SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO


14/02/2024 às 18h29
Por Ayrton Filipe Pinheiro Oliveira

Resumo

 

Evidentemente um dos maiores e mais polêmicos temas atuais, quando citamos direito penal, é a prisão, seja quanto a necessidade, eficiência, capacidade, dentre outros. Este artigo tem o intuito de trazer dados e informações que provam que nosso sistema carcerário é ineficaz e faz com que pessoas que deveriam ser reabilitadas após cometer algum delito, saiam das celas muito piores do que entraram. Em outras palavras significa dizer que nosso sistema “prende muito e prende mal”, sem contar na morosidade que o judiciário dispõe. O que nos proporciona fazer uma análise sensata e simples ao perceber que o problema não está em punir, mas sim na forma de punir adquirida de outras culturas anteriores a nossa. Trazemos também a interpretação do sinônimo prisão com uma visão amplamente jurídica, afim de vasculhar qualquer debate aduzido pela sociedade atual.

 

Palavras-chave: Sistema Carcerário; Prisão; Processo Criminal; Código Penal Brasileiro;

 

 

Abstract

 

Evidently one of the biggest and most controversial current issues, when we mention criminal law, is prison, whether in terms of need, efficiency, capacity, among others. This article aims to bring data and information that prove that our prison system is ineffective and makes people who should be rehabilitated after committing a crime, leave the cells much worse than they entered. In other words, it means saying that our system “arrests a lot and arrests badly”, not to mention the slowness that the judiciary has. What allows us to make a sensible and simple analysis when realizing that the problem is not in punishing, but in the way of punishing acquired from other cultures before ours. We also bring the interpretation of the synonym prison with a broadly legal vision, in order to search any debate adduced by today's society.

 

Keywords: Prison system; Prison; Criminal process; Brazilian Penal Code;

 

1.     INTRODUÇÃO

 

Todos sabemos, que a prisão é o local utilizado pela administração pública para cercear a liberdade de um indivíduo, diante da prática (ou da suspeita de prática) de uma infração penal.

Não podemos discorrer sobre esse assunto tão relevante para o corpo social sem antes traduzir algumas controvérsias, ou seja, explicar a diferença entre as unidades prisionais que o Brasil comporta, o que torna viável o entendimento sobre onde o condenado irá cumprir a sua sentença.

Não podemos deixar de abordar também sobre qual o principal motivo da prisão de um indivíduo, ou seja, por que é necessário privar um ser humano de sua liberdade para que ele pague de alguma forma por ter cometido um ato infracional. Existem em nosso ordenamento jurídico várias teorias que explicam isso, dentre elas está a teoria comumente adotada pelos nossos atuais magistrados que é a teoria mista, unificadora, eclética e/ou unitária e sua dupla finalidade que entende sim que a pena deve ser vista como castigo e punição, mas também como prevenção, tanto para o infrator quanto para a sociedade segundo o disposto em nosso artigo 59, do Código Penal Brasileiro.

A prisão, em meados, poderá ser utilizada durante a investigação policial (temporária ou preventiva), durante a ação penal (preventiva) ou durante a execução penal (cumprimento de pena) e os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal, conforme o artigo 5º, da Lei de Execução Penal (LEP).

Os doutrinadores da área prevendo essas divisões, pré-estabeleceram regras e as fixaram na Lei 7.209/84, também conhecida com Lei de Execução Penal – LEP (que alterou os dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848/40, mais conhecido como Código Penal Brasileiro), colocando em seu artigo 33, alíneas “A”, “B” e “C” em quais tipos de estabelecimentos deveriam se cumprir cada regime.

 

2.     ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS

      I.          Da Cadeia Pública

Como preleciona nossos doutrinadores no capítulo VII, da LEP, a Cadeia Pública se destina ao recolhimento de presos provisórios e não ao cumprimento de pena definitiva, onde cada comarca deverá obter pelo menos 1 (uma) base e que esta deverá oferecer condições mínimas como dormitório, lavatório e aparelho sanitário, totalizando uma área mínima de 6,00 m² (seis metros quadrados).

Outra observação importante é que o estabelecimento deverá ser instalado próximo a um centro urbano.

 

    II.          Da Casa do Albergado

Segundo o artigo 93, do Capítulo IV, da LEP: “a Casa do Albergado estaria destinada ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto, e de pena de limitação de fim de semana”, ou seja, aqui fica o indivíduo então já condenado, recolhido somente no período noturno, nos sábados, domingos e feriados, podendo este retornar a sua casa durante o dia e ao seu trabalho caso o possua.

Este estabelecimento ficaria designado aos condenados em crimes de menor potencial ofensivo e os em progressão de regime, os quais possuem pena de até 04 (quatro) anos, não tendo assim qualquer tipo de vigilância direta, somente de fiscalização, uma vez que o condenado demonstra senso de autodisciplina e de responsabilidade.

O edifício também deverá conter condições salubres de higiene e situar-se próximo aos centros urbanos, além de local adequado para cursos e palestras, deverá estar separado dos demais estabelecimentos, caracterizado pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga.

Ponderadamente análogo ao fato é que ao ter sido condenado à pena de limitação de final de semana, a pessoa não poderá ser sujeitada  a permanecer em cadeia pública, (local destinado aos presos provisórios e, similar ao regime fechado), ou em qualquer outro estabelecimento penal que não seja a Casa de Albergado, sob pena de afronta aos artigos 48, do Código Penal, que diz que “a permanência obriga-se aos sábados e domingos durante 05 (cinco) horas diárias” e 93 da LEP, que determina que seja cumprida neste estabelecimento a limitação.

 

 III.          Da Colônia Agrícola, Industrial ou Similar

Já conforme a leitura do artigo 91, situado no capitulo III, da Lei de Execução Penal, a Colônia Agrícola, Industrial ou similares destina-se ao cumprimento de pena em regime semiaberto, isto é, crimes com penas superiores a 04 (quatro) anos e inferiores à 08 (oito) anos de detenção.

De acordo com o artigo, aqui o condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, implicando uma seleção adequada de presos, um limite de capacidade que os objetivos de individualização da pena atenda-os, pois, cada crime tem uma pena que também varia de acordo a personalidade do agente.

 

 IV.          Da Penitenciaria

As disposições sobre esse estabelecimento estão elencadas no Capítulo II, da LEP, mais precisamente no artigo 87 onde diz que: “A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado”, ou seja, a aquele condenado cuja a soma das suas penas sejam superiores a 08 (oito) anos, também descrito no artigo 33, § 2º, alínea “a”, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

Em seu paragrafo único, o artigo acresce ainda que além da “União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado”.

Lembrando que após a Lei 13.964/19 que aperfeiçoa a legislação penal e o processo penal, o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos, conforme o seu artigo 75, “caput” e art. 75, §1º.

Na sequência do artigo 88, da LEP em suas alíneas “A” e “B”, dispõe que o estabelecimento deverá oferecer condições mínimas como dormitório, lavatório e aparelho sanitário, também totalizando uma área mínima de 6,00 m² (seis metros quadrados).

As penitenciarias ainda são classificadas em segurança máxima ou média, ou seja, as Penitenciarias de Segurança Máxima estão os condenados integrantes de facções criminosas, condenados por crimes hediondos e/ou detentos cuja a sua própria segurança esteja em risco, reforçando que, segundo a Lei, os estabelecimentos devem dispor de celas individuais, já as Penitenciarias de Segurança Média devem suportar apenas presos comuns em celas coletivas.

No Brasil existem 05 (cinco) Penitenciarias de Segurança Máxima, sendo elas: Penitenciária Federal de Catanduvas, localizada no Paraná, inaugurada em 23 de junho 2006; Penitenciária Federal de Campo Grande - Mato Grosso do Sul, inaugurada em 21 de dezembro de 2006; Penitenciária Federal de Porto Velho - Rondônia, inaugurada em 19 de junho de 2009; Penitenciária Federal de Mossoró - Rio Grande do Norte, inaugurada dia 3 de julho de 2009 e a  Penitenciária Federal de Brasília - Distrito Federal, inaugurada em 2018.

Existe ainda a previsão da construção de mais uma Penitenciaria Federal de Segurança Máxima na cidade de Charqueadas - Rio Grande do Sul.

 

    V.          Dos Centros de Observação

Outro Estabelecimento Prisional pouco conhecido pela comunidade é o Centro de Observação, instituído pelo artigo 96, da LEP é destinado a exames gerais e criminológicos. O estabelecimento deverá ser instalado em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento penal, acrescendo ainda que exames poderão ser realizados pela Comissão Técnica de Classificação, na falta do Centro de Observação.

 

 VI.          Dos Hospitais de Custodia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP)

O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico contempla “os inimputáveis e semi imputáveis citados pelo artigo 26, § único, do Código Penal”, que são os que possuem doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, os menores de 18 (dezoito) anos e os embriagados que cometam crime proveniente de caso fortuito ou força maior, sendo assim, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato.

 

3.     UMA ANALISE JURÍDICA SOBRE AS POLITICAS APLICADAS

É sabido por todos que o nosso Sistema Carcerário possui diversas deficiências, o que infelizmente acaba impulsionando a disseminação de doenças e epidemias dentre a população carcerária, pois apesar da sua elegante distribuição e discriminação em nossa Lei de Execução Penal, Código Penal e Processo Penal, determinando como cada órgão deve funcionar dentro do estabelecimento, o método explicitamente na pratica não funciona.

Nosso obsoleto sistema tem sido alvo de grandes especialistas que o descrevem como uma verdadeira “Fabrica de Criminosos”, trazendo dados realmente assombrosos durante os anos.

O que acontece é que são criadas poucas unidades prisionais dentro dos Estados para os crimes em regimes mais brandos, transferindo essa responsabilidade para a União e abarrotando os estabelecimentos federais. Para se ter uma noção, há estados que nem se quer possuem Casa do Albergado, Colonias Agrícolas, dentre outros que poderiam desafogar o sistema.

Uma série de reportagens produzida pela Rede Globo em 2008, expos as más condições em que viviam presos nos grandes centros do Brasil, levando a ser criada uma CPI do sistema carcerário, porém em nada resultou.

Já em 2013 o Brasil foi condenado pela morte de 41 presos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o qual ordenou ao país que tomasse urgentemente medidas para reduzir a superlotação nos presídios locais.

No ano de 2016, Organização das Nações Unidas - ONU publicou um relatório criticando bravamente o sistema brasileiro e afirmando que aqui os detentos eram mantidos de forma “cruéis, desumanas e degradante”.

Há exatos 6 (seis) anos, no ano de 2017, o Brasil alcançou no ranking a terceira colocação como maior população carceraria do mundo, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), onde apontava que o sistema estaria suportando o dobro da sua capacidade, com gastos de mais de 20 (vinte) bilhões de reais por ano.

Uma série exibida em 2019 pelo programa “Profissão Repórter” da Rede Globo chamada "Os Olhos que Condenam no Brasil", mostrou casos reais onde pessoas são presas injustamente. Também foi lançada em 2019 a série documental "Em Nome da Justiça", de Ilana Casoy, no AXN que apresenta mais casos de presos injustamente.  A série passou a ser exibida na RecordTV, em janeiro de 2020. Em 26 de julho de 2020, o Fantástico lançou o "Projeto Inocência", apresentando mais casos de pessoas condenadas injustamente.

Outro enorme obstáculo que se produz é a dificuldade em ser reintegrados na sociedade após cumprirem suas penas. Uma reportagem do “Profissão Reporter”, da Rede Globo, mostrou em 2019 as dificuldades que os ex-detentos e presos em condicional possuem para se reestabelecerem, devido a visão distinta dos demais indivíduos por seu histórico prisional, fazendo com que estes retornem ao “mundo do crime”.

Atualmente em 2023, nosso sistema carcerário já conta com mais de 667,5 (seis milhões, seiscentos e sessenta e sete mil e quinhentos) pessoas condenadas em cumprimento de pena.

 

4.     CONSIDERAÇÕES FINAIS

A principal diferença entre os institutos e estabelecimentos prisionais do sistema carcerário brasileiro para cumprimento de penas ou mesmo para preservação da ordem pública, está na quantidade de pena que o condenado recebe, entretanto, devido à grande atulhado número de detentos no Brasil hoje, o sistema acaba superlotado, fazendo com que ambos os institutos aceitem detentos de todos os regimes.

Segundo o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, um dos fundadores do Instituto Direito de Defesa (IDDD) e conselheiro da Human Rights Watch e da Ong Innocence Project Brasil:

“ O ponto número um é que o Brasil prende muito e prende mal. O ponto dois é que temos um número elevadíssimo de presos provisórios que são aqueles preso que não tiveram condenação. Cerca de 35% dos presos do sistema prisional é formada por pessoas que não foram condenadas ainda.

(...)

Qual a necessidade de deixar pressas pessoas que ainda não foram condenadas? É preciso analisar caso a caso. Você também tem a questão de termos uma mentalidade punitivista grave no Brasil de achar que a resposta para o aumento da criminalidade se dá apenas por prisão e não por penas alternativas.

(...)

Essa é uma questão de mentalidade mesmo do legislador, da opinião pública e muitas vezes do sistema judiciário de que essa é a única solução. E não é. Existem soluções mais baratas e eficazes para combater e se punir crimes.”

Noutra entrevista, a Juíza Débora Zanini autora do livro Regime Fechado - A História do Cárcere, também expressa a sua opinião a revista Aventuras na História:

“(...) O maior desafio do sistema carcerário é conseguir, além da punição, a ressocialização do detento (...) [Em casos de crimes hediondos] Temos que ter a visão clara de que a vítima é sempre a vítima e o agressor é e sempre será o agressor.”

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Referências

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ROXIN, Claus. Derecho penal, parte general. Madrid: Civitas, 1997. tomo I, p. 91.

DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal, Parte Geral. Curitiba: Ed. Lumen Juris, 2008, p. 470.

 

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Decreto/Lei 2.848/40. (Código Penal Brasileiro). 17/03/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

 

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GEARINI, Vitoria. "O MAIOR DESAFIO DO SISTEMA CARCERÁRIO É CONSEGUIR, ALÉM DA PUNIÇÃO, A RESSOCIALIZAÇÃO DO DETENTO", DISSE A JUÍZA DÉBORA ZANINI. 18/03/2023. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/vitrine/historia-entrevista-regime-fechado-livro.phtml


Ayrton Filipe Pinheiro Oliveira

Bacharel em Direito - Teófilo Otoni, MG


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