Ora, com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) e da Lei nº 13.129/15, a qual veio ampliar e fortalecer a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), temos hoje a possibilidade de requerer a declaração de propriedade de imóvel por usucapião por três caminhos diferenciados, senão vejamos.
Quanto ao Poder Judiciário, este não pode deixar de receber quaisquer demandas, desde que atendam aos requisitos necessários para sua propositura, dentre estas as de usucapião.
Quanto ao cartório, a sua atuação nesta seara está disciplinada no art. 1.071 do Novo Código de Processo Civil, o qual alterou a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), incluindo o seguinte dispositivo:
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
(...)
No restante do texto disciplinador vamos analisar a atuação do cartório, sem perder de vista que o cartório processa o tipo de usucapião administrativa. Significa dizer que o mesmo não dispõe de cognição para decidir qualquer ponto controverso, prerrogativa esta reservada aos entes munidos de jurisdição, ou seja, Judiciário e arbitragem, nos termos de suas legislações de regência. Desta forma, no cartório o requerente deverá apresentar, por meio de advogado, os seguintes documentos:
{C}a) {C}Ata Notarial lavrada pelo tabelião;
{C}b) {C}Planta e Memorial descritivo assinados por profissional habilitado e pelos titulares de direito reais ou de outros direitos registrados ou averbados nas matrículas do imóvel usucapiendo e dos imóveis confinantes;
{C}c) {C}Certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
{C}d) {C}Justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
Entretanto, o referido dispositivo apresenta a seguinte ressalva:
§ 2o Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.
Isto posto, somos levados a concluir que para a usucapião seja processada em cartório, deverão ser satisfeitas as seguintes exigências:
{C}a) {C}O imóvel usucapiendo deve estar matriculado;
{C}b) {C}Os imóveis dos confinantes devem estar matriculados;
{C}c) {C}Deverá constar a assinatura de todos os sujeitos de direitos enumerados no item b supra;
{C}d) {C}Sendo notificadas quaisquer uma das partes para se manifestar no processo administrativo, se estas não o fizerem no prazo de 15 (quinze) dias, sua ausência de manifestação deve ser interpretada como discordância ao processamento da usucapião.
Importante notar que todos os documentos e assinaturas listados são imprescindíveis, sob pena de indeferimento:
LRP – Art. 216-A. (...)
§ 8o Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.
A despeito de todas as exigências e limitações do pedido extrajudicial de reconhecimento de usucapião realizada em cartório, observemos que o caput do art. 216 da LRP, acrescentado pelo art. 1.071 do Novo Código de Processo Civil, em consonância com o restante do referido diploma legal, aponta para a via jurisdicional, não mais limitando-se à via judicial, senão vejamos:
LRP – Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, (...):
A mens legis repete-se em importantes dispositivos do Novo Código de Processo Civil:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
Com isso concluímos que se os rígidos requisitos para o reconhecimento da usucapião prevista no Novo Código de Processo Civil não forem atingidos, devem os cartórios de registro de imóveis rejeitar o pedido, não restando aos jurisdicionados outras possibilidades além da busca pela jurisdição, podendo os mesmos optarem pela jurisdição privada ou pela jurisdição estatal, devendo o advogado responsável verificar, diante do caso concreto, qual o melhor e mais adequado método para solução do problema do seu cliente.
Uma vez fazendo opção pela jurisdição privada, deve procurar uma instituição que tenha capacidade de processar e julgar tal tipo de ação obtendo, ao final, sentença arbitral declaratória de aquisição de propriedade por decurso de tempo, caso seja julgada procedente, e observadas as regras próprias da Lei de arbitragem.
O óbice que ainda se enfrenta em alguns cartórios de registro de imóveis é a negativa de cumprimento direto da sentença arbitral, a qual é legalmente equiparada em todos os termos à sentença do juiz togado, como determina a Lei nº 9.307/96:
Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário
Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
Tal posicionamento certamente deve-se ainda por desconhecimento do instituto, obrigando o árbitro requerer ao juiz togado, por meio de carta arbitral devidamente fundamentada, a expedição de mandado de averbação do conteúdo da sentença arbitral. Pode ainda a parte obter tal provimento por meio de mandado de segurança, para que se proceda o assentamento da sentença arbitral junto ao cartório de registro de imóvel, por ser direito líquido e certo do requerente e dever de ofício do registrador realizar tal procedimento, não podendo o mesmo negar efetividade a este tipo de sentença, o que se afiguraria conduta ilegal.
Com o advento da Lei nº 13.286/16, estabeleceu-se a responsabilidade indenizatória dos cartórios, caso estes causem prejuízo às partes por ação comissiva ou omissiva. Neste esteio, poderão os mesmos serem acionados judicialmente, caso haja negativa do assentamento de conteúdo de sentença arbitral, sendo comprovado que tal omissão causou prejuízo à parte.
Diante de tais considerações, temos que a quantidade de requerimentos de declaração de usucapião efetivamente deferidos nos cartórios de imóveis será diminuta, levando em consideração as condições exigidas, mormente a existência de matricula do imóvel a ser usucapido e de todos os confinantes, além da assinatura de todos os titulares de direitos reais e de outros direitos.
Por outro lado, a jurisdição estatal continua mostrando-se incapaz de atender em tempo razoável este tipo de demanda, existindo situações desta natureza que ultrapassam os 20 (vinte) anos de trâmite.
A arbitragem, por sua vez, é dotada de mecanismos que geram segurança jurídica e celeridade processual, observadas as suas peculiaridades e procedimentos específicos para fins de usucapião, os quais foram obtidos através de anos de evolução legislativa e estudos acadêmicos, tornando tal jurisdição, a nosso ver, a mais adequada para este tipo de demanda.