Apesar da recusa inicial de alguns planos de saúde, mudanças legislativas e regulatórias, como a Resolução Normativa ANS nº 539, estabeleceram a obrigatoriedade de cobertura das terapias de psicomotricidade e reorganização funcional, desde que prescritos por médicos assistentes e respaldados por evidências científicas. Essas medidas visam garantir acesso equitativo a intervenções multidisciplinares, promovendo o desenvolvimento e a qualidade de vida de pacientes com TEA.
Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica complexa que afeta a comunicação, interação social e comportamento.
Enquanto não existe uma cura definitiva para o autismo, várias abordagens terapêuticas têm sido desenvolvidas para ajudar a melhorar a qualidade de vida e as habilidades das pessoas afetadas. Duas dessas abordagens, a psicomotricidade e a terapia de reorganização neurofuncional (NFR), emergem como ferramentas valiosas no tratamento do autismo.
Como é de conhecimento geral, a psicomotricidade no contexto do autismo desempenha um papel crucial no desenvolvimento e bem-estar das pessoas afetadas por essa condição. Por meio de atividades que integram aspectos físicos, cognitivos, emocionais e sociais, a psicomotricidade visa melhorar a coordenação motora, a integração sensorial, a expressão emocional e as habilidades sociais dos indivíduos autistas. Essa abordagem terapêutica oferece uma oportunidade valiosa para promover um desenvolvimento global mais harmonioso e auxiliar na adaptação às demandas do ambiente.
Já a Terapia de Reorganização Neurofuncional (NFR) emerge como uma abordagem terapêutica promissora para indivíduos com autismo. Ao focar na plasticidade cerebral e na capacidade do cérebro de se reorganizar em resposta a estímulos específicos, a NFR visa promover o desenvolvimento de novas conexões neurais e habilidades cognitivas. Por meio de intervenções personalizadas e direcionadas, essa terapia busca melhorar a linguagem, a comunicação, a coordenação motora e outras habilidades funcionais, oferecendo uma oportunidade significativa para aprimorar a qualidade de vida e o funcionamento global das pessoas autistas.
Além disso, essas técnicas podem ser integradas a outros tratamentos, como terapia ocupacional, fonoaudiologia e terapia comportamental, ampliando ainda mais as possibilidades de intervenção e maximizando os benefícios para as pessoas autistas.Parte superior do formulário
Contudo, diversos planos de saúde têm negado a cobertura a esses tratamentos, sob a justificativa de que tais procedimentos não constava no rol obrigatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
Em verdade, essa negativa se dá devido ao alto custo dessas terapias, pois além de serem contínuos e por tempo indeterminado, como dito, envolvem múltiplos profissionais.
Os planos de saúde são obrigados a custear o tratamento de psicomotricidade e a terapia de reorganização funcional?
Apesar da recalcitrância das operadoras de plano de saúde, atualmente não há mais discursão, os planos de saúde são sim obrigados a cobrir ambos os tratamentos.
Como amplamente noticiado nas mídias sociais, em junho de 2022, o STJ, com vistas a dar uma solução a controvérsia, em decisão bastante polêmica, decidiu que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo, o que teve como principal efeito prático a exclusão da cobertura de métodos empregados no tratamento das pessoas autistas.
Contudo, depois de uma grande repercussão social e mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ, a qual passou a prever, de maneira expressa, o caráter exemplificativo do rol da ANS.
A Lei n. 14.454/2022, publicada no dia 22/09/2022, a qual entre outras medidas acrescentou os §§ 12 e 13 do artigo 10 da Lei n. 9.656/1998, com a seguinte redação:
“Art. 10(...) § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.”
Na prática, o novo texto de lei mencionado definiu circunstâncias em que o plano de saúde deve autorizar a cobertura de tratamentos ou procedimentos não contemplados no Rol da ANS.
É evidente que as normas que restringem a cobertura das operadoras de planos de saúde têm como objetivo principal harmonizar a relação contratual, assegurando segurança, eficácia e equilíbrio, a fim de preservar a viabilidade do sistema de saúde suplementar.
Essas normas protegem os interesses dos usuários, ampliando a cobertura em relação a doenças. Ao mesmo tempo, também protegem os interesses das operadoras ao estabelecer antecipadamente os procedimentos que elas são obrigadas a custear, permitindo uma previsão das despesas a serem realizadas e garantindo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, independentemente de haver ou não finalidade lucrativa.
Em conformidade com tais princípios e com o intuito de resolver a disputa sobre os tratamentos recomendados para as pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista - TEA, a agência reguladora emitiu a Resolução Normativa ANS nº 539, datada de 23 de junho de 2022, para modificar a Resolução Normativa nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, que trata do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde na esfera da Saúde Suplementar:
“Art. 3º O art. 6º, da RN nº 465, de 2021, passa a vigorar acrescido do § 4º, com a seguinte redação:
"Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente."
O objetivo dessa ação foi regular a cobertura obrigatória de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para o tratamento/gestão dos beneficiários diagnosticados com TEA e outros transtornos globais do desenvolvimento.
Com base no Anexo I da RN nº 428/2017, que lista os procedimentos obrigatórios em saúde, destacam-se consultas e sessões com fonoaudiólogos, psicólogos e/ou terapeutas ocupacionais, juntamente com diretrizes de utilização específicas. Além disso, a reeducação e reabilitação em diversas áreas, como desenvolvimento psicomotor, neurológico e neuromuscular-esquelético, são indicadas para compor o atendimento multidisciplinar de pacientes diagnosticados com transtorno do espectro autista. Esses recursos clínicos oferecem suporte terapêutico abrangente, visando o desenvolvimento e a adaptação das habilidades funcionais dos indivíduos afetados pelo transtorno.
Assim, de acordo com a modificação legislativa e a atual lista de procedimentos da ANS, é obrigatório o custeio/cobertura do tratamento multidisciplinar de psicomotricidade e a terapia de reorganização funcional desde que prescritos pelo médico do paciente.
Conclusão
Perante a regulamentação da ANS e as mudanças legislativas recentes, torna-se claro que os tratamentos multidisciplinares, como a psicomotricidade e a terapia de reorganização funcional, são fundamentais para o cuidado de indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essas abordagens terapêuticas, incorporadas ao rol de procedimentos obrigatórios, oferecem suporte abrangente para o desenvolvimento e a adaptação das habilidades funcionais dos pacientes autistas.
Assim, conforme as disposições legais e regulatórias, a garantia de acesso a esses tratamentos é um passo significativo para assegurar cuidados adequados e abrangentes aos pacientes com TEA, respeitando suas necessidades individuais e promovendo uma abordagem holística no cuidado de sua saúde e bem-estar.
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Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto.