Críticas doutrinarias à lei nº 12.683/2012 sob a ótica do rol dos crimes antecedentes
A melhor política de combate ao crime organizado não é endurecer as penas, mas bloquear o capital que o financia e sustenta. Mais do que a prisão, a pedra de toque para o enfrentamento da moderna criminalidade é o combate à lavagem de dinheiro.
O desenvolvimento da criminalidade organizada sofisticou o processo de lavagem de dinheiro. O uso de pequenos negócios para encobrir o capital sujo foi substituído por complexas movimentações financeiras em âmbito internacional. O rastreamento dos bens provenientes de ilícitos penais — muitas vezes mascarados em paraísos fiscais — exigiu o aprimoramento das estratégias de fiscalização e controle. A partir do final dos anos 1980, tratados e convenções sobre lavagem de dinheiro foram assinados, e diversos países aprovaram leis especificas para enfrentar essa prática.
No Brasil, a primeira lei sobre o tema data de 1998. Previa a punição do ato de ocultar valores provenientes de alguns crimes graves, como o tráfico de drogas, de armas, e a extorsão mediante sequestro, com pena de três a dez anos de prisão. A mesma lei criou o COAF, órgão responsável pela sistematização de informações sobre operações suspeitas, atividade fundamental para o conhecimento dos métodos de lavagem de dinheiro e o desenvolvimento de políticas de prevenção e repressão. Em decorrência da lei foram instituídas varas judiciais especializadas para o julgamento desses crimes, encabeçadas por juízes com capacitação e treinamento especifico para isso.
Publicada a nova lei sobre lavagem de dinheiro, que traz grandes mudanças. Algumas oportunas, como a ampliação do controle de movimentações financeiras suspeitas e regras que facilitam a identificação de bens sujos. Agora, juntas comerciais, registros públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de atletas e artistas, deverão comunicar às autoridades públicas qualquer operação suspeita de lavagem de dinheiro, dificultando as atividades criminosas.
Outras alterações, no entanto, preocupam, como a ampliação do conjunto das condutas puníveis. Antes apenas bens provenientes de alguns crimes graves — como tráfico de drogas e contrabando de armas — eram laváveis.
Agora, a ocultação do produto de qualquer delito ou contravenção penal, por menor que seja, constitui lavagem de dinheiro. Ainda que bem intencionada, a norma é desproporcional, pois punirá com a mesma pena mínima de três anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos. Não parece adequado ou razoável.
Ademais, a ampliação citada pode inviabilizar as varas judiciais especializadas em lavagem de dinheiro. Se a maior parte dos crimes ou contravenções pode gerar lavagem de dinheiro, haverá ampliação vertiginosa do número de processos remetidos a tais órgãos para julgamento. O que era exceção passa a ser regra. Assim, ou bem se aumenta a estrutura e o número de juízes nesses setores, ou a falta de quadros resultará na morosidade e consequentemente afetará o bem comum da sociedade e surgirá o entendimento de impunidade das autoridades competentes.
Por outro lado, merece as mais severas críticas e desperta apreensão o dispositivo que determina o afastamento automático do servidor público indiciado por lavagem de dinheiro. Atrelar o mero indiciamento policial a uma cautelar de tal gravidade macula profundamente a presunção de inocência e deixa sem controle judicial a aplicação de uma das medidas restritivas de direito mais agressivas: aquela que impede o servidor de exercer seu múnus, seu trabalho, sua função. É bom ter sempre em mente as críticas reiteradas ao ato de indiciamento em si, até hoje não regulado pela legislação processual penal.
A nova lei amplia o leque de crimes antecedentes. Pelo texto, qualquer crime ou mesmo contravenção penal – como a promoção do jogo do bicho e de outros jogos de azar, por exemplo – pode ser considerado como crime antecedente à lavagem de dinheiro. Pelas regras anteriores, apenas um grupo de crimes graves, como tráfico de drogas, terrorismo, sequestro, eram passíveis de gerar denúncia por lavagem. Pelo novo texto, o dinheiro produto de qualquer crime que tenha sido “lavado” é causa de denúncia por lavagem de dinheiro.
Para o advogado criminalista Bottini, colunista do site ConJur, publicou que algumas mudanças são oportunas para essa legislação, como a ampliação do controle de movimentações financeiras suspeitas e regras que facilitam a identificação de bens sujos. “Agora, juntas comerciais, registros públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de atletas e artistas, deverão comunicar às autoridades públicas qualquer operação suspeita de lavagem de dinheiro, dificultando as atividades criminosas”.
Mas Bottini diz que outras alterações “preocupam”, como a ampliação do conjunto das condutas puníveis. “Agora, a ocultação do produto de qualquer delito ou contravenção penal, por menor que seja, constitui lavagem de dinheiro. Ainda que bem intencionada, a norma é desproporcional, pois punirá com a mesma pena mínima de três anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos. Não parece adequado ou razoável”, sustenta o criminalista.
Pierpaolo Bottini chama à atenção para a regra que determina o afastamento automático do servidor público indiciado por lavagem de dinheiro: “Atrelar o mero indiciamento policial a uma cautelar de tal gravidade macula profundamente a presunção de inocência e deixa sem controle judicial a aplicação de uma das medidas restritivas de direito mais agressivas: aquela que impede o servidor de exercer seu múnus, seu trabalho, sua função”.
A extensão das novidades da nova lei impede sua análise integral, mas um ponto desde já merece destaque e análise: a ampliação do rol de infrações antecedentes. O texto legal aprovado descarta a fixação de uma lista de crimes precedentes passíveis de lavagem de dinheiro. A partir de sua vigência, todos os delitos e contravenções penais podem gerar produtos e valores laváveis, seja qual for sua gravidade ou extensão.
Porém, ainda que sejam supridas algumas “lacunas de punibilidade”, do ponto de vista político criminal o legislador foi além do razoável ao ampliar desta maneira o rol de antecedentes. A partir da vigência da lei, todo processo penal que envolva crimes com produtos patrimoniais acarretará a discussão sobre o destino dos bens e a possível lavagem de dinheiro. Mesmo em crimes como furto, ou em contravenções simples, como a organização de rifa (punível como contravenção na forma do art.51 do Decreto-Lei 3.688/41) será levantada a questão do possível encobrimento, com a remessa dos autos às Varas Especializadas de Lavagem de Dinheiro– onde houver. Isso inviabilizará tais unidades judiciais pelo acumulo de processos.
Vale aqui repetir o que o próprio Poder Executivo anotou na Exposição de Motivos que acompanhou o projeto de lei original de 1996, ao justificar a opção pelo rol fechado de antecedentes: “sem esse critério de interpretação (restrição dos crimes antecedentes) o projeto estaria massificando a criminalização para abranger uma infinidade de crimes como antecedentes do tipo de lavagem ou de ocultação. Assim, o autor do furto de pequeno valor estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou o convertesse em outro bem, como a compra de um relógio, por exemplo” (Exposição de Motivos EM 692/MJ, 1996, item 24)”.
O impacto da nova lei para os acusados de crimes patrimoniais mais leves também será relevante, em especial no que concerne às medidas cautelares pessoais. Corre-se o risco de anular toda a política de desencarceramento promovida pelo legislador com a aprovação da Lei 12.403/11 (lei das cautelares penais). Esse diploma vedou a prisão preventiva em crimes dolosos punidos com pena de prisão máxima inferior ou igual a 04 anos, casos nos quais se enquadram o furto e o estelionato. Com a possibilidade da prática concursiva destes crimes com a lavagem, volta a ser aplicável a prisão preventiva, pois a pena resultante da acumulação será maior do que aquela indicada na lei de cautelares.
Por fim, é possível questionar a ampliação do ponto de vista da proporcionalidade, uma vez que a pena pela lavagem será sempre a mesma em abstrato, independente da qualidade, gravidade ou natureza do antecedente.
Já o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, Lênio Streck analisa que a substituição do taxativo rol de crimes antecedentes pela genérica expressão “infração penal”, passando a abarcar qualquer crime ou contravenção, é "um ataque direto ao jogo do bicho". "A pena do crime do lavagem é superior à ampla maioria da dos diversos crimes e do que todas as contravenções". Também ressalta que "a alteração gera problemas de política criminal. Considerando que branquear capitais não tem fim em si, mas visa a sufocar organizações criminosas tirando os proventos, ampliar irrestritamente a possibilidade de crimes antecedentes tira o foco do Coaf e dos demais órgãos de fiscalização do combate ao tipo de criminalidade mais danosa. Corre-se o risco de um rebaixamento do tipo, tornando-lhe uma espécie de 'receptação de luxo'".
Para o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), autor do projeto que atualiza a Lei de Lavagem de Dinheiro para torná-la mais rigorosa, “a lavagem de dinheiro é um dos estratagemas mais maléficos e eficazes no estimulo à expansão do crime organizado. Não é uma questão nacional, é uma pandemia que aflige países desenvolvidos e emergentes. A reforma na legislação é um grande passo para modernizar o combate à lavagem de dinheiro, tornando-o mais rigoroso”.
Enfim, a nova lei, como todas em geral, tem aspectos positivos e negativos. Esperemos que seus exageros sejam compensados com uma aplicação cautelosa, pautada pela percepção de que o combate à lavagem de dinheiro tem por objeto o grande crime organizado, e que sua banalização e desvio de foco pode comprometer todos os avanços alcançados nos últimos anos.
Todas as mudanças são muito bem-vindas, contudo, é necessário ressaltar que toda mudança gera uma série de críticas; críticas essas que farão, com que a lei se module ao que a sociedade necessita e espera com a mudança na legislação. O simples fato de extensão do rol de crimes antecedentes para então configurar o crime de lavagem de dinheiro, não é uma das melhores formas de combate para tal delito, endurecer as penas não seria a melhor forma para conseguir evitar e punir os criminosos. O necessário como já relato neste trabalho, é a investigação que levará ao bloqueio do capital dessas organizações, fazendo com quê ocorra uma decadência financeira na organização criminosa.
Com a nova legislação sobre o crime de lavagem de dinheiro, ficou claro que qualquer que seja a infração penal que tenha um intuito de ocultação de bens ou valores provenientes de tal crime, independentemente da conduta que o culminou, poderá então o Juiz, analisando o caso concreto e a sua finalidade, atribuir a conduta delituosas ao crime de lavagem de dinheiro, conforme estabelece o tipo penal para esse crime.
Portanto, fica evidente que as mudanças e inovações ocorridas na legislação do crime de lavagem de dinheiro, trouxeram o intuito de acabar com o financiamento à criminalidade, bem como monitorar as possíveis atuações das organizações criminosas no sistema financeiro e econômico do país.
Deste modo, para finalizar, percebe-se que muitas foram as inovações trazidas pela nova lei de lavagem de dinheiro, seguindo a terceira geração penal, mas seguramente algumas dessas inovações carecem de aplicabilidade prática, o que tende a gerar insegurança jurídica no ordenamento pátrio. O fato é que, para se tentar buscar a mensagem do legislador, o ordenamento jurídico mais uma vez terá que lançar mão da melhor hermenêutica.