O home-office como instrumento de gestão na atividade jurídica.


25/04/2024 às 11h52
Por Alexandre Rocha Pintal

Ninguém discorda que a pandemia acabou acelerando um processo consideravelmente atrasado no Brasil --- o do trabalho remoto. E que o home-office se encontra restrito aos cargos cuja presença do profissional seja desnecessária ou não essencial. Todavia, desde a virtualização do mundo do trabalho e, especialmente a dos processos judiciais, as profissões jurídicas acabaram inevitavelmente figurando entre as mais assimiláves pela modalidade não presencial de labor. 

Milhares de trabalhadores se adaptaram bem ao sistema, inclusive aumentando a produtividade pela economia de tempo no trânsito e de distrações com assuntos paralelos. Até a redução de conflitos emocionais indesejados pôde ser detectada na interação de funcionários por escrito. A flexibilidade e autonomia do home-office também propiciou melhoria no convívio familiar, notadamente de pais com filhos pequenos. 

É claro que alguns profissionais não se sentiram confortáveis no ofício virtual. Parte deles devido a uma personalidade ainda muito focada na relação pessoal como parte integrante do contexto laborativo, o que convenhamos só se faz possível nas repartições e escritórios menores, ou atividades consultivas. Também onde subsistem gestões que, independentemente do mais complexo porte institucional e potencialidade laborativa virtual, ainda sofrem de anacrônico preconceito, insistindo na receita presencial. 

É claro que aspectos psicológicos emergem em todo sistema de gestão, pública ou privada. Um chefe seguro de si e de atuacão mais equilibrada, que tenha conquistado o respeito não apenas pela posição hierárquica, terá facilidade para instituir um sistema de cumprimento de metas a distância. É preciso refletir se a insegurança de um gestor sobre o trabalho remoto de subordinados não representa na verdade uma "falsa confiança" no trabalho presencial, apenas porque ausente um mecanismo de supervisão de metas de desempenho. 

Ninguém se importa (ou deveria se importar) com oscilações da produção unitária de cada integrante de um grupo, dentro de uma média bem traçada no histórico institucional. A atuação processual na advocacia, por exemplo, contempla variáveis que escapam a uma previsibilidade absoluta de rotinas e tempo de atuação. O âmbito de discricionariedade nas opções técnicas de algumas situações específicas também deve ser respeitado, salvo se houver diretriz prévia sobre linha de atuação. Certo é que os pontos "muito fora da curva" podem ser detectados e resolvidos a partir da transparência online das rotinas de cada advogado ou procurador. 

Aliás, divisam-se duas opções gerenciais no particular: uma justamente conferindo transparência total à produção de cada integrante de equipe. Isto serve de parâmetro de supervisão, mas também para um saudável "auto-controle" de cada um pelas tarefas e prioridades por resolver. Outra opção administrativa, mais tradicional e ainda paradoxalmente reinante no mundo da advocacia pública e corporativa, controla a produção unitária de modo mais superficial, privilegiando o sigilo da performance individual quantitativa e qualitativa. Embora a prática permita preservar gerências de críticas (geralmente protagonizadas por quem produz pouco ou se encontra indevidamente privilegiado por distribuição anti-isonômica de processos), constitui a receita ideal para a debandada dos melhores profissionais e manutenção dos péssimos.

Particularmente na advocacia contenciosa, a preferência por determinadas matérias ou áreas afins merece a atenção do gestor, pois embora a especialização acadêmica ou a experiência prática possam ser levadas em conta como critério estratégico na distribuição dos feitos, não deve se convolar em desestímulo ao enfrentamento de novas teses que requerem estudo e portanto planejamento antecipado do tempo para a execução do prazo. 

Certo é que a emissão de relatórios, medidas corretivas e fluxos gerenciais acabam facilitados pelo home-office, justamente devido ao registro escrito dos prazos e diligências por cumprir e cumpridos, colaborando à eficiência dos serviços. 

Uma percepção assimétrica e livre da prática do home-office pode inclusive significar uma receita de sucesso adaptável à personalidade de cada integrante do departamento jurídico, colaborando a ampliação de serviços executados sem recurso à contratação, desde que combinada à transparência total mencionada. 

Na área consultiva, o home-office também pode ser utilizado com boa margem de resolutividade, desde que a cultura gerencial dos setores que interagem com o jurídico esteja consolidada em reuniões e uso de aplicativos de mensagem e arquivamento online.  

Inevitavelmente, um setor administrativo de suporte localmente atuante deverá secundar a atividade da representação judicial, atentando para que seus cronogramas de cobrança de documentos, recibos, pagamentos e peças de informação, considerem o tempo necessário à confecção das petições pelos advogados e procuradores, encaminhando-lhes as respostas com antecedência. O home-office destes setores de apoio logístico também se perfaz possível, mas uma avaliação minuciosa da rotatividade entre o labor presencial e virtual terá que tomar corpo. 

A análise da manutenção de uma identidade coletiva institucional também deve pautar a decisão gerencial sobre a abrangência do trabalho virtual, parecendo razoável concluir que a advocacia pública, menos pessoal do que a exercida na iniciativa privada (compromissada com clientes), naturalmente alcance maiores índices de trabalho virtual.

A atividade administrativa e jurídica exercida no Poder Judiciário, por sua vez, devido ao atendimento obrigatório pessoal ao usuário do serviço público, também acaba tendo que rotacionar escalas de trabalho presencial e virtual, portanto sem livre opção ao trabalhador. 

Certo é que, se bem aplicado como instrumento de gestão, o home-office propicia um aumento de produtividade, gera economia de energia, otimização no uso de equipamentos do posto, bem estar psicológico aos adaptados, e até uma maior tranquilidade para quem prefere ou precisa atuar localmente, sem audiências e discussões que não lhes dizem respeito. 

Ao fim e a cabo, o trabalho remoto desmistifica preconceitos arraigados sobre as modalidades intelectuais de labor humano, que nunca dependeram da presença física. 

_____

*O autor é advogado da Fundacão Estatal de Saúde de Curitiba, inscrito na OAB/PR sob o n.º 42.250, associado internacional da American Bar Association, tradutor e articulista de sites e revistas especializados.
 
 

  • Home-office,trabalho virtual,trabalho remoto,traba

Alexandre Rocha Pintal

Advogado - Curitiba, PR


Comentários