ENSAIO CRÍTICO ACERCA DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Introdução
De encontro a política utilizada atualmente, surge no intuito de proporcionar harmonia na relação entre vítima e ofensor, a chamada Justiça Restaurativa, que visando ampla possibilidade de solucionar conflitos diminuindo a aplicação direta da pena, cria uma forma de equilibrar tal situação permitindo a reparação do dano que se faz viável através do diálogo entre as partes, passando estas, a partir de então, a dirimir tais conflitos de forma direta, célere e eficaz.
O sistema penal aplicado aos parâmetros do ordenamento jurídico brasileiro tem seu alicerce no conceito retributivo, onde o Estado busca a solução de conflitos em uma política criminal amparada na punição propriamente direcionada ao ofensor sem que haja qualquer intervenção da vítima. A aplicação única e estritamente da pena corrompe a finalidade do sistema criminal, que por obrigatoriedade e respeito aos princípios básicos do desenvolvimento digno humano deveria preservar pela solução mais justa às partes, menos devastadora e com caráter ressocializador a parte transgressora.
Não obstante tal grandiosidade na criação de uma justiça que busca restaurar as relações humanas que por vez encontram-se decadentes quando presentes atos de delinquência, ainda preza pela dignidade humana, pelo zelo que a sociedade não direciona aos que cometem infrações que permitem a aplicação de medidas alternativas a penas de prisão. Tais situações deixam de ser eficazes quando visam apenas punição imediata, vez que, alternativamente deve-se requerer uma forma de não apenas reparar tal dano como também de ressocializar.
Diante de um Estado, em vias de um sistema retributivo, situado ao lado da criação de um sistema restaurativo, respaldando-se características e ensejos plausíveis as melhorias de uma nova aplicação ao sistema criminal brasileiro, enseja-se o esboço da justiça que se deseja implementar em busca de dignidade e respeito às relações conflitantes da realidade criminal.
Conceito e aplicabilidade
Ao conceituar-se o tema da justiça restaurativa, não observa-se um significado único e fechado, pelo contrario, tal entendimento é extremamente amplo, podendo-se concluir que não há um conceito definido.
Para Raffaella Pallamolla, Justiça Restaurativa “possui um conceito não só aberto como, também, fluido, pois vem sendo modificado, assim como suas práticas, desde os primeiros estudos e experiências restaurativas”.
A justiça restaurativa é um meio alternativo, ou melhor chamado, meio adequado para resolução dos conflitos, entendendo-se como a justiça humana, pretendendo fazer com que o homem seja mais importante do que o processo. Considera-se que a lei é feita para o homem e não o homem para a lei, tendo este como o princípio fundamental sobre todas as coisas.
O sistema restaurativo está atribuído a ideias ligadas primordialmente ao encontro entre ofensor e vítima, buscando a conciliação e reconstrução dos laços de segurança entre as partes, afim de que se promova a reparação do dano causado, com o propósito final pela diminuição da reincidência.
De forma coletiva, norteia-se o programa restaurativo em encontros realizados entre todos os interessados na resolução do conflito, dentre eles, presentes: vítima, ofensor, facilitador e apoiadores. Tal encontro visa o entendimento mais vantajoso, e o acordo eficaz para fins de evitar a propagação de complicações futuras.
O que propicia tal situação são os encontros que aproximam as partes, permitindo que se posicionem uns nos lugares dos outros, deixando de lado o estigma criado pelo delito, passando então a priorizarem o entendimento e resolução da situação que estão abarcadas.
Para que se estabeleça o elo e a confiança necessária do encontro restaurativo, são utilizados ambientes informais, distanciados da formalidade visível no sistema não alternativo de resolução de conflitos.
O cerne central preconiza-se na necessidade de não mais a vítima estar distanciada das discussões referentes ao fato, deixando de ser apenas testemunha no processo, passando a atividade na resolução do conflito, exteriorizando suas ideias, angústias, e soluções que lhe permitam a satisfação.
A partir do momento em que as partes se encontram e conversam a respeito do assunto, dando oportunidades reciprocamente uns aos outros de exposição dos motivos, com a ajuda do facilitador, surge a consciência de não mais apenas preocupar-se com a punição, mas sim amparar-se na tentativa de melhor acordo para ambos.
Amparado no diálogo a justiça restaurativa se distancia da justiça comum, quando permite que através dos encontros realizados, tanto a vítima quanto o ofensor expressem seus sentimentos, e cheguem a um acordo onde o ofensor parte da premissa de reconhecer o dano que causou, e de estar disposto a repará-lo. A reparação do dano é de suma importância para toda evolução do programa, sendo base, para que se prossiga com a aplicação da justiça restaurativa juntamente com o reconhecimento do dano causado.
Não só se pretende a reparação da vítima, vez que, ao permitir o acordo restaurativo, se procede pelo incentivo da não reincidência por parte do ofensor, bem como, corrige-se eventuais danos causados a sociedade, e a todas as pessoas indiretamente afetadas pela situação criada com o dano causado.
Em suma, esta forma alternativa de solucionar conflitos, preza pelo distanciamento do pensamento egoísta, passando a oportunizar as partes um momento de ampla reflexão e sobreposição ao entendimento do outro, permitindo então que se busque soluções mais justas e mais humanas, amparadas por princípios básicos inerentes ao desenvolvimento digno merecido por todos seres humanos, sejam aqueles que delinquem ou não em determinado momento, por razão e motivo justo ou injusto, dispostos a reparar e reconhecer os danos da atitude que cometera.
Ressalta-se, nos dizeres de Chris Marshall:
A Justiça Restaurativa não é um substituto para o sistema de justiça criminal; é um complemento. Não se pode esperar Pensar a Justiça Restaurativa no Brasil que atenda todas as necessidades pessoais ou coletivas dos envolvidos. Os participantes devem ser informados sobre como os processos restaurativos se encaixam no sistema mais amplo de justiça, quais expectativas são apropriadas para o processo de justiça restaurativa, e como os resultados restaurativos podem ou não ser levados em consideração pelo tribunal.
O professor Pedro Scuro acrescenta:
“O paradigma da Justiça Restaurativa, quando adotada, não representará uma panacéia, um remédio para todos os males do modelo retributivo, mas irá introduzir novas e boas ideias, como a necessidade de a Justiça assumir o compromisso de reparar o mal causado às vítimas, famílias e comunidades, em vez de se preocupar apenas com punir proporcionalmente os culpados”. (SCURO, 2000, p. 8)
Caráter Punitivo
Ao deparar-se com um sistema restaurativo, comumente requisita-se a impressão de que tal sistema impede a punição ao delinquente, afastando-se totalmente dos parâmetros da justiça criminal tradicional. Esta compreensão é extremamente equivocada, pela razão de que assim como na justiça criminal tradicional, a justiça restaurativa apresenta característica, de certa forma, retributiva, no momento em que ao determinar que o ofensor reconheça o delito que causou ao mesmo tempo o responsabiliza pelo dano e o obriga a ressarcir a vítima, o que não deixa de ser uma forma de punição ao ato de repreender tal conduta.
Os valores baseados em um sistema restaurativo não diminuem em nada o dever punitivo do Estado, já que não retira qualquer direito estatal, apenas encontra uma forma alternativa e mais adequada de aplicação de quesitos pertinentes e suficientes à resolução do problema.
O Estado ao permitir a aplicação de medidas restaurativas não deixa de agir contra a transgressão, nem tampouco flexibiliza a punição do ofensor, apenas permite que as relações causadas pelo delito sejam resolvidas de forma mais humana e eficaz a restauração dos danos causados a vítima e a sociedade.
Sua participação é de suma importância, ao passo de que é capacitado para apresentar políticas de implementação desta forma de justiça ao longo de todo território Brasileiro, proporcionando a solução de conflitos de forma mais humana, visando muito além da simples punição do agente.
Nesse sentido, defende Beristain:
A justiça restaurativa representa, também, uma forma de democracia participativa na área de Justiça Criminal, uma vez que a vítima, o infrator e a comunidade se apropriam de significativa parte do processo decisório, na busca compartilhada de cura e transformação, mediante uma recontextualização construtiva do conflito, numa vivência restauradora. O processo atravessa a superficialidade e mergulha fundo no conflito, enfatizando as subjetividades envolvidas, superando o modelo retributivo, em que o Estado, figura, com seu monopólio penal exclusivo, como a encarnação de uma divindade vingativa sempre pronta a retribuir o mal com outro mal.
Considerações Finais
Ainda quanto à compreensão dos limites da expressão restaurativa trazida por este ensaio, podemos concluir que a ideia central se denota ao ponto de tentar através do chamado empoderamento, aproximar todas as partes ligadas por um conflito, afim de que estas busquem harmonia suficiente ao ponto de restabelecerem a comunicação, entrando em comum acordo que satisfaça a situação como um todo.
Não obstante tal aproximação, podemos também concluir pela necessidade de reparação da vítima, como meio de não apenas satisfazê-la, como também de permitir ao ofensor que reconheça a responsabilidade de seus atos, e que de certa forma, entenda o caráter repressor direcionado aos atos praticados em desacordo com a ordem social.
Acredita-se na necessidade de modificação do ordenamento jurídico, utilizando os nortes da justiça restaurativa na resolução de conflitos, através da capacitação de pessoas como facilitadores, resolvendo as situações não mais puramente amparados na punição, e sim no diálogo e na reparação.
Contudo, através da aplicação de meios alternativos de repressão aos delitos, sua implementação se faz capaz por via de parcerias com instituições que fazem parte do Estado ou ligados a ele, viabilizando a introdução da justiça restaurativa, como meio de pacificar as relações sociais e atribuir princípios mais dignos e coerentes às necessidades humanas, quando pessoas necessitarem da justiça ao ocuparem posição de vitima ou de ofensor em determinado delito.
A partir dos fundamentos demonstrados a respeito, deste modelo de resolução de conflitos, podemos perceber que enquanto a justiça criminal resolve a situação amparada em atos unilaterais, visando diretamente à punição, a justiça restaurativa procura impor a responsabilização através da reparação.