ANÁLISE DA LEI N. 13.429/2017 - Breves considerações


22/03/2018 às 09h02
Por Carolina Botini Correspondente Jurídico/Paralegal

No mês de março de 2017 foi sancionada a Lei n. 13.429/2017, que liberou a terceirização para todas as atividades de uma empresa, sob alegação de que isso contribuiria para o procedimento de contratação e lides processuais, inclusive do custo-benefício aos tomadores de serviços.

Até então, a terceirização era regida pela Lei 6.019/74 (trabalho temporário), Lei 4.102/83 (serviços de vigilância) e o art. 455 da CLT (subempreitada de obra). Fora essas hipóteses não há legislação específica.

Em razão da “evolução” social dentro do mercado de trabalho e a necessidade da mão-de-obra terceirizada para outros tipos de atividades da empresa é que levou o Projeto de Lei 4.330 de 2004 a discussão no Congresso Nacional. O PL 4.330:

"Libera a terceirização para qualquer tipo de atividade, ou seja, nenhuma diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, como hoje estabelecido pelo Enunciado n. 331. [...] qualquer atividade, inclusive aquela que é própria ou especialidade da contratante, caindo por terra o (falso) argumento do patronato de que uma das principais justificativas para a terceirização é a especialização ou focalização." (CORTEZ, 2017, p. 24-25 apud Antunes e Druck, 2013, p. 227)

Considerando os princípios constitucionais e a legislação trabalhista, nenhuma terceirização é benéfica, contudo, se faz necessária e, para frear condutas que desrespeitam o trabalhador é que as atividades foram delimitadas conforme os critérios estabelecidos pela Lei Maior.

Ora, tantos anos foram necessários para que se estabelecesse uma proteção aos direitos do trabalhador para que bastasse um Projeto de Lei contrariasse todo o exposto da Lei Trabalhista, uma vez que o 13º salário, férias, horas extras, e FGTS estão em risco e a nova Lei não protege os terceirizados, destruindo assim o patrimônio social conquistado ao longo de décadas. (CORTEZ, 2017, p. 25)

A liberação permite aos empresários se valerem de intermediários para prestar serviços a parte ou o todo de seu negócio. (GARCIA e ALVARENGA (coords.), 2017, p. 89)

Cumpre ressaltar que há uns anos o STF não tinha posição favorável a respeito da terceirização generalizada, porém, em Repercussão Geral, pelo ARE 713211 – Tema 725[1], fez com que mudasse esse conceito e declarasse a possibilidade da terceirização para atividade-fim. Sendo o órgão responsável pela CF/88, havia a suprema necessidade de observar a vedação constitucional.

O PL que há tantos anos tramitava em análise, foi imposto a sociedade sem a consideração devida da legislação vigente, pelas alegações de que a sociedade precisa acompanhar o avanço trabalhista e as dificuldades econômicas que o país enfrenta; isto significa dizer que a tese está pautada na primazia da liberdade contratual em detrimento a proteção do trabalho.

Desde que os direitos trabalhistas foram conquistados e consolidados no ordenamento jurídico, jamais houve na história discussão acerca da terceirização generalizada, ou pelo menos, nunca fora dado seguimento.

A ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública) em entrevista com o pesquisador José Augusto Pina, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, teve a seguinte resposta:

"A terceirização acarreta sérias consequências para o conjunto dos trabalhadores. Os estudos apontam que, hoje, o trabalhador terceirizado tem menor remuneração, redução ou ausência de “benefícios” (alimentação, moradia, transporte, assistência médica), jornada de trabalho mais extensa, ambientes com maior nocividade a sua saúde sem ou com precários equipamentos de proteção, além da menor duração dos contratos de trabalho, ou seja, uma rotatividade do trabalho ainda maior (64,4%, em 2013) do que a já elevada rotatividade entre os trabalhadores efetivos (33%). Em decorrência, aumenta a frequência dos períodos de desemprego alternado por curtos períodos de trabalho, o que pode inviabilizar o acesso ao seguro-desemprego, especialmente após a ampliação das restrições imposta pela lei 13.134 de 2015. Na Lei 13.429 de 31 de março de 2017, da terceirização, sancionada com base no Projeto de Lei 4302/1998 aprovado pela Câmara dos Deputados, também consta a ampliação do trabalho temporário, dos atuais três meses para seis, prorrogáveis por mais três meses. Ou seja, mais trabalhadores serão contratados por empresas de trabalho temporário (Lei 6.019 de 1974), que de fato representa uma modalidade de terceirização. Esses trabalhadores já não possuem direito ao seguro-desemprego, aviso-prévio e a multa do FGTS." (ENSP, 2017, [online])

Em decorrência dos direitos desrespeitados por muitas prestadoras de serviços, é que a JT (Justiça do Trabalho) está “abarrotada” de processos trabalhistas, fora aqueles que não recorrem as vias judiciais para requerer verbas trabalhistas.

Se de um lado gerará mais empregos, de outro, visa o lucro do empresário. Neste sentido não há que se falar em preservação do trabalho, apenas na livre iniciativa do mesmo na sua forma contratual, pois o fundamente da livre iniciativa é o regime clássico de contratação, qual seja, o vínculo de emprego sem intermediação de terceiro.

Desta forma, é importante ressaltar os principais aspectos da Lei, que segundo DIONIZIO (2017):

"- Fica permitida a terceirização de qualquer atividade em todos os setores da economia;

- A empresa contratante responderá de forma subsidiária pelos débitos trabalhistas da terceirizada, que será autuada primeiramente como empregadora. Então, havendo impossibilidade de cobrança, a empresa contratante será acionada como subsidiária;

- A empresa contratante só responderá por débitos trabalhistas da contratada em última instância;

- A empresa prestadora de serviço deverá ter um capital social mínimo de acordo com o número de funcionários aumentando a segurança do contratado pela terceira;

- A nova lei da terceirização não substitui a CLT nem promove a substituição de funcionários registrados por prestadores de serviço individuais PJ."

A nova lei de terceirização prevê muitos aspectos que facilitam a rotina do empregador, mas no ponto de vista do trabalhador ela deixa a desejar, pois para evitar o prejuízo excessivo de um lado, fora preciso colocar outro em detrimento. Isso sugere um desequilíbrio na balança da justiça.

As atividades terceirizadas merecem destaque quanto às modificações, uma vez que o presente contexto analisa as principais mudanças, assim, as Tabelas 1, 2 e 3 abaixo, mostram as principais diferenciações:

"TABELA 1 – Atividades que podem ser terceirizadas

COMO ERA

Não havia uma lei específica. O que existia era uma interpretação do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que vedava a terceirização da atividade fim das empresas e permitia a contratação para atividades meio;

COMO FICOU

Liberação irrestrita da terceirização de todas as atividades, exceto as que possuem lei especial e própria, como domésticas, empresas de vigilância e transporte de valores." (Fonte: DIONIZIO, Heber. O que muda na Lei. In: Contabilizei: 2017, [online])

 

"TABELA 2 – Terceirização e direito do trabalho

COMO ERA

A empresa contratante era solidária as obrigações trabalhistas que eventualmente não fossem arcadas pela prestadora de serviço terceirizada. Ou seja, se o trabalhador acionasse a justiça por qualquer motivo, contratante e contratada respondiam igualmente à ação;

COMO FICOU

Pela nova lei de terceirização, a empresa contratante responde de forma subsidiária na justiça. O que equivale a dizer que, ambas as empresas continuam responsáveis por eventuais débitos trabalhistas, mas, primeiramente será feita a cobrança da terceirizada. E então, havendo impossibilidade de pagamento, a contratante será responsabilizada de forma subsidiária." (Fonte: DIONIZIO, Heber. O que muda na Lei. In: Contabilizei: 2017, [online])

 

"TABELA 3 – Capital Social Mínimo

COMO ERA

As empresas prestadoras de serviços a terceiros não tinham exigência de um capital social mínimo;

COMO FICOU

Agora é necessário que a empresa comprove um capital social mínimo conforme tabela abaixo. O valor do capital social da empresa determina o montante da responsabilidade dos sócios perante credores e terceiros, incluindo funcionários."

Capital social mínimo e número de funcionários:

-  Até 10 funcionários - R$10.000,00

-  De 11 a 20 funcionários - R$25.000,00

- De 21 a 50 funcionários - R$50.000,00

- De 51 a 100 funcionários - R$100.000,00

- Mais de 100 funcionários - R$250.000,00 (Fonte: DIONIZIO, Heber. O que muda na Lei. In: Contabilizei: 2017, [online])

 

Com as tabelas trazidas ao objeto de estudo, comprova-se que parte da Lei favorece empresários, de forma que exclui a solidariedade das empresas com relação a verbas trabalhistas, libera a contratação de qualquer tipo de prestação de serviços e delimita um capital mínimo para a instituição de uma empresa terceirizada.

A Lei recai mais sobre os empregadores do que aos empregados, o que fundamentadamente na CF/88 e CLT confrontam os principais direitos trabalhistas. A exclusão de qualquer atividade direta de uma empresa acarreta na precarização das profissões.

Além destes aspectos, não se pode deixar de fomentar que com relação ainda aos aspectos, segundo DIONIZIO (2017):

a)                 Ao vínculo de emprego antes da Lei 13.429/17, as tomadoras de serviços eram obrigadas a reter 4% do valor contratual para garantia de eventual pagamento das verbas trabalhistas;

b)                  Se houvesse substituição de empresa com permanência dos funcionários, estes não poderiam sofrer alteração salarial, mas com a liberação, os funcionários passam a ficar a desprotegidos de salários e verbas rescisórias.

c)                  Quanto ao vale-transporte e o vale-alimentação a nova lei é omissa, o que sugere que a empresa poderá pagar, e, se não fizer, não está obrigada a cumprir. Contudo a CF/88 veda o não fornecimento, mas sendo a lei omissa, as prestadoras de serviços terão “liberdade” para alegar que a lei não especifica, o que poderá gerar, conflito processual;

d)                 A livre filiação sindical em tese desprotege o trabalhador, pois pode ser que a prestadora de serviços, ao invés de filiar a sindicato específico da categoria, filiar-se-á a sindicatos gerais, o que acarreta dificuldade para reunir os reais direitos do trabalhador para discussão e garantia destes.

e)                  Quanto aos serviços especializados, a Lei também não faz menção ao assunto, o que pode acarretar fraude no desempenho da profissão.

f)                  As desvantagens se firmam na redução de empregados com CTPS assinada, queda do nível salarial, o que pode provocar precarização, pejotização (contratação de serviço pessoal de pessoa física, de modo subordinado, não eventual e oneroso), aumento de desemprego em razão do contrato temporário, substituição da mão-de-obra, não exigência de nível de escolaridade de gradação, possível conduta de se eximir do pagamento dos 40% do FGTS, permanência do funcionário na empresa sem aumento salarial significativo;

g)                 Uma das maiores ameaças é o aumento do desemprego, pois ao término do contrato, o funcionário deve aguardar um período para ter outro contrato terceirizado, e ainda por poder substituir tanto a prestadora quanto os funcionários por menor pagamento salarial.

Das características alegadas, cumpre dizer que enquanto o PL 4.302 estava em debate há anos acerca da terceirização, o Senado Federal também reconhecia a necessidade de revolucionar a Lei, porém o PLC 30/2015 previa equilíbrio e resguardo dos direitos trabalhistas e não confrontava os princípios constitucionais e os princípios internacionais de respeito à dignidade humana, ao trabalho digno e propagação da cidadania.

Como bem pontua DIONIZIO (2017),

"O retrato do terceirizado atual no Brasil, objeto de toda esta discussão, é o de: um trabalhador invisível, abstrato, sem identidade própria em seu ambiente laboral, sem plano de carreira, que não incorpora conhecimento técnico, que no quadro atual não tem condições de evoluir profissionalmente e materialmente." (DIONIZIO, 2017, [online])

Assim, diante de um Estado Democrático de Direito que tem por base a Função Social de harmonia e equilíbrio, ao invés de evoluir, retrocede a CF/88.

 

[1]Recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Ação civil pública. Possibilidade de terceirização e sua ilícitude. Controvérsia sobre a liberdade de terceirização. Fixação de parâmetros para a identificação do que representa atividade-fim. Possibilidade. 1. A proibição genérica de terceirização calcada em interpretação jurisprudencial do que seria atividade-fim pode interferir no direito fundamental de livre iniciativa, criando, em possível ofensa direta ao art. 5º, inciso II, da CRFB, obrigação não fundada em lei capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser mais eficiente. 2. A liberdade de contratar prevista no art. 5º, II, da CF é conciliável com a terceirização dos serviços para o atingimento do exercício-fim da empresa. 3. O thema decidendum, in casu, cinge-se à delimitação das hipóteses de terceirização de mão-de-obra diante do que se compreende por atividade-fim, matéria de índole constitucional, sob a ótica da liberdade de contratar, nos termos do art. 5º, inciso II, da CRFB. 4. Patente, assim, a repercussão geral do tema, diante da existência de milhares de contratos de terceirização de mão-de-obra em que subsistem dúvidas quanto à sua legalidade, o que poderia ensejar condenações expressivas por danos morais coletivos semelhantes àquela verificada nestes autos. 5. Diante do exposto, manifesto-me pela existência de Supremo Tribunal Federal - Manifestação sobre a Repercussão Geral - Inteiro Teor do Acórdão Página 4 de 9. (STF/JUSBRASIL, 2014, [online]. Disponível em:

<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/311629011/repercussao-geral-no-recurso-extraordinario-com-agravo-rg-are-713211-mg-minas-gerais/inteiro-teor-311629019?ref=juris-tabs>. Acesso em: 15 out. 2017

  • Terceirização Trabalhista
  • Lei 13.429/2017
  • Comentários acerca na lei n. 13.429/2017

Referências

________. Lei nº 13429 de 31/03/2017 - Publicado no DOU em 31 mar 2017. Alterações – In: Norma Legis. [s.d.]. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/lei-13429-2017.htm>. Acesso em: 22 out. 2017.

CORTEZ, Julpiano Chaves. Terceirização Trabalhista. São Paulo: LTr, 2015. 172 p.

DIONIZIO, Heber. Sancionado no último dia 31 de março pela Presidência da República, a Nova Lei da Terceirização (Lei 13.429/2017) permite que as empresas possam terceirizar sua mão de obra, incluindo aquelas consideradas atividade fim. In: Contabilizei, [201_]. Disponível em: <https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/lei-da-terceirizacao/>. Acesso em: 23 out. 2017.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. (coords.). Terceirização de Serviços e direitos sociais. São Paulo: LTr, 2017.


Carolina Botini Correspondente Jurídico/Paralegal

Bacharel em Direito - Santa Bárbara D'Oeste, SP


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