Fonte: http://fernandavivacqua.jusbrasil.com.br/artigos/350155501/consideracoes-sobre-a-restituicao-dos-valores-pagos-pelo-consumidor-que-desiste-da-compra-do-imovel
1) {C}Aplicação do Código de Defesa do Consumidor no Contrato de promessa de compra e venda
Cuida-se de contrato de adesão[1] e ele deve ser interpretado a favor do promitente comprador, que não teve oportunidade de discutir as clausulas contratuais.
2) {C}Multa contratual abusiva quando gera desvantagem exagerada ao promitente comprador
O cidadão pode pedir a rescisão do contrato e a restituição dos valores pagos por não ter mais condições de suportar o pagamento das prestações acordadas. A extinção do negócio justifica a retenção, pelo vendedor, somente de parte das parcelas pagas, para compensar os custos operacionais da contratação (REsp 907.856).
No julgamento de um recurso, o tribunal admitiu que a retenção atingisse 25% do montante pago pelo adquirente, mas não o valor total, como desejava a incorporadora. A cláusula contratual que previa a retenção total foi julgada abusiva.
As formas e condições da restituição em caso de rescisão foram definidas pela Segunda Seção do STJ em processo julgado nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil (recurso repetitivo). De acordo com a Seção, “é abusiva cláusula que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, no caso de resolução de contrato de promessa de compra e venda, por culpa de quaisquer contratantes”.
Por esta razão, a imposição contratual que dispõe que a promitente vendedora pode fixar uma multa contratual até 50% das quantias pagas pelo adquirente comprador, que, certamente, o coloca em posição de extrema desvantagem na relação contratual, pode ser invalidada à luz dos arts. 6, 51,incisos,II e V c/c art. 53, Código de Defesa do Consumidor[2], sendo, inclusive, este o entendimento dos tribunais superiores sobre o tema, que vêm considerando em suas decisões que as incorporadoras/construtoras podem, a depender, reter o equivalente a 10% (dez por cento) dos valores pagos em contrato como regra, sendo a retenção máxima normalmente permitida até 20% (vinte por cento).
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça:
"DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DISTRATO. DEVOLUÇÃO ÍNFIMA DO VALOR ADIMPLIDO. ABUSIVIDADE. RETENÇÃO DE PERCENTUAL SOBRE O VALOR PAGO. SÚMULA 7 DO STJ.
1. "O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato" (art. 472 do Código Civil), o que significa que a resilição bilateral nada mais é que um novo contrato, cujo teor é, simultaneamente, igual e oposto ao do contrato primitivo. Assim, o fato de que o distrato pressupõe um contrato anterior não lhe desfigura a natureza contratual, cuja característica principal é a convergência de vontades. Por isso, não parece razoável a contraposição no sentido de que somente disposições contratuais são passíveis de anulação em virtude de sua abusividade, uma vez que "'onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito".
2. A lei consumerista coíbe a cláusula de decaimento que determine a retenção do valor integral ou substancial das prestações pagas por consubstanciar vantagem exagerada do incorporador.
3. Não obstante, é justo e razoável admitir-se a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas realizadas com a divulgação, comercialização e corretagem, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo comprador.
4. No caso, o Tribunal a quo concluiu, de forma escorreita, que o distrato deve render ao promitente comprador o direito à percepção das parcelas pagas. Outrossim, examinando o contexto fático-probatório dos autos, entendeu que a retenção de 15% sobre o valor devido seria suficiente para indenizar a construtora pelos prejuízos oriundos da resilição contratual. Incidência da Súmula 7 do STJ.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1132943/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 27/09/2013).
Outrossim, vale mencionar julgados no mesmo sentido, entre eles : RESP 37.846/SP ; RESP 43.544/SP; RESP 45.226/RS; RESP 56.750/SC; RESP 60.127/SP; RESP 60.563/SP; RESP 60.816/SP; RESP 63.028/DF; RESP 74.448/SP; RESP 94.303/SP; RESP 109.331/SP; RESP 115.672/RS; RESP 116.434/GO.[3]
Vale ainda destacar decisões recentes, senão vejamos:
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - BEM IMÓVEL - RESCISÃO CONTRATUAL - DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS - PERCENTUAL ESTIPULADO EXCESSIVAMENTE ONEROSO AO CONSUMIDOR - CLÁUSULA ABUSIVA - DECLARAÇÃO DE NULIDADE - DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS AO PERCENTUAL DE 90%, ASSEGURADA A RETENÇÃO DO PERCENTUAL DE 10% PELO PROMITENTE-VENDEDOR-CRITÉRIO DE EQUIDADE DO MAGISTRADO- CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DOS ALUGUÉIS PELA FRUIÇÃO DO BEM IMÓVEL. Aplicação da regra do art. 413 do Código Civil, que confere ao livre arbítrio do magistrado a redução da cláusula penal, para determinar a devolução de 90% das importâncias recebidas pela vendedora, autorizando retenção de 10% dos valores pagos à título de pena contratual, observando-se que houve a condenação dos réus ao pagamento de aluguel pela fruição do bem. (TJ-MG 200000050705910001 MG 2.0000.00.507059-1/000(1), Relator: ALVIMAR DE ÁVILA, Data de Julgamento: 18/05/2005, Data de Publicação: 11/06/2005).[4]
Pois bem.
Sob este viés, pugna pela devolução de 90% dos valores pagos sob pena de configurar desvantagem excessiva ao promitente comprador, afrontando o código de Defesa do Consumidor que dispõe em sentido contrário conforme já aduzido.
3) Abusos na cobrança de comissão de corretagem em contratos de compra e venda
O empreendedor cobra a corretagem ao promitente comprador sob alegação de que o gasto é necessário para divulgar o empreendimento e promover a aproximação e negociações das unidades.
Em que pese essa postura, a jurisprudência[5] consolidada entende que o ônus da corretagem cabe à vendedora, quando se sabe que esse serviço foi contratado pelo empreendedor, e não pelo promitente comprador, que acaba contratando a imobiliária porque se assim não o fizer não consegue celebrar o contrato[6].
Neste viés, não se pode aceitar que a corretagem seja ônus do promitente comprador, evidenciando-se, que a cobrança da taxa de corretagem é abusiva, violando as regras estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, sobretudo em seu art. 6º, incs. II e III.
4) {C}Devolução dos valores pagos à vista
Ocorrendo a resolução do contrato, a restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador deve ser imediata, independentemente se devida integralmente (em hipótese de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor) ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. (REsp 1.300.418).
Além do mais, o enunciado da súmula nº 543 do Superior Tribunal de Justiça[7] que veda expressamente tal prática. Com efeito, a restituição deve ser realizada à vista e de forma imediata referente ao valor pago pelo promitente comprador.
5) {C}Boa fé objetiva e seus deveres anexos
Fixada a premissa supra, em linha de princípio há que se dizer que o Código de Defesa do Consumidor pauta a relação de consumo pelos princípios da boa fé objetiva e da transparência, positivados no art. 4º do referido diploma. O primeiro traduz-se no respeito mútuo das partes contratuais, respeitando, cada um, os interesses legítimos do outro, bem como suas expectativas razoáveis, agindo com lealdade, sem abuso, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações. O segundo encontra-se encartado no dever do fornecedor de garantir informações claras e precisas sobre o conteúdo do contrato[8].
Tais princípios, somados aos deveres anexos da boa fé, em destaque lealdade e cooperação, atuam com o propósito de trazer equivalência na relação de consumo em todas as fases do contrato, inclusive, as pré e pós-contratuais.
Sobre a cooperação vale destacar o que GARCIA(2009:p.49) aduz:
“O fornecedor deverá, também, cooperar na relação para que o consumidor possa alcançar as suas expectativas, facilitando os meios para que o mesmo possa adimplir o contrato (dever anexo de cooperação). Desse modo, a cooperação propicia maior chance de conclusão ou de adimplemento contratual”.[9]
Apesar da confiança depositada no fornecedor, espera-se cooperação por parte do consumidor também. Neste sentido, assevera a Jurisprudência:
“O principio da boa fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa”. (STJ, REsp 595631/SC; Rel. Nancy Andrighi, DJ 02/08/2004)[10].
Se a parte em posição de vantagem negligencia em tomar as providências que estavam ao seu alcance acaba por violar os deveres anexos ou laterais, violação esta chamada pela doutrina de “violação positiva do contrato”.[11]
Com efeito, tanto o promitente comprador, quanto o promitente vendedor, deve tomar as medidas cabíveis e alcançáveis para resolver da melhor maneira possível o contrato de promessa de compra e venda.
[1] Neste sentido assevera NUNES (2012, p.695-697): “não há acerto prévio entre as partes, discussão de cláusulas e redação de comum acordo”. (NUNES, Luis Antonio Rizzatto Curso de direito do consumidor / Rizzatto Nunes. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012).
[2] BRASIL. Lei 8078/1990. Lei que dispõe sobre o direito de consumidor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm Acesso em 28 de Março de 2016.
[3] BRASIL. STJ - REsp: 1132943 PE 2009/0063448-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 27/08/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/09/2013. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24226328/recurso-especial-resp-1132943-pe-2009-0063448-6-stj/inteiro-teor-24226329
[4] Disponível em: http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5845966/200000050705910001-mg-2000000507059-1-000-1
[5]
[6] Observa-se que a não há alternativa, isto é, não há opção a quem tem interesse em comprar o imóvel, a não ser recorrer às imobiliárias que detém os lotes para venda.
[7] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado nº 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. Disponível em: http://www.stj.jus.br/docs_internet/VerbetesSTJ.pdf Acesso em 28 de Março de 2016.
[8] SCHAWRTZ, Fabio. Direito do Consumidor- Tópicos e Controvérsias. Niterói-RJ: IMPETUS, 2013. P. 67.
[9] GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 5.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2009
[10] Idem.p.47.
[11] Idem.p.49.