JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL


30/11/2015 às 12h11
Por Débora Fernanda Rossato

JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL

Debora Fernanda ROSSATO {C}[1]

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RESUMO: O presente estudo tem o intuito de analisar a justiça restaurativa de modo conceitual, bem como as principais diferenças entre o modelo retributivo ( atual modelo criminal) e o modelo restaurativo. Abrange também a evolução da justiça restaurativa, apontando os países que já a implementaram em seus sistema criminal. Demonstra ainda sobre a sustentabilidade jurídica do sistema e sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, a autora traz alguns casos reais de justiça restaurativa que vem se implantando vagarosamente no Brasil.

Palavras-chave: Justiça. Justiça Restaurativa. Justiça Retributiva x Justiça restaurativa. Justiça restaurativa no Brasil. Casos reais.

1. INTRODUÇÃO

A criminalidade e a violência é um dos problemas principais no mundo, não existindo ainda um modelo de justiça criminal que as combata totalmente.

Nesse trabalho será abordado um tema que ainda gera muita polêmica perante os doutrinadores e operadores do direito, sendo este “ a compatibilidade da justiça restaurativa com o sistema de justiça criminal brasileiro” e sobre a sua possível implementação no Brasil.

Será analisado minuciosamente se tal modelo é compatível com a nossa Constituição Federal, leis ordinárias e práticas jurídicas, bem como com os costumes, senso de justiça e cultura do povo brasileiro.

Assim, será que introduzir tais modelos estrangeiros, cuja nações são totalmente distinta das nossas daria certo (common law)?

Para chegarmos a essa conclusão será primeiramente abordado um enfoque conceitual para que se possa entender o que é essa justiça restaurativa.

E posteriormente é que será feita uma comparação entre os dois modelos, quais sejam: o modelo restaurativo com o sistema convencional, ou seja, modelo retributivo, para finalmente desenvolver posicionamentos que apoiam a tese da justiça restaurativa no Brasil, sendo ela sustentável e compatível com o nosso sistema jurídico criminal e por fim algumas ideias sobre a sua implantação no Brasil.

2. CONCEITO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA

Primeiramente cumpre destacar que a justiça restaurativa trata-se de um procedimento de consenso, envolvendo diversas pessoas, tais como: a vítima do crime, o infrator, bem como as pessoas da comunidade. Todas essas pessoas, são sujeitos centrais que acabam participando coletivamente na edificação de soluções para a cura dos traumas, feridas que são causados pelo crime.

O modelo restaurativo, representa uma forma de democracia participativa na área criminal, uma vez que a vítima, o infrator, bem como a comunidade se apropriam do processo decisório, buscando as mesmas coisas, como a cura e a transformação que o crime causou na vida de todos os envolvidos.

Deste modo, a justiça restaurativa não é algo superficial, pois mergulha a fundo no conflito enfatizando as subjetividades envolvidas, contrariando totalmente o modelo retributivo, isso porque, neste último o estado tem o monopólio penal exclusivo, sempre pronto para retribuir o mal com outro mal (BERISTAIN, 2000, p. 123).

Pois bem, como a justiça restaurativa trata-se de um novo paradigma, o seu conceito ainda é inconcluso, deste modo, para que possamos compreende-la é necessário usar lentes, é o que recomenda o ilustre Howard Zehr em sua obra sobre justiça restaurativa.

Dispõe Zeher sobre a justiça restaurativa (1990, p.80):

O crime é uma violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade, cumprindo, porisso, à justiça identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação e do trauma causado e que deve ser restaurado. Incube assim, à justiça oportunizar e encorajar as pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do processo, sendo ela, a justiça, avaliada segundo sua capacidade de fazer com que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado.

Segundo Pedro Scuro Neto (1999, p. 48):

“Fazer justiça”, do ponto de vista restaurativo significa dar resposta sistemática às infrações e a suas consequências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de todos os envolvidos ( vítima, infrator, comunidade) na resolução dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando suas atitudes e perspectivas em relação convencional com o sistema de justiça, significando, assim, trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir, de sorte que todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo.

Renato Gomes Pinto traz a seguinte definição (2007, p. 321):

A justiça restaurativa é um processo estritamente voluntário, relativamente informal, com a intervenção de mediadores, podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, objetivando a reintegração social da vítima e do infrator.

Assim, a justiça restaurativa visa reparar os danos que um crime podem causar, isso porque um crime causam danos as pessoas, a comunidade, aos relacionamentos e até mesmo ao próprio infrator, sendo assim uma medida necessária que envolve todos aqueles afetados diretamente pela transgressão, determinando a melhor formas de reparar o dano causado. (PINTO, 2007, p.300)

De tal modo, os autores adeptos de tal modelo, procuram demonstrar que a simples punição não considera os fatores emocionais e sociais, sendo fundamental para as pessoas afetadas por um crime restaurar o trauma emocional, sendo que esse só pode ser alcançado pela justiça restaurativa, que tem o intuito de diminuir o impacto dos crimes sobre as pessoas e não em diminuir a criminalidade no mundo. (PINTO, 2007, p. 300)

A ideia do modelo restaurativo é colocar réu e vítima frente a frente a fim de se chegar a uma mediação, pressupondo a concordância de ambas as partes, sendo que tais acordos devem ser razoáveis, bem como as obrigações devem obediência ao principio da proporcionalidade. (PINTO, 2007, p. 300)

Sendo importante frisar, que não há ênfase para a reparação material na justiça reparativa, mas da cura, resultado terapêutico que o crime tenha causado nas partes, assim, a reparação do dano causado pelo ilícito pode ocorrer de diversas formas, como dano moral, material ou simbólico. (PINTO, 2007, p. 301)

Dentre as diversas modalidades de justiça restaurativa, pode-se frisar a mediação (mediation), reuniões coletivas abertas a comunidade, bem como a membros da família ( conferencing) e ainda círculos decisórios ( sentencing circles). (PINTO, 2007, p.301)

Na primeira modalidade, isto é, mediação, temos a figura de um terceiro, sendo essa pessoa totalmente neutra e que irá conduzir as partes envolvidas no conflito, isto é, esse terceiro irá mediar as partes para que através de um acordo cheguem na solução ideal do problema. Importante frisar que esse terceiro, em momento algum decidirá algo pelas partes, sendo ele apenas um facilitador do plano restaurativo, sendo apenas as partes envolvidas que tomam rédeas de todo processo de restauração. (PINTO, 2007, p.301)

Na segunda e terceira modalidade, reuniões coletivas bem como círculos decisórios , tratam-se de uma mediação ampliada, isto é, o diálogo e discussão das consequências do delito e de sua reparação não ocorre em nível individual como na mediação, mas de forma coletiva e agregada com a sociedade. (PINTO, 2007, p.301)

Assim, pode-se concluir que a justiça restaurativa é o modelo que visa reparar o mal causado pela prática da infração, apostando no diálogo entre as pessoas, buscando o envolvimento emocional das partes, bem como na reaproximação das mesmas. (PINTO, 2007, p. 301)

3. EVOLUÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Diferentemente do que imaginamos, a justiça restaurativa é primitiva, remontando aos códigos de Hamurabi, Ur- Nammu e Lipit- Ishtar há aproximadamente dois mil anos antes de Cristo. (ANDRADE, 2012, p. 333)

O modelo restaurativo foi desenvolvido efetivamente a partir da década de 1970 em países como Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândiam Austrália, entre outros. (ANDRADE, 2012, p. 333)

Atribui-se a autoria de tal modelo a um psicólogo chamado Albert Eglash, ele trabalhava com detentos e tentava mostrar aos mesmos como o comportamento delitivo era prejudicial às vítimas e quais atitudes deveriam tomar para amenizar os danos causados. (ANDRADE, 2012, p. 334)

No entanto, conforme supracitado o doutrinador Howard Zehr é o autor mais notável na área da justiça restaurativa, isso porque no final dos anos 1970, ele participou de um movimento para desenvolver a justiça restaurativa, bem como realizou inúmeros eventos internacionais. No ano de 1990, publicou a ilustre obra Changing Lenses - A new focus for crime and justice – obra de referencia no mundo todo sobre o tema em comento.

A justiça restaurativa ainda continua ganhando força, uma vez que há determinação expressa em documentos da ONU, bem como na União Européia no sentido de que a mesma seja aplicado em todos os países, não podendo deixar de mencionar o Conselho Econômico e Social das nações Unidas, de 2002, que traz princípios básicos sobre o modelo de justiça restaurativa.

Assim, a tendência é que mais países introduzam o modelo restaurativo em sua legislação, uma vez que o sistema punitivo-retributivo não contribui para a ressocialização do infrator.

4. DIFERENÇAS ENTRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA RETRIBUTIVA

Pode-se dizer que na justiça retributiva tem-se o conceito jurídico de crime, que é a transgressão da lei penal e monopólio estatal da justiça criminal; em contrapartida na justiça restaurativa se extrai um conceito bem mais amplo do crime, sendo conceituado como o mesmo ato que afeta a vítima, o infrator, bem como a comunidade, causando-lhes uma imensidade de danos.

Adentrando-se dentro do procedimento de cada um dos modelos pode-se visualizar a total distinção entre os dois, uma vez que no modelo restaurativo é caracterizado por um ritual solene e público, com a indisponibilidade da ação penal, observados o contencioso, contraditório e ampla defesa, linguagem e procedimentos formais, sendo as autoridades e operadores do direito os atores principais do modelo, bem como ficando a cargo da autoridade (juiz, promotor, jurados) o processo decisório.

Em contrapartida, o modelo restaurativo é totalmente informal e comunitário, havendo o envolvimento de todas as partes ( vítimas, infratores e comunidade), sendo as pessoas da comunidade os atores principais do processo decisório, uma vez que a justiça restaurativa preza pela multidimensionalidade.

Com relação aos efeitos que os modelos tem sobre as vítimas, destaca-se que na justiça retributiva não há nenhuma consideração com a pessoa da vítima, ocupando esta um lugar periférico e alienado no processo, já na justiça restaurativa a vítima ocupa lugar de destaque, uma vez que ela tem voz ativa e controle sobre o processo decisório.

Atinente ao infrator, na justiça retributiva é considerado em suas faltas e sua má-formação, visando apenas a sua repreensão (penalização) pelo dano causado; já na justiça restaurativa é analisado o potencial do infrator sob a égide de responsabilizar-se pelo danos e consequências que o delito causou a vítima e a comunidade, ele interage diretamente com as partes, contribuindo significativamente para a decisão.

Renato Socrátes Gomes Pinto (2007, p. 162) elucida em uma de suas obras os seguintes quadros comparativos para uma melhor visualização e compreensão das principais distinções dos sistemas em comento:

VALORES

JUSTIÇA RETRIBUTIVA

JUSTIÇA RESTAURATIVA

Conceito jurídico-normativo de Crime – ato contra a sociedade representada pelo Estado – Unidisciplinariedade

Conceito realístico de Crime – Ato que traumatiza a vítima, causando-lhe danos. - Multidisciplinariedade

Primado do Interesse Público (Sociedade, representada pelo Estado, o Centro) – Monopólio estatal da Justiça Criminal

Primado do Interesse das Pessoas Envolvidas e Comunidade – Justiça Criminal participativa

Culpabilidade Individual voltada para o passado - Estigmatização

Responsabilidade, pela restauração, numa dimensão social, compartilhada coletivamente e voltada para o futuro

Uso Dogmático do Direito Penal Positivo

Uso Crítico e Alternativo do Direito

Indiferença do Estado quanto às necessidades do infrator, vítima e comunidade afetados - desconexão

Comprometimento com a inclusão e Justiça Social gerando conexões

Mono-cultural e excludente

Culturalmente flexível (respeito à diferença, tolerância)

Dissuasão

Persuasão

PROCEDIMENTOS

JUSTIÇA RETRIBUTIVA

JUSTIÇA RESTAURATIVA

Ritual Solene e Público

Comunitário, com as pessoas envolvidas

Indisponibilidade da Ação Penal

Princípio da Oportunidade

Contencioso e contraditório

Voluntário e colaborativo

Linguagem, normas e procedimentos formais e complexos – garantias.

Procedimento informal com confidencialidde

Atores principais - autoridades (representando o Estado) e profissionais do Direito

Atores principais – vítimas, infratores, pessoas da Comunidade, ONGs.

Processo Decisório a cargo de autoridades (Policial,Delegado, Promotor, Juiz e profissionais do Direito - Unidimensionalidade

Processo Decisório compartilhado com as pessoas envolvidas (vítima, infrator e comunidade) – Multi-dimensionalidade

RESULTADOS

JUSTIÇA RETRIBUTIVA

JUSTIÇA RESTAURATIVA

Prevenção Geral e Especial

-Foco no infrator para intimidar e punir

Abordagem do Crime e suas Conseqüências

- Foco nas relações entre as partes, para restaurar

Penalização

Penas privativas de liberdade, restritivas de direitos, multa

Estigmatização e Discriminação

Pedido de Desculpas, Reparação, restituição, prestação de serviços comunitários

Reparação do trauma moral e dos Prejuízos emocionais – Restauração e Inclusão

Tutela Penal de Bens e Interesses, com a Punição do Infrator e Proteção da Sociedade

Resulta responsabilização espontânea por parte do infrator

Penas desarrazoadas e desproporcionais em regime carcerário desumano, cruel, degradante e criminógeno – ou – penas alternativas ineficazes (cestas básicas)

Proporcionalidade e Razoabilidade das Obrigações Assumidas no Acordo Restaurativo

Vítima e Infrator isolados, desamparados e desintegrados. Ressocialização Secundária

Reintegração do Infrator e da Vítima Prioritárias

Paz Social com Tensão

Paz Social com Dignidade

EFEITOS PARA A VÍTIMA

JUSTIÇA RETRIBUTIVA

JUSTIÇA RESTAURATIVA

Pouquíssima ou nenhuma consideração, ocupando lugar periférico e alienado no processo. Não tem participação, nem proteção, mal sabe o que se passa.

Ocupa o centro do processo, com um papel e com voz ativa. Participa e tem controle sobre o que se passa.

Praticamente nenhuma assistência psicológica, social, econômica ou jurídica do Estado

Recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e reparação

Frustração e Ressentimento com o sistema

Tem ganhos positivos. Supre-se as necessidades individuais e coletivas da vítima e comunidade

EFEITOS PARA O INFRATOR

JUSTIÇA RETRIBUTIVA

JUSTIÇA RESTAURATIVA

Infrator considerado em suas faltas e sua má-formação

Infrator visto no seu potencial de responsabilizar-se pelos danos e conseqüências do delito

Raramente tem participação

Participa ativa e diretamente

Comunica-se com o sistema por Advogado

Interage com a vítima e com a comunidade

É desestimulado e mesmo inibido a dialogar com a vítima

Tem oportunidade de desculpar-se ao sensibilizar-se com o trauma da vítima

É desinformado e alienado sobre os fatos processuais

É informado sobre os fatos do processo restaurativo e contribui para a decisão

Não é efetivamente responsabilizado, mas punido pelo fato

É inteirado das conseqüências do fato para a vítima e comunidade

Fica intocável

Fica acessível e se vê envolvido no processo

Não tem suas necessidades consideradas

Supre-se suas necessidades

5. JUSTIÇA RESTAURATIVA E SUA IMPLEMENTAÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

A justiça restaurativa é aplicada nos países que adotam o sistema commom law, isso porque esses países prezam pelo principio da oportunidade, sendo totalmente compatível com o sistema restaurativo.

No entanto, no caso do Brasil, onde prevalece o princípio da indisponibilidade da ação penal pública, não há essa abertura para medidas conciliatórias ou alternativas.

Contudo, apesar de existir esse empecilho para adoção dos métodos alternativos, houve um pequeno avanço, ainda que não explicito em nossa Constituição Federal, bem como na Lei 9.0999/95 nas ocasiões que vigora o principio da oportunidade.

Quer dizer que nos crimes de ação penal privada, bem como ação penal pública condicionada à representação, onde figura a vontade do ofendido para provocar a prestação jurisdicional, é possível que as partes optem pelo procedimento restaurativo para solucionar o conflito, abrindo mão da máquina judiciária.

Ora, a lei 9.099/95 prevê como medidas alternativas: a composição civil ( art. 74, paragrafo único), transação penal (art. 76), bem como a suspensão condicional do processo ( art. 89).

A lei 9.099 admite o processo restaurativo tanto em sua fase preliminar, bem como durante o procedimento contencioso, havendo a possibilidade de haver a despenalização pela extinção da punibilidade através da composição civil nos crimes de ação penal privada e pública condicionada.

Assim, não resta dúvidas que a justiça restaurativa pode ser alcançada na conciliação, bem como na transação pena, a partir do espaço de consenso entre as partes, que permite o diálogo restaurativo, inclusive ampliada por englobar outros conteúdos, tais como emocionais.

Importante ainda salutar que o processo restaurativo também é possível nos crimes contra o idoso, conforme se observa no art. 94 da lei 10.741/03, isso porque é aplicado o procedimento da lei 9.099/95 para os crimes cuja pena não ultrapassem 4 anos.

Deste modo, o programa da justiça restaurativa pode ser perfeitamente compatível no Brasil, podendo utilizar espaços comunitários ou até mesmo centros integrados de cidadania, locais esses onde seria instalado núcleos de justiça restaurativa, sendo composto por uma coordenação e um conselho multidisciplinar, e suja estrutura se compreenderia câmaras restaurativas onde se agrupariam as partes e os mediadores, com o devido apoio administrativo e de segurança. (SICA, 2007, p.89)

Assim sendo, é possível utilizar estruturas já existentes para ser usados como espaços restaurativos, mas desde que com apoio dos órgãos governamentais, empresas e organizações não governamentais, operando em rede e encaminhando as vítimas e os infratores para os programas a fim de se realizar uma acordo restaurativo. (SICA, 2007, p.89)

Por fim, chega-se a conclusão que o modelo restaurativo e o retributivo podem coexistir, no entanto dever ter cautela na sua efetiva implementação, uma vez que é imprescindível que tal modelo se desenvolva com produto de debates em fóruns apropriados, com ampla participação e aprovação da sociedade para que seja concebida definitivamente pelo Brasil, onde é totalmente manifesta a falência do sistema criminal tradicional e o crescimento contumaz da criminalidade.

6. CASOS DE JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL

6.1 Caso de Porto Alegre-RS

Em Porto Alegre, aplica-se a justiça restaurativa em casos de jovens reincidentes.(SILVA, 2007, P. 72)

Os casos acolhidos em Porto Alegre abrangem a confissão do ato pelo ofensor - infrator, a identificação da vítima e o não envolvimento de homicídio, latrocínio, estupro ou conflito familiar. (SILVA, 2007, P. 72)

O processo é dividido em fases. Na primeira etapa, faz-se a seleção dos casos; em seguida, encaminham-se para a fase do "Pré-Círculo", em que se explica às partes o que é a justiça restaurativa e se constata seu interesse em participar da mesma. Após, entra-se na etapa do "Círculo Restaurativo", em que, acompanhados de coordenadores e após a colaboração e participação de ambas as partes, chega-se a um consenso, isto é acordo restaurativo. (SILVA, 2007, P. 72)

Esse acordo/plano é redigido pelos coordenadores e assinado pelas partes. A partir daí, o ofensor é encaminhado ao Programa de Execução de Medidas Socioeducativas, acompanhado de um técnico que observará o cumprimento do acordo. Outro técnico acompanha as necessidades da vítima. Por fim, ocorre a etapa do "Pós-Círculo", em que se verifica se o acordo foi devidamente cumprido pelas partes. (SILVA, 2007, P. 72)

6.2 Caso de São Caetano do Sul-SP

Em São Caetano do Sul, desenvolveu-se um modelo de justiça restaurativa nas escolas estaduais voltado ao público da 4a à 8a série do Ensino Fundamental, essencialmente adolescentes entre 9 e 16 anos. (SILVA, 2007, P. 74)

Nesse caso, qualquer conflito pode ser encaminhado ao Círculo Restaurativo, e qualquer pessoa pode fazer a indicação - geralmente quem o faz são as partes ou os professores, que são os coordenadores do projeto. O programa dá ênfase aos casos de bullying que ocorrem no ambiente escolar. (SILVA, 2007, P. 74)

Para que ocorra o Círculo Restaurativo, é necessário concordância das partes. Os casos, após concluídos, necessariamente são enviados ao juízo, cuja função é observar os casos concretos. Muitas vezes, os próprios juízes concedem a remissão e sequer encaminham os jovens às medidas socioeducativas. (SILVA, 2007, P. 74)

6.3 Caso de Brasília-DF

Em Brasília, o programa é construído numa parceria entre o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, a Defensoria Pública do Distrito Federal, a Secretaria de Estado de Ação Social, a Universidade de Brasília, o Instituto de Direito Internacional e Comparado e a Escola da Magistratura do Distrito Federal, e é dado enfoque aos casos em que os envolvidos possuem um relacionamento que se projete para o futuro ou se prolongue. (SILVA, 2007, P. 75)

O programa é dividido em algumas etapas. Primeiro, faz-se a seleção dos casos e consulta-se ofensor e vítima sobre o interesse em participar do projeto. Nesse momento, explica-se o que é a Justiça Restaurativa, e só se prossegue com o programa se as partes anuírem com seu andamento. (SILVA, 2007, P. 75)

Em seguida, realizam-se os Encontros Preparatórios, em que as partes, geralmente amparadas por familiares e amigos, preparam-se emocionalmente para o processo. É nesse momento em que se discute o que será dito e como reagir ao relacionamento com a outra parte. (SILVA, 2007, P. 75)

Por fim, chega-se à etapa central do programa, que é o Encontro Restaurativo. Nessa fase, as partes discutem o conflito e elaboram um acordo, que será homologado pelo Juiz e pelo Ministério Público. Após seis meses, as partes se reúnem para se verificar o cumprimento do acordo. (SILVA, 2007, P. 75)

7. CONCLUSÃO

Acerca do presente estudo, mesmo ainda tendo debates e resistência sobre a implementação da justiça restaurativa, não resta dúvidas que o mesmo já transparece timidamente por intermédio da lei 9.099/95 que preza pelos meios alternativos para a pacificação dos litígios.

Ademais, cumpre salientar que a implementação de tal modelo não irá suprimir o atual sistema de justiça criminal, isso porque a pratica restaurativa e o modelo retributivo podem coexistir, desde que o direito penal seja visto como uma última ratio, isto é, seja subsidiário aos meios alternativos.

No entanto, para um funcionamento eficiente do sistema é fundamental uma gestão eficiente concernente à administração da justiça, bem como que as partes tenham um serviço eficiente em seu desfavor, com pessoas realmente capacitadas para realizar a conciliação, com sensibilidade para conduzir a pacificação, respeitando os princípios constitucionais e valores do procedimento restaurativo.

Assim, conclui-se que a justiça restaurativa é possível no Brasil, desde que observados os princípios e garantias fundamentais as partes: dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e adequação, razoabilidade e ainda o interesse público, pois envolve a comunidade, sendo uma oportunidade de adoção a uma justiça criminal democrática, participativa e capaz de operar uma transformação na realidade do país atinente aos direitos humanos, cidadania, cidadania e principalmente a paz social, o que não é colocado em prática no atual sistema retributivo.

  • JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL

Referências

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira. Pelas mãos da Criminologia – O controle penal para além das ( des) ilusão. 1ª edição, 2012.

BERISTAIN, Antonio, Nova Criminologia à luz do direito penal e da vitimologia, tradução de Cândido Furtado Maia. Brasília, Editora Unb. 2000.

MORRIS, Allison and Warren Young. 2001 “Reforming Criminal Justice: The Potential of Restorative Justice.” In, Heather Strang and John Braithwaite, eds., Restorative Justice: Philosophy and Practice. Dartmouth: Ashgate. Pp. 11-31

PINTO, Renato Sócrates Gomes. A construção da Justiça Restaurativa no Brasil. O impacto no sistema de Justiça criminal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1432, 3 jun. 2007.

ROLIM, Marcos; SCURO NETO, Pedro; DE VITTO, Renato Campos Pinto e PINTO, Renato Sócrates Gomes, 2004. Justiça Restaurativa – Um Caminho para os Direitos Humanos? Textos para Debates, Ed. IAJ – Instituto de Acesso à Justiça, Porto Alegre.

SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e Mediação Penal. O novo modelo de Justiça Criminal e de Gestão do crime, Rio de janeiro. Editora Lumen, 2007

SILVA, Karine Duarte Rocha da. "Justiça Restaurativa e sua aplicação no Brasil". Brasília, 2007.

SCURO NETO, Pedro, Justiça nas Escolas: A função das câmaras restaurativas. O direito é aprender (org. Leoberto N. Brancher, Maristela M. Rodrigues e Alessandra G. Vieira). Brasília: Fundescola/ Projeto Nordeste/ MEC-BIRD. 1999.

TJSP usa Justiça Restaurativa na ressocialização de jovens. CNJ, 1° de janeiro de 2013.

ZEHR, Howard. Changing Lenses: A New for crime and justice. Scottdale, PA: herald Press, 1990.

[1] Advogada formada no curso de Direito do Centro Universitário “Antonio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente. [email protected].


Débora Fernanda Rossato

Advogado - Presidente Prudente, SP


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