APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA URBANA E A TESE DO TEMPO RURAL REMOTO


04/05/2018 às 17h34
Por Alessandra Mancasz

O art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, com redação conferida pela lei 11.718/08, criou a figura da aposentadoria mista ou híbrida, pela qual é possível computar períodos de atividade urbana e rural, para fins de completar a carência da aposentadoria por idade.

 

A aposentadoria híbrida pode ser subdividida em:

 

  • aposentadoria por idade rural híbrida – quando a atividade desempenhada no momento do implemento dos requisitos ou do requerimento administrativo é a rural. ​

 

  • aposentadoria por idade urbana híbrida – quando a atividade desempenhada no momento do implemento dos requisitos ou do requerimento administrativo é a urbana.

 

No primeiro caso, quando a última atividade desempenhada é de natureza rural, o próprio INSS (na via administrativa) reconhece o direito a tal benefício. Sendo assim, é possível a soma de tempo urbano passado ou intercalado ao tempo rural, desde que com o aumento do requisito etário para 60 anos se mulher e 65 anos se homem.

 

Ocorre que a segunda situação (onde a última atividade é urbana) é mais comum tendo em vista o êxodo rural ocorrido na segunda metade do século XX. Nesta situação, pretende-se a utilização de tempo rural passado ou intercalado para somar com a atividade urbana posterior, exigindo-se o mesmo requisito etário de 60 anos se mulher e 65 anos se homem.

 

Após tal inovação legislativa, passou-se a questionar se a regra seria aplicável, também, aos segurados urbanos.

 

O problema reside no fato de que o artigo de lei menciona que o benefício será devido aos trabalhadores rurais que possuam contribuições em outras categorias de segurado. Vejamos:

 

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

 

1oOs limites fixados no caputsão reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.

 

3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1odeste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (grifo nosso)[1]

 

Para ser considerado trabalhador rural, é necessário possuir tal qualidade, ou seja, não se afastar da sua atividade senão por período máximo de 120 dias a cada ano.

 

O STJ, em decisões reiteradas, entendeu que tal benefício também é devido ao trabalhador urbano, em atendimento aos princípios da isonomia, equivalência e uniformidade dos benefícios, que estão consolidados na Constituição Federal de 1988.

 

No âmbito dos Juizados Especiais Federais do Paraná foi aventada a tese de que embora fosse possível a figura da Aposentadoria Híbrida Urbana, a atividade rural exercida anterior a 1991 não poderia computar para fins de carência.

 

Mais uma vez, o Superior Tribunal de Justiça (em decisões reiteradas), bem como a Turma Nacional de Uniformização (Tema Representativo de Controvérsia 131) já firmaram entendimento no sentido de que não há óbice legal para tanto. Tanto é que o próprio INSS, no Memorando-Circular Conjunto DIRBEN/PFE/INSS nº 01 de 04 de janeiro de 2018, passou a reconhecer tal possibilidade.

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA HÍBRIDA POR IDADE. ART. 48, § 3º, DA LEI N. 8213/91. EXEGESE. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO QUE ANTECEDE O REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 8.213/91 PARA FINS DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE. 1. A Lei 11.718/2008, ao alterar o art. 48 da Lei 8.213/91, conferiu ao segurado o direito à aposentadoria híbrida por idade, possibilitando que, na apuração do tempo de serviço, seja realizada a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano. 2. Para fins do aludido benefício, em que é considerado no cálculo tanto o tempo de serviço urbano quanto o de serviço rural, é irrelevante a natureza do trabalho exercido no momento anterior ao requerimento da aposentadoria. 3. O tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei n. 8.213/91 pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições. 4. O cálculo do benefício ocorrerá na forma do disposto no inciso II do caput do art. 29 da Lei n. 8.213/91, sendo que, nas competências em que foi exercido o labor rurícola sem o recolhimento de contribuições, o valor a integrar o período básico de cálculo – PBC será o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. 5. A idade mínima para essa modalidade de benefício é a mesma exigida para a aposentadoria do trabalhador urbano, ou seja, 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher, portanto, sem a redução de 5 anos a que faria jus o trabalhador exclusivamente rurícola. 6. Recurso especial improvido. (REsp 1476383/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 08/10/2015). (Grifo nosso)[2]

 

Tema 131 da TNU – Tese Firmada: Para a concessão da aposentadoria por idade híbrida ou mista, na forma do art. 48, § 3º, da Lei n. 8.213/91, cujo requisito etário é o mesmo exigido para a aposentadoria por idade urbana, é irrelevante a natureza rural ou urbana da atividade exercida pelo segurado no período imediatamente anterior à implementação do requisito etário ou ao requerimento do benefício. Ainda, não há vedação para que o tempo rural anterior à Lei 8.213/91 seja considerado para efeito de carência, mesmo que não verificado o recolhimento das respectivas contribuições. ” (24/11/2016). (PEDILEF 5009416-32.2013.4.04.7200/ SC) – Tema 131. (Grifo nosso)[3]

 

Desta forma, restaria superado o impasse para o Reconhecimento da Aposentadoria por Idade Hibrida Urbana.

 

Ocorre que no âmbito do tribunal da 4º região foi suscitada uma nova tese que impediria o cômputo de tempo de atividade rural exercida em passado remoto.

 

Tal teoria ainda não foi discutida nos tribunais superiores, mas encontra-se aguardando julgamento na TNU sob o Tema Representativo de Controvérsia nº 168.

 

Tema 168 da TNU – Questão submetida a julgamento: Saber se é possível o cômputo de período rural, remoto e descontínuo, laborado em regime de economia familiar, para fins de concessão de benefício de aposentadoria por idade híbrida. (PEDILEF 0001508-05.2009.4.03.6318. Relator Juiz Federal Ronaldo José da Silva).[4]

 

A referida tese baseia-se no fato de que a lei 11.718/2008 menciona apenas o trabalhador rural e, por consequência, a extensão da aplicação do artigo 48, § 3º da referida lei somente poderia se dar ao trabalhador urbano que possuísse tempo de atividade rural dentro do período de carência, ou ainda, desde que houvesse uma nota de contemporaneidade.

 

Ou seja, o que se discute é a existência de qualidade de segurado rural, como requisito necessário à concessão da Aposentadoria por Idade Híbrida Urbana.

 

Com a devida vênia, entendo em sentido totalmente contrário a aludida tese. Inicialmente, porque, conforme já entendeu o Superior Tribunal de Justiça, a extensão da aplicação do artigo 48, § 3º da Lei 11.718/2008 se deu em respeito aos princípios constitucionais da isonomia, equivalência e uniformidade dos benefícios, expressos nos artigos 5°, caput, e 201, § 9º da Constituição Federal.

 

Desta forma, impor limitações à aplicação do dispositivo legal aos trabalhadores que se encontrem atualmente na atividade urbana fere diretamente os princípios supracitados. Assim, não há como entender pela isonomia e equivalência dos benefícios quando o segurado urbano tem acesso completamente limitado a um benefício que é devido ao segurado rural, sem qualquer restrição.

 

Mais ainda, conforme já mencionado acima, somente possui a qualidade de segurado especial aquele trabalhador que não se afastou do campo por período superior a 120 dias durante o ano. Desta forma, inviável que a denominada “nota de contemporaneidade” possa devolver ao segurado sua qualidade de trabalhador rural, visto que sua última atividade é a urbana.

 

NOTAS:

 

[1] BRASIL, Lei 8.213/1991, dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em 16 mar 2018.

 

[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Previdenciário. Aposentadoria híbrida por idade. art. 48, § 3º, da lei n. 8213/91. Exegese. Mescla dos períodos de trabalho urbano e rural. Exercício de atividade rural no momento que antecede o requerimento. Desnecessidade. Cômputo do tempo de serviço rural anterior à vigência da lei n. 8.213/91 para fins de carência. Possibilidade. REsp 1476383/PR. Rel. Ministro Sérgio Kukina. Primeira Turma. Julgado em 01/10/2015. DJe 08/10/2015.

 

[3] BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Direito previdenciário. Aposentadoria híbrida por idade; Artigo 48, § 3º, lei 8.213/91; Atividade rural ou urbana antes do requisito etário ou requerimento administrativo; Indiferença; Idade mínima a ser considerada – a mesma exigida para a aposentadoria por idade do trabalhador urbano; Cômputo do tempo rural anterior à vigência da lei 8.213/91, para fins de carência, sem recolhimentos. Relator: Juíza Federal Angela Cristina Monteiro. Julgado em 20/10/2016. DJe 24/11/2016. Disponível em < www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/turma-nacional-de-uniformizacao/temas-representativos>. Acesso em 17 mar 2018.

 

[4] CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL – TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. Temas Representativos de Controvérsia. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/turma-nacional-de-uniformizacao/temas-representativos&gt;. Acesso em: 17 abr. 2018.

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Referências

BRASIL, Lei 8.213/1991, dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em 16 mar 2018.

 

BRASIL, Lei 11.718/2008, acrescenta artigo à lei n° 5.889, de 8 de junho de 1973, estabelecendo normas transitórias sobre a aposentadoria do trabalhador rural. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11718.htm>. Acesso em 16 mar 2018.

 

BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Direito previdenciário. Aposentadoria híbrida por idade; Artigo 48, § 3º, lei 8.213/91; Atividade rural ou urbana antes do requisito etário ou requerimento administrativo; Indiferença; Idade mínima a ser considerada – a mesma exigida para a aposentadoria por idade do trabalhador urbano; Cômputo do tempo rural anterior à vigência da lei 8.213/91, para fins de carência, sem recolhimentos. Relator: Juíza Federal Angela Cristina Monteiro. Julgado em 20/10/2016. DJe 24/11/2016. Disponível em <www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/turma-nacional-de-uniformizacao/temas-representativos>. Acesso em 17 mar 2018.

 

RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Trabalhador rural: Segurado especial. 3 ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2018. 266-277 p.

 

SOARES, João Marcelino. Enunciados e súmulas previdenciárias: Organizados por temas e subtemas. 1 ed. São Paulo: LTr, 2015. 34-35 p.

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Informativo de jurisprudência n° 548. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/scon/searchbrs?b=infj&tipo=informativo&livre=@cod=%270548%27&gt;. Acesso em: 17 abr. 2018.

 

VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência social: Custeio e Benefícios. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. 425-434 p.


Alessandra Mancasz

Advogado - Curitiba, PR


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