Plano de saúde deve cobrir as terapias de psicomotricidade e reorganização funcional para tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA)


31/01/2024 às 13h44
Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto

Apesar da recusa inicial de alguns planos de saúde, mudanças legislativas e regulatórias, como a Resolução Normativa ANS nº 539, estabeleceram a obrigatoriedade de cobertura das terapias de psicomotricidade e reorganização funcional, desde que prescritos por médicos assistentes e respaldados por evidências científicas. Essas medidas visam garantir acesso equitativo a intervenções multidisciplinares, promovendo o desenvolvimento e a qualidade de vida de pacientes com TEA.

 

Introdução

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica complexa que afeta a comunicação, interação social e comportamento.

 

Enquanto não existe uma cura definitiva para o autismo, várias abordagens terapêuticas têm sido desenvolvidas para ajudar a melhorar a qualidade de vida e as habilidades das pessoas afetadas. Duas dessas abordagens, a psicomotricidade e a terapia de reorganização neurofuncional (NFR), emergem como ferramentas valiosas no tratamento do autismo.

 

Como é de conhecimento geral, a psicomotricidade no contexto do autismo desempenha um papel crucial no desenvolvimento e bem-estar das pessoas afetadas por essa condição. Por meio de atividades que integram aspectos físicos, cognitivos, emocionais e sociais, a psicomotricidade visa melhorar a coordenação motora, a integração sensorial, a expressão emocional e as habilidades sociais dos indivíduos autistas. Essa abordagem terapêutica oferece uma oportunidade valiosa para promover um desenvolvimento global mais harmonioso e auxiliar na adaptação às demandas do ambiente.

 

Já a Terapia de Reorganização Neurofuncional (NFR) emerge como uma abordagem terapêutica promissora para indivíduos com autismo. Ao focar na plasticidade cerebral e na capacidade do cérebro de se reorganizar em resposta a estímulos específicos, a NFR visa promover o desenvolvimento de novas conexões neurais e habilidades cognitivas. Por meio de intervenções personalizadas e direcionadas, essa terapia busca melhorar a linguagem, a comunicação, a coordenação motora e outras habilidades funcionais, oferecendo uma oportunidade significativa para aprimorar a qualidade de vida e o funcionamento global das pessoas autistas.

 

Além disso, essas técnicas podem ser integradas a outros tratamentos, como terapia ocupacional, fonoaudiologia e terapia comportamental, ampliando ainda mais as possibilidades de intervenção e maximizando os benefícios para as pessoas autistas.Parte superior do formulário

 

Contudo, diversos planos de saúde têm negado a cobertura a esses tratamentos, sob a justificativa de que tais procedimentos não constava no rol obrigatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.

 

Em verdade, essa negativa se dá devido ao alto custo dessas terapias, pois além de serem contínuos e por tempo indeterminado, como dito, envolvem múltiplos profissionais.

 

Os planos de saúde são obrigados a custear o tratamento de psicomotricidade e a terapia de reorganização funcional?

 

Apesar da recalcitrância das operadoras de plano de saúde, atualmente não há mais discursão, os planos de saúde são sim obrigados a cobrir ambos os tratamentos.

 

Como amplamente noticiado nas mídias sociais, em junho de 2022, o STJ, com vistas a dar uma solução a controvérsia, em decisão bastante polêmica, decidiu que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo, o que teve como principal efeito prático a exclusão da cobertura de métodos empregados no tratamento das pessoas autistas.

 

Contudo, depois de uma grande repercussão social e mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ, a qual passou a prever, de maneira expressa, o caráter exemplificativo do rol da ANS.

 

A Lei n. 14.454/2022, publicada no dia 22/09/2022, a qual entre outras medidas acrescentou os §§ 12 e 13 do artigo 10 da Lei n. 9.656/1998, com a seguinte redação:

 

“Art. 10(...) § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.”

 

Na prática, o novo texto de lei mencionado definiu circunstâncias em que o plano de saúde deve autorizar a cobertura de tratamentos ou procedimentos não contemplados no Rol da ANS.

 

É evidente que as normas que restringem a cobertura das operadoras de planos de saúde têm como objetivo principal harmonizar a relação contratual, assegurando segurança, eficácia e equilíbrio, a fim de preservar a viabilidade do sistema de saúde suplementar.

 

Essas normas protegem os interesses dos usuários, ampliando a cobertura em relação a doenças. Ao mesmo tempo, também protegem os interesses das operadoras ao estabelecer antecipadamente os procedimentos que elas são obrigadas a custear, permitindo uma previsão das despesas a serem realizadas e garantindo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, independentemente de haver ou não finalidade lucrativa.

 

Em conformidade com tais princípios e com o intuito de resolver a disputa sobre os tratamentos recomendados para as pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista - TEA, a agência reguladora emitiu a Resolução Normativa ANS nº 539, datada de 23 de junho de 2022, para modificar a Resolução Normativa nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, que trata do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde na esfera da Saúde Suplementar:

 

“Art. 3º O art. 6º, da RN nº 465, de 2021, passa a vigorar acrescido do § 4º, com a seguinte redação:

"Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente."

 

O objetivo dessa ação foi regular a cobertura obrigatória de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para o tratamento/gestão dos beneficiários diagnosticados com TEA e outros transtornos globais do desenvolvimento.

 

Com base no Anexo I da RN nº 428/2017, que lista os procedimentos obrigatórios em saúde, destacam-se consultas e sessões com fonoaudiólogos, psicólogos e/ou terapeutas ocupacionais, juntamente com diretrizes de utilização específicas. Além disso, a reeducação e reabilitação em diversas áreas, como desenvolvimento psicomotor, neurológico e neuromuscular-esquelético, são indicadas para compor o atendimento multidisciplinar de pacientes diagnosticados com transtorno do espectro autista. Esses recursos clínicos oferecem suporte terapêutico abrangente, visando o desenvolvimento e a adaptação das habilidades funcionais dos indivíduos afetados pelo transtorno.

 

Assim, de acordo com a modificação legislativa e a atual lista de procedimentos da ANS, é obrigatório o custeio/cobertura do tratamento multidisciplinar de psicomotricidade e a terapia de reorganização funcional desde que prescritos pelo médico do paciente.

 

Conclusão

 

Perante a regulamentação da ANS e as mudanças legislativas recentes, torna-se claro que os tratamentos multidisciplinares, como a psicomotricidade e a terapia de reorganização funcional, são fundamentais para o cuidado de indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essas abordagens terapêuticas, incorporadas ao rol de procedimentos obrigatórios, oferecem suporte abrangente para o desenvolvimento e a adaptação das habilidades funcionais dos pacientes autistas.

 

Assim, conforme as disposições legais e regulatórias, a garantia de acesso a esses tratamentos é um passo significativo para assegurar cuidados adequados e abrangentes aos pacientes com TEA, respeitando suas necessidades individuais e promovendo uma abordagem holística no cuidado de sua saúde e bem-estar.

 

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Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto.

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Referências

1.     DAVID PEIXOTO, “o plano de saúde negou o reembolso”. Disponível em: Site oficial do escritório de advocacia de David Vinícius do Nascimento Maranhão Peixoto: https://nascimentopeixotoadvogados.com.br/contato (Acesso em 27/08/2023);

 

2.     AMIL. "Amil nega terapias para autismo que são essenciais para início imediato". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/amil/amil-nega-terapias-para-autismo-que-sao-essenciais-para-inicio-imediato_H1eS94ssgLkE7qHx/. Acesso em: 18/11/2023.

 

3.     AMIL. "Amil nega tratamento para TEA". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/amil/amil-nega-tratamento-para-tea_Ji1Wqc6W4GLG69jf/. Acesso em: 18/11/2023.

 

4.     HAPVIDA SAÚDE. "O tratamento de autismo do meu filho foi negado mesmo com a liminar". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/hapvida-saude/o-tratamento-de-autismo-do-meu-filho-foi-negado-mesmo-com-a-liminar_JEPpvJhfTAyGSDWc/. Acesso em: 18/11/2023.

 

5.     UNIMED CUIABÁ. "Recusa de tratamento integral para autismo nos termos determinados pelo ME". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/unimed-cuiaba/recusa-de-tratamento-integral-para-autismo-nos-termos-determinados-pelo-me_7neSPNTS3wP8_7Iy/. Acesso em: 18/11/2023.

 

6.     NOTREDAME INTERMÉDICA MINAS. "Reembolso de terapias para TEA negado". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/notredame-intermedica-minas/reembolso-de-terapias-para-tea-negado_IqP3PFbgZB7TvMAT/. Acesso em: 18/11/2023.

 

7.     BRADESCO SEGUROS. "Bradesco nega tratamento para criança autista, trazendo prejuízos à saúde". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/bradesco-seguros/bradesco-nega-tratamento-para-crianca-autista-trazendo-prejuizos-a-saude-e_NKwAu1oqAfApe0Te/. Acesso em: 18/11/2023.

 

8.     SULAMÉRICA SAÚDE. "Tratamento autismo: reembolso integral negado". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/sulamerica-saude/tratamento-autismo-reembolso-integral-negado_MI5-9caMSlLcfE8Z/. Acesso em: 18/11/2023.

 

9.     BRADESCO SAÚDE. "Bradesco Saúde nega atendimento de autista, descumprindo Lei RN 469/09". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/bradesco-seguros/bradesco-saude-nega-atendimento-de-autista-descumprindo-lei-rn-469-de-09-07_PY-V9-IR0WoAQ57S/. Acesso em: 18/11/2023.

 

10. UNIMED RIO RJ. "Unimed Rio não libera tratamento para criança autista". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/unimed-rio-rj/unimed-rio-nao-libera-tratamento-para-crianca-autista_-4KMia3tm9e14mYF/. Acesso em: 18/11/2023.

 

11. SANTA CASA SAÚDE PIRACICABA. "Falta de cobertura para tratamento de criança autista (TEA) e a falta de pr". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/santa-casa-saude-piracicaba/falta-de-cobertura-para-tratamento-de-crianca-autista-tea-e-a-falta-de-pr_aLoyQTw6d8i5Apih/. Acesso em: 18/11/2023.

 

12. UNIMED RIO RJ. "Autismo: Unimed Rio não garante atendimento para criança autista". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/unimed-rio-rj/autismo-unimed-rio-nao-garante-atendimento-para-crianca-autista_ADXyO3qFSS9Ogeh9/. Acesso em: 18/11/2023.

 

13. BRADESCO SAÚDE. "Negativa de reembolso para tratamento de criança com TEA". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/bradesco-saude/negativa-de-reembolso-para-tratamento-de-crianca-com-tea_Ks7DeJs4Ys99smXb/. Acesso em: 18/11/2023.

 

14. AMIL. "Plano Amil 500 nega reembolso no valor integral a criança autista". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/amil/plano-amil-500-nega-reembolso-no-valor-integral-a-crianca-autista_YmqqXlN99W0s8Qsg/. Acesso em: 18/11/2023.

 

15. ASSIM SAÚDE. "Falta de terapias para autismo (TEA)". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/assim-saude/falta-de-terapias-autismo-tea_IMsxs5-VANlRsGNH/. Acesso em: 18/11/2023.

 

16. ALCANCE NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO. "Criança autista com tratamento inadequado". Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/alcance-nucleo-de-desenvolvimento-humano/crianca-autista-com-tratamento-inadequado_-Gptonu3HHPER7dM/. Acesso em: 18/11/2023.

 

17. “Direito da saúde” “advogado plano de saúde” “negativa plano de saúde” “carência” “plano negou reembolso” “liminar contra plano de saúde”. Disponível em: https://www.google.com/search?q=advogado+bras%C3%ADlia+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+putativa&rlz=1C1FKPE_pt-PTBR1070BR1070&oq=advogado+bras%C3%ADlia+uni%C3%A3o+es&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUqBwgCECEYoAEyBggAEEUYOTIHCAEQIRigATIHCAIQIRigATIGCAMQIRgVMgoIBBAhGBYYHRgeMgoIBRAhGBYYHRge0gEJMTI1MDBqMGo3qAIAsAIA&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em: 20/09/2023.

 

18. "Advogado, Brasília – DF". "tratamento negado", "Distrito Federal" “TJDFT” “plano negou reembolso" “advogado Brasília" “TEA” “tratamento multidisciplinar”. Disponível em: https://nascimentopeixotoadvogados.com.br/.

 



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