos, assim transcrito:

Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

A questão ainda é muito debatida na jurisprudência e na doutrina, sendo perceptível a inclinação pró-arbitragem em sede de direito público, a exemplo da seguinte decisão de recurso especial proferida pela 2ª Turma do STJ:

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS. 1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência. 2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. 3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial provido.[1]

Além desses, existem outros dispositivos que seguem a mesma posição acerca da arbitragem em contratos administrativos, tais como a Lei Geral de Telecomunicações (Lei federal nº 9.472/97), a Lei do Petróleo (Lei federal nº 9.478/97) e a Lei de Transportes Terrestres e Aquaviários (Lei federal nº 10.233/01), o que demonstra a crescente aceitação da arbitragem no âmbito de direito público.

5.4.4. Rescisão de Pleno Direito

É aquela que se efetiva com a ocorrência de fato extintivo do contrato, previsto na lei, no regulamento ou no próprio texto do ajuste, tais como o falecimento do contratado, a dissolução da sociedade, a falência da empresa, a insolvência civil, o perecimento do objeto contratado e demais eventos semelhantes.

Uma vez tendo ocorrido o fato extintivo rompe-se de imediato o contrato, sem que haja a necessidade de ato formal de rescisão, sendo meramente declaratório qualquer reconhecimento dessa nova conjuntura, devendo os efeitos de tal reconhecimento retroagir à data do evento ensejador da rescisão contratual.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado, 18. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2010.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 23. ed. rev., ampl. e atualizada até 31.12.2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 10 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1998

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo, 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995

MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo, 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999

MELLO, Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 13 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001

O prazo de vigência dos contratos administrativos de obras, disponível em http://www.limaefalcao.com.br/?p=100. Acesso em 16/09/2010

[1] STJ, DJU 8 jun. 2007, REsp 606.345/RS, Rel. Min. João Otávio Noronha

  • Direito Administrativo
  • Contrato Administrativo

Flávio Honorato Queiroga

Bacharel em Direito - João Pessoa, PB


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