A MOROSIDADE PROCESSUAL E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO


05/05/2014 às 09h37
Por Diêgo Chagas

O problema na demora na prestação jurisdicional chegou a tal nível, que outra saída não restou ao legislador senão elevar a garantia da razoável duração do processo ao patamar de direito fundamental.

O professor Alexandre Freitas Câmara, ensina em sua obra que a E.C. n° 45/2004, ficou conhecida como Emenda da Reforma do Poder Judiciário, e inseriu no art. 5° da Constituição da República um novo inciso, o de n° LXXVIII, e que com isso consagrou-se, então, constitucionalmente, o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional.

Antonio Adonias Aguiar Bastos, professor na UFBA, afirma contudo, que antes disso, a doutrina já era tranqüila ao afirmar que o conteúdo do inc. XXXV, do art. 5º, não encerrava somente o direito de acessar os órgãos judiciários e sim garantir o direito à tempestividade na prestação da tutela jurisdicional.

É notável, assegura Rejane Soares Hote, que ao estabelecer a razoável duração do processo como direito fundamental do indivíduo, pretendeu o legislador inserir tal garantia no rol das normas de aplicação imediata, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais e assim como está disposto na Carta Constitucional no §1º do art. 5º.

Ocorre que o legislador preocupou-se em inserir tal princípio no rol dos direitos fundamentais, justamente no intuito de criar mecanismos específicos para efetivação de tal garantia, uma vez que seria inviável sua criação valendo-se de um princípio que encontrava-se intrínseco em outra norma.

De fato, garantir apenas livre e irrestrito acesso ao Judiciário não é por si só suficiente, posto que é de salutar importância que a entrega da tutela jurisdicional seja feita em tempo razoável e amparada pelas garantias fundamentais do processo, de forma que seja possível ao jurisdicionado ter assegurado de forma efetiva o seu direito, dentro de um lapso de tempo razoável.

Hote, em sua publicação lembra os ensinamentos de Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini e acrescenta a seus dizeres que de nada adianta a entrega ao jurisdicionado da tutela jurisdicional tardia, tendo em vista que já poderá ter ocorrido o perecimento do direito ou este poderá ter perdido o significado para seu detentor.

Neste sentido, Câmara, bem lembra que a rigor, o princípio em tela já estava positivado no ordenamento jurídico brasileiro, em razão do disposto no art. 8°, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), ratificado pelo Brasil em 1992. O que se fez com a Emenda Constitucional n° 45, pois foi simplesmente, elevar tal princípio ao patamar de garantia constitucional.

De fato, parece mais acertada a posição de Câmara, quanto a aplicação da norma prevista no Pacto de São José da Costa Rica, como norma positivadora do princípio em tela, uma vez que para sua aplicação antes da inserção do inciso LXXVIII, no art. 5°, da Constituição Nacional, independeria de interpretações, uma vez que positivada em seu art. 8°, 1 tem plena aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, não restando margens para discussões acerca de sua aplicação.

Quanto a existência do direito à tempestividade na prestação da tutela jurisdicional não resta dúvidas, difícil tarefa porém é se quantificar a noção de razoável que leva alguns juristas a explicitar que a duração razoável do processo é sonho do legislador.

Luís Carlos Moro, sobre este aspecto, leciona:

“(...) o que é razoável duração do processo? No que tange aos termos duração e processo, substantivos, há pouca margem para dúvidas. Mas o adjetivo “razoável” deixa, na verdade, a razão de lado. O adjetivo, na realidade, prestigia uma discricionariedade do próprio constrangido pela norma: em outras palavras, é o juiz que dirá o que é “razoável duração do processo” que lhe incumbe conduzir à satisfação final [...]. Na prática, porém, caberá ao Judiciário estabelecer o que é razoável para si. Mas esse parâmetro, sem dúvida, pressupõe a atuação dos advogados, os quais devem exigir, como um explícito direito constitucional, líquido e certo, a aplicação dos princípios da celeridade e da duração razoável do processo.”

Ocorre que quando a atividade jurisdicional não consegue garantir a satisfação jurídica dos litigantes dentro de um período de tempo compatível com a complexidade do conflito envolvido, não há que se falar em justiça social, haja vista já provavelmente ter ocorrido o perecimento do direito ou mesmo ter tornado inútil seu exercício, é o que ensina Rejane Soares Hote.

Isto posto, Hote, seguindo o posicionamento de Belmiro Jorge Patto, defende que o prazo razoável de duração de um processo se desdobra em duas perspectivas: os prazos de cada ato processual, individualmente considerado, e o prazo compreendido entre a propositura da ação e o provimento final emitido pelo Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, até a efetiva entrega da prestação jurisdicional.

Não obstante, deve ser considerada, ainda, a possibilidade de a causa da morosidade no andamento do processo ser causada por uma das partes, veja-se o art. 14, V do CPC/1973.

E aqui cabe ressaltar que muitas das vezes quanto mais moroso, mais benéfica para uma das partes, a forma com que é conduzido o processo, claro que em determinados casos específicos. Na maioria das vezes, a parte interessada no adiamento da resposta judicial encontra-se na iminência de ver seu patrimônio lapidado e para evitar, minorar ou no máximo adiar o desfalque, age de modo diverso do que o prescrito em lei, criando embaraços e protelando o provimento final.

Conquanto, o que deve ser exarado, segundo Luiz Carlos Moro, é que não se pode deixar que um litigante que age de boa-fé, espere cinco anos para ter uma sentença num processo de conhecimento, mais três para executar aquela decisão, e isso sem contar na infinidade de recursos que podem ser impetrados e que podem possibilitar décadas de discussões, com intuito, muitas das vezes protelatório. Ao final, quando o pleito for realmente concretizado, ou o litigante não é mais o mesmo, ou nem acredita que realmente viu seu direito garantido.

Paulo Hoffman, ainda sobre o tema do princípio da duração razoável do processo, indica:

“ Sem se esquecer da importância e relevância dos demais princípios, a duração do processo tem se caracterizado como ponto de grande preocupação e atenção dos operadores e estudiosos do direito, porquanto uma Justiça que tarda é sempre falha. Independentemente da razão ao final ser atribuída ao autor ou ao réu, a demora na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas desconforto, ansiedade e, na maioria das vezes, prejuízos de ordem material a exigir a justa e adequada solução em tempo aceitável.”

De outro lado, ainda sobre a razoabilidade, vale analisar o posicionamento de Francisco Fernandes de Araújo, que aduz, com bastante propriedade:

“A razoabilidade do prazo deve estar vinculada com a emergência que toda pessoa tem de uma imediata ou breve certeza sobre a sua situação jurídica. Já se disse que um juiz que não tem tempo substantivo para resolver a legalidade de uma detenção imediatamente, por exemplo, é porque não tem tempo para ser juiz. O ideal seria obedecer aos prazos previstos pela própria lei, pois se o legislador os adotou já foi de caso pensado e não aleatoriamente. Contudo, considerando determinados fatores surgidos posteriormente à edição da lei, é possível que venham a dificultar um pouco mais a entrega da prestação jurisdicional nos prazos fixados, nascendo, então, uma certa dificuldade para fixar o que seria um prazo razoável para cada caso concreto.”

Câmara por sua vez, defende que não se pode, pois considerar que o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional sirva de base para a construção de processos instantâneos. O que se assegura com esse princípio constitucional é a construção de um sistema processual, em que não haja dilações indevidas.

Alexandre Freiras Câmara em suas lições assevera que é preciso ter claro que a mera afirmação constitucional de que todos têm direito a um processo com duração razoável não resolve todos os problemas da morosidade processual, sendo necessário promover-se uma reforma estrutural no sistema judiciário brasileiro. Câmara registra ainda seu entendimento segundo o qual a suposta crise do processo não é a crise das leis do processo. Não é reformulando leis processuais que serão resolvidos os problemas da morosidade do Poder Judiciário. Segundo Câmara é preciso, isto sim, promover-se uma reforma estrutural, que dê ao Poder Judiciário meios efetivos para bem prestar tutela jurisdicional, o que exige vontade para mudar o atual estado das coisas.

De fato afirmar que a razoabilidade do prazo deve estar vinculada com a emergência que toda pessoa tem de uma imediata ou breve certeza sobre a sua situação jurídica, parece correto, ou seja, não é tarefa do legislador tabelar e quantificar o quão urgente pode ser o anseio de um jurisdicionado, somente em cada caso concreto é que se pode extrair o conceito do que é razoável para garantir a satisfação do direito lesado, restando quase que inviável tentar quantificar de maneira genérica, através de cálculos matemáticos uma fração de tempo, para determiná-la como sendo razoável.

  • Razoável Duração do Processo Garantia Constitucion

Referências

ARAÚJO, Francisco Fernando de. Cem momentos de reflexão.  1 ed. Curitiba. Cromoset, 1997;

BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. O direito fundamental à razoável duração do processo e a reforma do poder judiciário: uma desmi(s)tificação. Disponível: http://conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/109.pdf. Acesso em 01 de novembro de 2013;

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988;

HOTE, Rejane Soares. A imprecisão do termo “razoável duração do processo” e sua elevação a direito fundamental do indivíduo. Disponível em : < http://conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/rejane_soares_hote.pdf> Acesso em 04 de novembro de 2013

MORO, Luís Carlos. Onde está a razoabilidade: como se pode definir a “razoável duração do processo. Disponível em . Acesso em 15 de abril de 2013;


Diêgo Chagas

Bacharel em Direito - Campo Belo, MG


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