APLICABILIDADE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO DIREITO INTERTEMPORAL.
O tema é de estrema valia para os ordenadores jurídicos em questão, pois com a inovação oriunda do novo Código de Processo Civil de 2015, os procedimentos processuais adotados e a ampla visão do sistema jurídico brasileiro, fez com que o código processual tivesse uma ênfase na dinâmica processual, na relevância da aplicabilidade dos princípios norteadores do direito pátrio, no qual enfatizou pontos no sentido de agilizar e cooperar para o devido deslinde do processo, deixando as partes conciliarem, além da alteração dos prazos, tornando alguns uniformes e com contagem em dias uteis.
O atual Código de Processo Civil, trouxe consideráveis mudanças para o ordenamento jurídico em si. Mudanças estas que vão de encontro com as dificuldades do Poder Judiciário, em especial no tocante à celeridade na tramitação das demandas, pois como é de conhecimento de todos, o nosso sistema está sobrecarregado, com milhares de processos parados nas prateleiras dos fóruns.
Deixando de lado os problemas do Poder Judiciário, que são vários, vamos adentar no primeiro impasse que o novo Código de Processo Civil teve que sobrepor para sua entrada em vigor, qual seja, a transição entres os códigos de 1973 e 2015.
Na seção IV do novo Código de Processo Civil, prevê em seu artigo 1.046, nas chamadas "Disposições Finais e Transitórias", a aplicação imediata de suas disposições aos processos pendentes, ou seja, processos sem sentença. Portanto, segundo a disposição do artigo citado a aplicação da nova lei é imediata aos casos já em andamento.
Portanto o atual Código de Processo Civil adotou o sistema de isolamento dos atos processuais, ou seja, o ato praticado na vigência da lei processual anterior é valido e produz seus efeitos jurídicos normalmente. Conforme assim estabelece o artigo 1.046, no qual determina a aplicabilidade do código nos feitos em curso, sendo então vedada a retroatividade da lei, conforme estabelece o art. 5º, inc. XXXVI da Carta Magna de 1988.
Estabelece o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal de 1988 que:
“A lei não prejudicarão direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Essa previsão constitucional foi devidamente aplicada na legislação processual civil vigente, ou seja, no novo Código de Processo Civil, que tem sua aplicabilidade imediata no tempo, respeitando os atos praticados e as situações jurídicas já praticas, ou seja, tornando válidos os atos presentes no processo em andamento.
Este entendimento refere-se ao sistema conhecido como isolamento dos atos processuais, que tratasse da irretroatividade da lei nova processual, tornando adquirido e válido o ato jurídico já praticado.
Esta previsão Constitucional também foi incluída de forma bem ampla e clara no novo Código de Processo Civil, conforme assim dispõe o artigo 14, in verbis:
“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Ratificando o já informando anteriormente, o dispositivo legal acima transcrito determina que a norma processual não retroagirá e será aplicada imediatamente aos processos em curso, também chamados de processos pendentes.
Entretanto na segunda parte do artigo 14 do novo Código processual civil, o legislador em plena observância ao inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, cuidou de resguardar os atos processuais já praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma anterior, ora revogada.
O tema foi extremamente discutido, ocasião em que foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal - STF e pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, no sentido da aplicabilidade na norma vigente aos feitos em andamento, sem que haja prejuízo aos atos praticados, sendo então, adotado o sistema de isolamento dos atos processuais.
A jurisprudência tem adotado a teoria do isolamento dos atos processuais:
“As normas processuais têm vigência imediata e passam a regular os processos em andamento (...) aplicando-se, no caso, a teoria do isolamento dos atos processuais, segundo a qual a lei nova tem aplicação imediata aos processos em curso, respeitados, entretanto, os atos praticados sob a égide da norma processual anterior (...) Incide, na hipótese, a máxima tempus regit actum”.[1]
“O Direito Processual Civil orienta-se pela regra do isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova é aplicada aos atos pendentes, mas não aos já praticados (...) (princípio do tempus regit actum) ”.[2]
“No direito brasileiro predomina a teoria do isolamento dos atos processuais, segundo a qual sobrevindo lei processual nova, os atos ainda pendentes dos processos em curso sujeitar-se-ão aos seus comandos, respeitada a eficácia daqueles já praticados de acordo com a legislação revogada”.[3]
No mesmo entendimento, esclarece o nobre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves:
“A mudança do rito procedimental, introduzida por lei nova, afeta a relação processual já iniciada, sob forma diversa, ao tempo da lei revogada. O modus procedendi não é efeito dos atos anteriormente praticados, e por isso deve ser aplicada a lei posterior, muito embora válidos sejam os atos que se realizam e se moldam na forma da lei antiga”[4]
Portanto o legislador soube pautar com cautela e com observância na Lei Maior, a relevância dos atos jurídicos já praticados nos processos, isso porque, cada ato processual praticado é também um ato jurídico perfeito, valido e eficaz, realizado no tempo e que merece proteção, haja vista sua validade para dar prosseguimento ao processo.
Outro tema de extrema valia para discursão é a relativização do sistema de isolamento dos atos processuais, ocasião em que surgiu o sistema de unidade de processo em determinados procedimento que ficaram pendentes com a transição dos códigos de 1973 para o atual de 2015.
O novo Código de Processo Civil, trouxe diversas modificações e inovações. Uma das modificações que chamou mais a atenção dos juristas foi a extinção de alguns procedimentos, por exemplo o procedimento sumário e o cautelar. Com essa extinção, ficou prejudicado o andamento dos processos sumários e cautelares, tendo em vista que o código em vigor não regulamenta tais procedimentos, deixando teoricamente uma lacuna no prosseguimento dos feitos.
Diante disso, houve a ultratividade das regras contidas no antigo código de processo. A ultratividade consiste na aplicação de uma lei que já foi revogada em casos que ocorreram durante o período em que esta estava vigente, conforme está previsto no §1º do art. 1.046 do Código de Processo Civil.
Com isso surgiu a nomenclatura dos procedimentos pendentes ou em andamento, que independentemente da entrada em vigor do Código processual civil de 2015, o mesmo será regido pelo sistema do código anterior de 1973 até a prolação da sentença, levando em consideração que o procedimento foi extinto pelo então código vigente.
Portanto, foi levado em consideração à segurança jurídica e processual dos procedimentos chamados de “pendentes” (cautelares/sumário etc), que com o atual código processual passou a não existir, contudo, a norma nova não poderia trazer malefícios as demandas pendentes, ocasião em que houve uma relativização da teoria do isolamento dos atos processuais, no qual passou a analisar os procedimento de forma individualizada, caso a caso, analisando-se a unidade dos atos praticados, assegurando-se o devido processo legal e a economicidade, princípios estes basilares do sistema jurídico pátrio.
O novo Código de Processo Civil não pode, portanto, atingir o direito da parte em um ato já praticado na vigência da norma anterior. Já os atos havidos na vigência do novo Código de Processo Civil deverão obedecer às novas regras processuais, conforme está exposto nos artigos anteriormente mencionados.
Devidamente em consonância com o texto legal, o doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha[5] afirma que “em razão da previsão constitucional de irretroatividade das leis, nenhuma retroatividade é admitida. Assim, praticado um ato, a nova lei não pode atingi-lo, não podendo também alcançar os seus efeitos, pendentes ou futuros”.
A segurança jurídica neste aspecto foi devidamente observada pelo legislador, que teve a sabedoria de salvaguardar a estabilidade processual com a transação dos códigos em comento. Assegurando assim, a observação dos atos jurídicos já praticados e os pendentes de sentença.
Podemos observar que a aplicabilidade das diretrizes estabelecida pela clausula pétrea, prevista no art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal de 1988, foi devidamente observado pelos legisladores. Sendo então esclarecido os pontos específicos para observância da aplicabilidade do novo Código de Processo Civil, levando como premissa o devido processo legal.
Esse foi um dos impasses na aplicabilidade do novo Código de Processo Civil, no que se refere ao direito intertemporal da transição entre a vigência do atual Código processual civil. Contudo, em meados de março do ano de 2016, houve o encontro do Fórum Permanente de Processualista Civis – FPPC, em São Paulo. Na ocasião foram discutidos diversos temas, em especial o direito intertemporal e os novos prazos processuais.
Após diversos debates calorosos, esse encontro de processualistas rendeu diversos enunciados que são considerados como diretrizes na aplicabilidade das leis processuais. Irei destacar os enunciados de número 267, 268 e 275, in verbis:
267. Os prazos processuais iniciados antes da vigência do CPC serão integralmente regulados pelo regime revogado. (Grupo: Direito intertemporal e disposições finais e transitórias);
268. A regra de contagem de prazos em dias úteis só se aplica aos prazos iniciados após a vigência do Novo Código. (Grupo: Direito intertemporal e disposições finais e transitórias);
275. Nos processos que tramitam eletronicamente, a regra do art. 229, §2º, não se aplica aos prazos já iniciados no regime anterior. (Grupo: Direito intertemporal e disposições finais e transitórias; redação alterada no V FPPC - Vitória).
Os temas são diversos, mas o objeto central dos enunciados é o direito intertemporal. Na aplicabilidade dos novos prazos advindos com o novo Código de Processo Civil, a sua validade/vigência só tem eficácia prática a partir da vigência do novo Código Processual Civil de 2015. Contudo, é questionado a aplicação da nova regra aos prazos em cursos, quando já vigente o Código de 2015.
Tal tema é controverso, como assim afirma o doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha, no qual utilizo como fundamento central deste artigo, conclui o doutrinador que:
“No sistema brasileiro, em que vigora a norma constitucional que garante a irretroatividade das leis, deve-se considerar que a mudança operada pelo novo enunciado normativo não alcança os prazos em curso. Nem o seu aumento, nem a sua redução podem ser imediatamente aplicados para a prática de ato cujo prazo já se iniciou. Iniciada a sua contagem sob a lei antiga, esta aplica-se até o final”[6].
Na mesma linha de pensamento, assevera o doutrinador Maximiliano, que “uma vez começado, não mais é suscetível de ser aumentado, nem diminuído, sem retroatividade condenável”[7].
No mesmo entendimento, esclarece Tucci: “em matéria de direito intertemporal, os prazos já iniciados devem ter sua duração regulada pela lei vigente no momento em que principiam a correr, sendo vedada sua dilatação ou diminuição, como resultado da aplicação imediata da legislação nova”[8].
Nesse sentido ficou garantido e ratificado o entendimento da irretroatividade das leis no sistema brasileiro, como assim ficou elucidado no enunciado de número 267 do Fórum Permanente de Processualista Civis – FPPC. Devemos, portanto, seguir a orientação processual prevista neste enunciado, no qual elucida e evidencia a aplicabilidade da irretroatividade, conforme a observância dos preceitos legais, em especial ao preceito constitucional.
Uma das inovações do Código de Processo Civil de 2015, foi a contagem dos prazos em dias uteis. No Código anterior, eram computados em dias corridos, independentemente de feriados ou datas afins, sendo suspendidos somente no caso de férias no sistema forense.
Com o novo Código processual, como assim afirma o enunciado do FPPC de número 268, os prazos são computados em dias uteis, não havendo suspensão de prazo em férias, pois só computasse os dias uteis e as férias não são considerados como dias uteis, pois o sistema forense encontrasse de recesso ou férias.
Levando em consideração ao tema extremamente debatido neste artigo, direito intertemporal, observamos que a irretroatividade também abarcou a contagem dos prazos, conforme ficou evidenciado no enunciado de número 268 do Fórum Permanente de Processualista Civis – FPPC.
Neste sentido, na pendência da vigência do Código de Processo Civil de 2015, o prazo para prática do ato processual, caso houvesse transcorrido ou estivesse em curso, a contagem permaneceria em conformidade com o Código anterior, ou seja, em dias corridos. Já para os prazos que não tenham iniciados e levando em consideração a vigência do Código de Processo Civil de 2015, este prazo deverá ser computador em dias uteis, aplicando as novas regras contidas no novo Código de Processo Civil.
Portanto, segundo entendimento firmado e consolidado nas referidas discussões do Fórum Permanente de Processualista Civis – FPPC, tais prazos deverão ser regulados pelo regime revogado, quando iniciados antes da vigência do novo Código, de modo que seu quantum e a contagem em dias úteis só se aplicarão aos prazos iniciados após a vigência do novo Código.
Este tema do direito intertemporal, foi um dos mais debatidos nas vésperas da vigência do atual Código de Processo Civil, pois como ficou demonstrado neste artigo, as mudanças oriundas do novo ordenamento processual, modificou consideravelmente a sistemática processual, extinguindo procedimentos, modificando prazos, unificando os atos processuais e expandindo alguns. Com tamanhas mudanças, não era para menos ter tantos debates, jurisprudências e enunciados para nortear a aplicabilidade do Código no tempo.
Podemos concluir que o legislador foi feliz na observância da Constituição Federal, no sentido de salvaguardar o que entendemos como direito intertemporal, pelos artigos, jurisprudência anteriormente mencionados. Contudo, o sistema jurídico brasileiro é demasiadamente complexo, sendo então questionado a aplicabilidade do novo Código de Processo Civil, por tais complexidades e mudanças, foi então que o Fórum Permanente de Processualista Civis, preencheu as lacunas do legislador, deixando os parâmetros a ser seguidos pelos ordenadores jurídicos, sendo então aplicado as normas com mais clareza na sua aplicabilidade.
[1] STF. RE 860989, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 11/02/2015, publicado em DJe-034 DIVULG 20/02/2015 PUBLIC 23/02/2015.
[2] (STJ. REsp 1002366/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 24/04/2014).
[3] (STJ. REsp 1365272/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/11/2013, DJe 13/11/2013).
[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. “Analise da Lei de Introdução ao Código Civil: sua função no ordenamento jurídico e, em especial, no processo civil”. Revista de Processo. São Paulo. RT
[5] CUNHA, Leonardo Carneiro da. “Direito Intertemporal e o Novo Código de Processo Civil”. Editora Forense, pag. 29.
[6] CUNHA, Leonardo Carneiro da. “Direito Intertemporal e o Novo Código de Processo Civil”. Editora Forense, pag. 166.
[7] MAXIMILIANO, Carlos. Ob. Cit. N. 232, pag. 272.
[8] TUCCI, Rogério Lauria. “Direito Intertemporal e a nova codificação processual penal”. São Paulo: Bushatsky, 1975, n. 23, pag. 37.