O abuso de poder político é aquele cometido por agente público capaz de alterar os resultados do pleito eleitoral. Utilizando-se de seu poder perante a Administração Pública, esse desvirtua a opinião dos eleitores com a finalidade de beneficiar a terceiro ou a si próprio no procedimento eletivo.
É primordial esclarecer que a atual situação política nacional é conhecida por seu alto nível de corrupção e descrédito perante a sociedade. Em todos os noticiários são encontradas manchetes sobre o descaso com o decoro requerido por agentes públicos em suas ações. É sabido que fraudes contra o poder público e o uso da máquina administrativa em favor de interesses próprios acontecem, na maioria das vezes, em benefício de grandes oligarquias políticas.
Da mesma maneira, não seria diferente no que tange ao período eleitoral. José Jairo Gomes é enfático ao alertar que “no Brasil, é público e notório que agentes públicos se valem de suas posições para beneficiar candidaturas”[1].
Seguindo essa linha de pensamento Caramuru Afonso Francisco comenta sobre a situação política no Brasil e alega que “sempre foi uma triste tradição em nossa história a apropriação do cargo em proveito do seu detentor, levando por inafastável conseqüência, à utilização do cargo para fim de perpetuar o grupo governante no poder”.[2]
A propósito Edson Resende de Castro, afirma que a atual conjuntura política no Brasil é comumente conhecida por práticas administrativas voltadas para o interesse de outros, e não o do próprio povo:
Sempre foi prática corriqueira o uso da “máquina administrativa” em prol de candidatos que têm a simpatia do Administrador. [...]. Para isso, as obras públicas se avolumam, não param as inaugurações e as campanhas publicitárias são intensificadas, sempre associando-se os benefícios levados ao povo com o Administrador de então. Esses atos de governo/administração, em outras ocasiões até entendidos lícitos, podem caracterizar abuso do poder político, porque assumem finalidade eleitoreira.[3]
Ao explicar as origens do abuso de poder político, José Jairo Gomes explana utilizando-se dos ensinamentos de Mazzilli, o fato de que nem sempre os anseios públicos se entrelaçam aos do Estado:
Nota-se, todavia, que o interesse público nem sempre coincide com o do Estado, como pessoa jurídica. Embora essas duas categorias possam aparecer reunidas em muitos casos, é preciso separá-las, sobretudo porque às vezes entram em conflito. Conforme sublinha Mazzilli (2002:42), nem sempre os governantes fazem o melhor para a coletividade: políticas econômicas ruinosas, guerras, desastres fiscais, decisões equivocadas, malbaratamento de recursos públicos e outras tantas ações daninhas não raro contrapõem governantes e governados, Estado, sociedade e indivíduos.[4]
Seguindo esse pensamento, o autor supracitado ressalta que a máquina administrativa em hipótese alguma deve ser utilizada de modo a privilegiar candidaturas. Tal ato prejudicaria o processo eleitoral de forma a desequilibrá-lo diante da não observância do princípio da igualdade. Como visto, este princípio deve se fazer presente nas campanhas eleitorais dos candidatos concorrentes ao pleito:
É intuitivo que a máquina administrativa não pode ser colocada a serviço de candidaturas no processo eleitoral, já que isso desvirtuaria completamente a ação estatal, além de desequilibrar o pleito – ferindo de morte a isonomia que deve permear as campanhas e imperar entre os candidatos – e fustigar o princípio republicano, que repudia tratamento privilegiado a pessoas ou classes sociais.[5]
Por sua vez, do eminente Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Luiz Carlos Lopes Madeira no Agravo Regimental em Recurso Ordinária nº 718, ao tratar sobre o abuso de poder político, colhe-se que “o abuso de autoridade é condenável por afetar a legitimidade e normalidade dos pleitos e, também, por violar o princípio da isonomia entre os concorrentes, amplamente assegurados na Constituição da República”[6]
Assim, é necessário rejeitar toda e qualquer violação ao processo eleitoral, coibindo os abusos e excessos de poder e conseqüentemente resguardando a isonomia entre os candidatos.
Dos legitimados a incorrer em abuso de poder político
O abuso de poder político, se faz importante esclarecer, é cometido pelos “detentores de cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional”[7], na opinião de Emerson Garcia. Para melhor compreensão do tema, é necessário estabelecer o conceito de agentes públicos, pois são eles os sujeitos basilares neste tipo de abuso.
Do ponto de vista de José dos Santos Carvalho Filho os Agentes Públicos são “todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função pública como prepostos do Estado. São integrantes dos órgãos públicos, cuja vontade é imputada à pessoa jurídica.”[8]
Retira-se ainda da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello que os Agentes Públicos “servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o faça apenas ocasional ou episodicamente.”[9]
Feitos esses apontamentos, é indispensável para a continuidade deste estudo tecer breves comentários sobre as espécies de abuso de poder, os quais são o excesso de poder e o abuso de finalidade.
O excesso de poder
O abuso de poder em decorrência do excesso de poder baseia-se essencialmente na ilegalidade do ato praticado pelo agente público, neste caso, operando além do perímetro legal.
Assim José dos Santos Carvalho Filho ao tratar sobre o excesso de poder, elucida:
É a forma de abuso própria da atuação do agente fora dos limites de sua competência administrativa. Nesse caso, ou o agente invade atribuições cometidas a outro agente, ou se arroga o exercício de atividades que a lei não lhe conferiu.[10]
No mesmo sentido, o doutrinador Hely Lopes Meirelles preceitua que, neste caso de abuso, o administrador público exercita seu poder fora dos ditames da lei, invadindo a competência legal de outrem:
O excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas. Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. É uma forma de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade [...].[11]
Além disso, é importante salientar que, para Caramuru Afonso Francisco, o excesso de poder também pode ser denominado como abuso de poder político, pois é “a ação ou omissão que é realizada por uma autoridade e cuja prática infringe proibição prevista em lei.”[12]
Prosseguindo, o autor supracitado completa que nesse tipo de abuso as ações feitas pelos agentes públicos são orientadas além de sua competência legal. Traduzido geralmente em benefícios a um concorrente em um cargo da administração pública ou até mesmo a um partido político, cujo proveito resultará em vantagens nas eleições:
Vê-se, portanto, que o abuso do poder político é o exercício da autoridade fora dos limites traçados pela legislação eleitoral, limites estes que fazem exsurgir uma presunção jure et de jure de que o exercício do poder estará influenciando indevidamente o processo eleitoral, estará fazendo com que a Administração Pública esteja sendo direcionada para o benefício de candidato ou de partido político.[13]
Por conseguinte, o abuso de poder político ou excesso de poder implica em grandes mazelas ao pleito eleitoral. O agente público utiliza-se de sua posição na administração pública para usurpar limites estabelecidos pela lei, prejudicando o bom andamento das eleições.
O desvio de finalidade
Outra modalidade de Abuso de Poder é no que tange ao desvio de finalidade, o qual ocorre comumente ao longo do período eleitoral. Este desvio acontece quando o Agente Público, detentor de poderes estabelecidos pela Administração, utiliza-os para fins diversos que não os estabelecidos pela lei, indo de encontro aos interesses da sociedade.
Ao tratar sobre o assunto José dos Santos Carvalho Filho leciona que a lei está posta de modo a trazer benefícios a toda coletividade. Todavia quando o Agente Público emprega seu poder para desviar suas ações dos interesses que a lei previu, ocorre o abuso de poder político:
[...]. O desvio de poder é a modalidade de abuso em que o agente busca alcançar fim diverso daquele que a lei lhe permitiu, como bem assinala LAUBADÈRE. A finalidade da lei está sempre voltada para o interesse público. Se o agente atua em descompasso com esse fim, desvia-se de seu poder e pratica, assim, conduta ilegítima. Por isso é que tal vício é também denominado de desvio de finalidade, denominação aliás, adotada na lei que disciplina a ação popular (Lei nº 4.717, de 29/6/1965, art. 2º, parágrafo único, e).[14]
Ainda sobre o desvio de finalidade, Celso Antônio Bandeira de Mello, declara ser esse desvio “um vício particularmente censurável, já que se traduz em comportamento soez, insidioso. A autoridade atua embuçada em pretenso interesse público, ocultando dessarte seu malicioso desígnio.”[15]
Em síntese o ato praticado pelo agente público, onde ocorra o desvio de finalidade no Direito Eleitoral, geralmente tem por característica estar revestido de legalidade. Entretanto seu escopo encontra-se em beneficiar candidato ou partido mediante a posição privilegiada em que se encontra o agente, maculando assim, a lisura do pleito eleitoral.
Confirmando esse entendimento Hely Lopes Meirelles leciona que o “ato praticado com desvio de finalidade – como todo ato ilícito ou imoral – ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do interesse público.”[16]
O referido autor ainda trata o desvio de finalidade como desvio de poder, lecionando sobre o tema da seguinte forma:
O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal.[17]
Dando seqüência, o doutrinador Caramuru Afonso Francisco ao analisar o desvio de finalidade no âmbito eleitoral exemplifica de forma clara:
[...] o “desvio de poder de autoridade” será toda ação ou atitude tomada por um agente público que tenha como finalidade não o cumprimento dos programas, planos e decisões políticas tomadas e que devam ser levadas a efeito pela autoridade, mas tão-somente o benefício de candidato ou de partido político.[18]
Conseqüentemente torna-se imperioso para o bom andamento do pleito eleitoral coibir todas as condutas que desvirtuem a finalidade das eleições. Vislumbrada pelo autor supracitado, tal situação permite a anulação dos votos obtidos a partir do desvio de finalidade, conforme se desprende o texto do art. 222 do Código Eleitoral:
Havendo demonstração de que atos dos agentes públicos foram tomados com o fim de beneficiar candidato ou partido político e este ato causou prejuízos tais que levaram a alterar o resultado da votação, ter-se-á hipótese de anulação da votação, nos exatos termos do art. 222do Código Eleitoral.[19]
Na visão de Caramuru Afonso Francisco, nesses casos é preciso demonstrar que o ato, com desvios de finalidade, cometido pelo administrador público tenha sido essencial para deturpar a normalidade das eleições levando a alteração do resultado no pleito eleitoral:
Faz-se necessário, pois, que, além da demonstração de que o ato tenha sido praticado com desvio de finalidade, que também se comprove que a prática deste ato ou atos tenha sido decisiva para a obtenção do resultado que se apurou nas urnas.[20]
A configuração do abuso de poder político
Cabe esclarecer que o abuso de poder político pode assumir diversas formas, por isso ao escrever sobre o assunto, o legislador preferiu não constituir o abuso de poder em um rol taxativo. Dessa forma, José Jairo Gomes assevera que “para efeitos de configuração de abuso de poder político, o rol legal não é numerus calusus, mas meramente exemplificativo.”[21]
E do Tribunal Superior Eleitoral, retira-se da relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros no Recurso Especial Eleitoral nº 25.074 que “caracteriza-se o abuso de poder quando demonstrado que o ato da Administração, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato.”[22]
Segundo Antônio Carlos Mendes, o agente público ao utilizar de seu cargo para angariar vantagens, busca deturpar a vontade do eleitor cometendo o abuso de poder político:
[...]. Ocorre quando o detentor do poder, o mandatário, vale-se de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, prejudicando a liberdade de voto. Defini-se dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.[23]
Utilizando-se da mesma argumentação, Emerson Garcia leciona que o abuso de poder político ocorre quando o agente público utiliza de seu poder para benefício próprio ou em prol de terceiro. Obtendo assim vantagens no processo eletivo por meio de violações dos princípios constitucionais, os quais norteiam o “Estado Social”:
[...]. Pode-se dizer que o administrador público que não direciona seu obrar para o interesse público, mas sim em benefício próprio ou alheio, visando o pleito que se aproxima, incorre em flagrante violação a toda ordem de princípios estabelecidos na Constituição da República, os quais erigem-se como consectários lógicos e razão de ser do próprio Estado Social e Democrático de Direito.[24]
Prosseguindo, Hely Lopes Meirelles ensina que o uso do poder pelo agente público deve ser usado não apenas dentro dos parâmetros da lei, mas também ser pautado segundo a moral e a finalidade dos atos que abrangem a instituição a qual o agente público está vinculado. Pois mesmo seus atos sendo revestidos de legalidade, sua não utilização para o interesse público acarretará em abuso de poder ou abuso de autoridade:
O uso do poder é prerrogativa da autoridade. Mas o poder há que ser usado normalmente, sem abuso. Usar normalmente do poder é empregá-lo segundo as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público. [...] O gênero abuso de poder ou abuso de autoridade reparte-se em duas espécies bem caracterizadas: o excesso de poder e o desvio de finalidade.[25]
Ademais, Emerson Garcia discorre em sua obra sobre a configuração do abuso de poder político da seguinte maneira:
Ocorrerá abuso de poder quando a autoridade, ao praticar o ato, extrapolar de sua competência legal, bem como quando contornar dissimuladamente as limitações da lei, apossando-se de poderes que não lhe são atribuídos por esta. Estará presente o desvio de finalidade ou de poder quando a autoridade atua nos limites de sua competência, mas pratica o ato embasada em motivos ou com fins diversos dos previstos na norma e exigidos pelo interesse público.[26]
Em síntese, o autor conclui que “desrespeitando o Administrador Público os princípios que norteiam seu obrar, em detrimento da normalidade e legitimidade do procedimento eletivo, será flagrante o abuso do poder político”[27].
Em frente, ele alerta sobre o teor do art. 14, § 5º da Constituição Federal, o qual garante o direito à reeleição dos detentores de cargo no Poder Executivo:
[...] hipótese provavelmente muito comum será a indevida utilização da máquina administrativa em benefício daquele que pleiteia a reeleição. Neste caso, estar-se-á diante de conduta que, a depender da potencialidade, pode configurar abuso do poder político apto a influir sobre o resultado do pleito, o qual deve ser coibido.[28]
Ao encontro dessa tese, Eduardo Fortunato Bim destaca que com a reeleição “a construção de obras no último ano do mandato, a manipulação das receitas orçamentárias são apenas alguns meios de se abusar do poder político porque – repetimos – o abuso de poder pode assumir inúmeras formas”.[29]
Decerto destacam-se as condutas contidas nos incisos I a IV e na conduta do inciso VI do art. 73, da Lei 9.504/97 quais sejam:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;
III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
[...].
VI - nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;
b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo.[30]
Eduardo Fortunato Bim, em uma abordagem mais audaciosa sobre o assunto, ilustra a questão do abuso de poder político no Brasil. Faz inclusive menção ao uso da máquina administrativa por parte de agentes públicos em detrimento da obtenção de vantagens no pleito eleitoral. Destaca ainda o instituto da reeleição como agravante da utilização do abuso de poder político nas eleições:
É o famoso uso da máquina administrativa. É a apropriação do Estado por grupos privados, que o utilizam para prejudicar concorrentes e agraciar apadrinhados políticos. Os governantes usam o próprio Estado para apoiarem seus candidatos; agora, com a emenda que permite reeleição, sua coibição é o grande desafio na área da repressão ao abuso do poder.[31]
Adiante, configurando o abuso de poder político, o autor determina que “normalmente, exterioriza-se por meio de inúmeras inaugurações de obras públicas e o principal problema para combatê-lo não está na legislação, mas sim na falta de ética que impera na política nacional”[32]. Conforme sobredito, o abuso de poder atua geralmente dentro da esfera da legalidade, porém com um componente: a ausência de ética, o qual abrange os atos do agente público na consecução da vantagem eleitoral.
Novamente com grande autoridade, Eduardo Fortunato Bim, referenciando Fávila Ribeiro exemplifica:
A propaganda política cavalga no dorso das celebrações oficiais de obras concentradas, com as publicações que as acompanham, envolvendo-se, assim, a máquina estatal na campanha sucessória, tornando-se grosseira a dissimulação feita, por deixar revelada a presunção de ingenuidade ou da complacência a que não se perceba a forma ousada e contundente do abuso de poder que fica assim exuberantemente comprovado.[33]
Por conseguinte, conclui-se que o abuso de poder político apresenta-se nas mais diversas formas. Assim, preferiu o legislador não taxar todas as atividades em que o abuso de poder se faz presente, deixando a cargo dos operadores do direito a identificação de novas formas de abuso, com o fim de coibir qualquer tipo de importuno ao processo eleitoral.
Comprovação do abuso de poder político
Ao tratar da comprovação do abuso de poder político é possível alegar a grande dificuldade encontrada pelo operador do direito. Como dito, na maioria das vezes os atos dos agentes públicos são revestidos de inteira legalidade, mas sua intenção é desvirtuada para o benefício que não os previstos na lei.
Ao comentar sobre o tema Ricardo Rodrigues preceitua:
A comprovação de manipulação da máquina administrativa com fins eleitorais, por sua vez, constituiu um problema bem mais complexo. Não há provas flagrantes e, mesmo quando estas existem, elas, na maioria das vezes, beira o universo do intangível.[34]
Concluindo este raciocínio, Ricardo Rodrigues apresenta outro tipo de abuso de poder político no âmbito eleitoral. O administrador público pode utilizar-se de seu poder para iniciar obras num período próximo as eleições. Por sua vez, gerada maior visibilidade perante a população, torna desleal a concorrência com os candidatos ao pleito:
A prática da manipulação do calendário de obras para fins eleitorais constitui abuso de poder econômico e de autoridade, além de flagrante deslealdade eleitoral que reduz a suposta igualdade dos candidatos perante a decisão das urnas.[35]
Exemplos de condutas configuradoras de abuso do poder político
O abuso de poder político no âmbito eleitoral assume inúmeras formas, portanto não poderiam ser arroladas na sua totalidade pelo legislador. Assim este procurou listar as condutas que configuram abuso de poder político de forma exemplificativa, deixando aos operadores do direito a possibilidade de tomarem medidas contra outras condutas que por ventura não foram tipificadas:
Assim com o intuito de delinear algumas das condutas abusivas de poder político, retiram-se da obra de Emerson Garcia alguns exemplos:
a) Violação ao princípio da impessoalidade dos atos da Administração Pública (art. 37, § 1º, da CR/88 e art. 74 da Lei nº 9.504/97);
b) prática de atos que importem em improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92);
c) contratação de eventos artísticos pagos com recursos públicos para realização de inaugurações nos três meses que antecederem as eleições (art. 75 da Lei nº 9.504/97);
d) violação ao disposto no art. 73 da Lei nº 9.504/97, com prática das condutas a seguir elencadas:
I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram.
III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;[36]
Em adição, retira-se do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina o Acórdão nº 15.544, o qual se refere a inaugurações de obras e entrega de bens, entre outros, caracterizando o abuso de poder político:
Abuso de poder político - eleição de 1998 - atos administrativos (inauguração de obras, entrega de viaturas e outros) seguidos de comício, com presença do governador do estado, candidato a reeleição, nos três meses anteriores ao pleito - agenda governamental não impugnada - conjunto de atos vedados pela lei eleitoral potencialmente hábeis a afetar a normalidade e legitimidade da disputa - configuração do abuso de poder político ou de autoridade - inelegibilidade decretada pelo prazo de três anos, contado do trânsito em julgado da decisão - lc n. 64/90, artigos 22, xiv, 1, i, d e 23; lei n. 9.504/97, art. 77 ação procedente em parte. [37]
Em seguida o relator do referido acórdão conclui que se o chefe do executivo estiver presente em inaugurações de obras, estando esses eventos compreendidos no período de três meses antecedentes ao pleito eleitoral, caracteriza-se abuso de poder político mesmo o agente público não discursando em palanque:
Desde que presente, mesmo sem discursar ou subir em palanque, a atos de inauguração de obra pública, no interregno de três meses que precedem o pleito, o agente público, candidato a reeleição incide na vedação legal prevista no art. 77 da lei n. 9.504/97. Inviável a sanção cominada de cassação de registro, por haver o julgamento da ije ultrapassado a eleição, a infração a norma, pela repercussão que se reveste, caracteriza abuso de poder político (lc 64/90, art. 22).
"o chefe do executivo, em qualquer de seus níveis, e, ele próprio, um palanque ambulante, sempre seguido, sempre acompanhado pela mídia". "seus atos repercutem na vida dos eleitores". "no momento em que alguém pratica o ato administrativo, ainda que de forma legal, para dele tirar conseqüências de caráter eleitoral, estará ele caminhando para a pratica do abuso perseguido" (Alberto Rollo e Enir Braga, in"comentários a lei eleitoral n. 9.504/97").
"a maior ou menor ocorrência de casos de abuso do poder político pode levar a um maior ou menor grau de comprometimento da legitimidade dos pleitos eleitorais. O ideal e que as eleições proporcionem iguais oportunidades de sucesso a todos os postulantes de maneira a que vença aquele que efetivamente merecer a preferência do corpo eleitoral, manifestada de maneira livre, sem qualquer forma de vicio de vontade" ("direito eleitoral", Adilson Abreu Dallari, ed. Del Rey, p. 239/240). [38]
Como visto, apesar da amplitude de situações positivadas nas normas eleitorais, a lei permitiu brechas para que os operadores do direito criem novas modalidades de abuso de poder político, que por ventura possam não estar tipificadas na lei. Dessa forma, a legislação ao tratar do tema preferiu criar situações genéricas para que novos tipos de abusos sejam coibidos, tomando sempre como norte a lisura do pleito eleitoral.