Introdução
A busca por um desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças é uma preocupação constante dos pais e responsáveis. Em alguns casos, quando há diagnóstico de deficiência do hormônio de crescimento, medidas específicas, como o uso do hormônio do crescimento (GH), tornam-se necessárias para garantir o crescimento adequado.
O hormônio do crescimento, também conhecido como somatropina, desempenha um papel crucial no crescimento e desenvolvimento humano, sendo fundamental durante a infância e a adolescência, sobretudo quando diagnóstico que aponte deficiência do hormônio de crescimento, associada ao Hipopituitarismo e Outras Hiperfunções da Hipófise, resultando em uma previsão de estatura abaixo do alvo genético.
O tratamento indicado, para esses casos, de fato será o uso da Somatropina Recombinante, comercialmente conhecida como Genotropin. encontrado no mercado com outros nomes comerciais, como Norditropin, Humatrope, Saizen, entre outros. Cada marca pode ter sua própria formulação e apresentação, mas todas contêm a Somatropina como o principal componente ativo.
A dosagem e a associação com o bloqueio puberal realizado com Triptorrelina (Neodecapeptyl) costumam ser prescritas como tentativa de melhorar a altura final e o crescimento ósseo, terapia considerada essencial para o adequado desenvolvimento das crianças e adolescentes, que possuem estatura abaixo dos padrões esperados.
O plano de saúde pode se negar a custear o hormônio do crescimento?
Como ocorre na grande maioria dos casos, a recusa das operadoras de planos saúde em custear o hormônio do crescimento - Somatropina Recombinante (Genotropin) – costuma se basear na alegação de que o tratamento não consta no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No entanto, evidências legais e normativas contradizem essa alegação.
A Resolução Normativa - RN n. 465/2021 da ANS, que atualizou o rol de procedimentos e eventos em saúde de cobertura assistencial obrigatória, incluiu explicitamente o hormônio do crescimento (HGH) no rol de procedimentos. Além disso, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria Conjunta nº 28/2018, aprovou Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Deficiência do Hormônio de Crescimento, indicando a Somatropina para o tratamento do diagnóstico de Puberdade Precoce Central, Hipopituitarismo e Outras Hiperfunções da Hipófise.
Acrescenta-se que, no caso da Triptorrelina (Neodecapeptyl), houve sua inclusão na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME 2022) e a aprovação pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria Conjunta nº 13/2022, o que reforça a legalidade e necessidade do medicamento para o tratamento das patologias mencionadas.
Noutro ponto, a argumentação do plano de saúde se mostra indevida, pois se um tratamento não está expressamente excluído das coberturas obrigatórias pela lei, a ausência desse tratamento no Rol da ANS não autoriza a operadora de planos de saúde a negar a cobertura. A regulamentação não pode criar restrições não previstas na legislação, e a garantia do direito à saúde e à vida dos beneficiários deve prevalecer.
Vale acrescentar que o Congresso Nacional promulgou a Lei nº 14.454/2022, que buscou modificar o entendimento estabelecido pelo STJ. A Lei nº 14.454/2022 alterou o artigo 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), introduzindo o § 12, que estabelece que o rol da ANS tem caráter exemplificativo:
Art. 10 (...)
§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
No entanto, para que um plano de saúde seja obrigado a cobrir um tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS, é necessário que a eficácia desse tratamento ou procedimento seja comprovada, conforme estabelecido pelo § 13, também acrescentado:
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Atualmente o caráter do rol da ANS é exemplificativo, desde que fique configurado as hipóteses acima mencionadas, de modo que, mesmo que o hormônio do crescimento não constasse no rol da ANS, o plano de saúde não poderia negar a sua cobertura em razão da ausência de inclusão nessa lista, sobretudo devido a comprovação da eficácia do tratamento, conforme exigências legais acima expostas.
Além disso, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor é crucial para garantir a proteção dos direitos dos menores, observando os princípios da dignidade da pessoa humana e boa-fé contratual.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) destaca casos similares em que planos de saúde foram obrigados a custear medicamentos não listados, ressaltando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a necessidade de comprovação da eficácia do tratamento:
- APELAÇÃO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TRATAMENTO ENDOCRINOLÓGICO. NEGATIVA INJUSTIFICADA. DEVER DE COBERTURA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO. 1.Trata-se de apelação contra sentença que, nos autos da ação de obrigação de fazer, julgou improcedente o pedido inicial para condenar a parte requerida a custear o medicamento Somatropina, da seguinte forma: (a) fornecimento direto e mensal do medicamento, cabendo a ela a compra e o custeio ou (b) disponibilização mensal do valor do medicamento, tão logo apresentado o orçamento pelos autores; seja o plano condenado a restituir em dobro todos os valores dispendidos na compra do medicamento Somatropina pelos genitores da menor; a condenação, ainda, do plano de saúde em danos morais no valor de R$ 5.000,00 a serem pagos a cada um dos requerentes. 2. Conforme já consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, o custeio de tratamento pelo plano de saúde pressupõe a existência de previsão de cobertura da patologia, e não da terapia recomendada para tratá-la. 2.1. Em consequência, firmou-se a jurisprudência no sentido de que não cabe ao plano de saúde substituir o crivo científico do médico especialista, a fim de recusar o tratamento por este indicado, tal como ocorre no presente caso. 2.2. É certo que o rol de procedimentos e eventos elaborados pela Agência Nacional de Saúde apresenta aqueles considerados mínimos para cobertura obrigatória pelos planos privados de assistência à saúde. Por outro lado, a jurisprudência entende tratar-se de um rol exemplificativo, que não serve como parâmetro para a seguradora/operadora de plano de saúde autorizar ou negar cobertura. 3. Convém consignar que a assistência à saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos da Lei 9.656/98 e do contrato firmado entre as partes (art. 35-F da Lei 9.656/98). 4. Ainda, a ré, ao se recusar a custear o tratamento do autor, infringiu os termos do artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Por conseguinte, a negativa do custeio do tratamento constitui prática abusiva e nula a cláusula contratual que a respaldou. 5. Apelação conhecida e provida.
- (Acórdão 1627993, 07202908820218070001, Relator: JOÃO LUÍS FISCHER DIAS, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 19/10/2022, publicado no DJE: 27/10/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.) Grifei.
- AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR. SOMATROPINA. HORMÔNIO DO CRESCIMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. ART. 300 DO CPC. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. 1. O art. 300 do CPC autoriza a concessão de tutela de urgência se presentes os pressupostos que elenca: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. A autora é beneficiária do plano de saúde da agravada e foi diagnosticada com “Deficiência parcial do hormônio do crescimento - DGH (E23.0)”, tendo a médica assistente consignado que “a paciente encontra-se pré-púbere, momento ideal para a terapêutica” (Somatropina Recombinante Humana/Genotropin® 12mg) (ID 35136608, p. 60/61). A operadora de plano de saúde negou a cobertura do medicamento nos seguintes termos: “a medicação Genotropin para a menor matr. 1690893602, 7 anos apresentando distúrbio no crescimento, é subcutânea, de uso domiciliar, não é de dispensação pelo Plano de Saúde cf Resolução Normativa da ANS” (ID 35136608, p. 68). 3. No julgamento finalizado no dia 08/06/2022, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Foram estabelecidos parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, “desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS”. 4. A Resolução Normativa - RN n. 465 de 24 de fevereiro de 2021, que atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde de cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde, incluiu o Hormônio do Crescimento (HGH) no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, consoante se infere de seu Anexo I. Além disso, o Ministério da Saúde aprovou Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Deficiência do Hormônio de Crescimento - Hipopituitarismo, indicando expressamente a somatropina para o tratamento de “Deficiência parcial do hormônio do crescimento - DGH (E23.0)”. 5. Diante de tal quadro, está demonstrada a necessidade e eficácia do tratamento apontado, em razão do quadro clínico, conforme atesta a médica assistente. Importa destacar que não há prova nos autos da existência de outro fármaco eficaz, efetivo e seguro, já incorporado ao mencionado rol, para a cura da paciente. 6. O fato de existir norma abstrata afastando a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos de uso domiciliar por parte dos planos de saúde não desobriga a agravada de fornecer medicamento que é indispensável ao tratamento da doença para a qual oferece cobertura, sob pena de se desvirtuar a finalidade do contrato de assistência à saúde e frustrar a essência do tratamento. 7. Há elementos capazes de evidenciar o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Isso porque o relatório médico apresentado pela agravante (ID 50149003 e 50149017), recomenda expressamente que o tratamento com o referido medicamento seja realizado neste momento, no qual a agravante está na pré-puberdade, pois a eficácia da medicação depende da sua utilização em período determinado e apropriado. 8. Desse modo, presentes os elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano à saúde da paciente, que necessita do medicamento somatropina para assegurar o seu regular crescimento, conforme relatório médico, deve ser deferida a tutela de urgência antecipada. 9. Recurso conhecido e provido. (Acórdão 1607558, 07146541320228070000, Relator: SANDRA REVES, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 17/8/2022, publicado no PJe: 31/8/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada)Grifei.
Acrescenta-se que a recusa das operadoras de planos de saúde em autorizar a cobertura do hormônio do crescimento para tratamento prescrito causa sofrimento e dissabores que ultrapassam a esfera do ordinário, sendo prática abusiva e nula, o que impõe a necessidade de reparação por danos morais, os quais são fixados com base na relevância do dano relacionado à saúde e vida.
O que fazer diante da recusa do plano de saúde em autorizar o tratamento com hormônio do crescimento (GH)?
Inicialmente, é aconselhável solicitar uma revisão da negativa, proporcionando informações adicionais e esclarecendo possíveis equívocos. A obtenção de laudos médicos que comprovem a eficácia do tratamento e a apresentação de bases legais, como a Resolução Normativa RN n. 465/2021, podem fortalecer o pedido. Se a revisão não for bem-sucedida, ações judiciais, incluindo tutela de urgência para iniciar o tratamento imediatamente, podem ser consideradas, com a possibilidade de acionar órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Em casos mais complexos, é essencial consultar profissionais legais e de saúde para orientações específicas sobre o caso. O sucesso das medidas dependerá da análise detalhada das circunstâncias, das leis vigentes e da documentação disponível. A persistência no uso de meios legais e regulatórios, aliada à defesa dos direitos do paciente, pode ser crucial para garantir o acesso ao tratamento necessário.
Em suma, a busca por soluções deve envolver uma abordagem multifacetada, incluindo revisão, comprovação da eficácia do tratamento, embasamento legal, ações judiciais, envolvimento de órgãos reguladores.
Conclusão
Diante do exposto, os planos de saúde são obrigados a custear tratamentos com hormônio do crescimento, quando prescritos por médicos especialistas, já que se trata de tratamento respaldado por normativas e protocolos de saúde. A legislação consumerista, aliada à jurisprudência favorável, sustenta a exigência de cobertura, assegurando o direito à saúde e ao desenvolvimento adequado das crianças.
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Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto.