RECUSA DE TRANSPORTE DE TÁXI A DEFICIENTE VISUAL E SEU CÃO-GUIA : DEFEITUOSA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO E O DANO MORAL APLICÁVEL.


01/06/2017 às 09h04
Por Yngrid Gonçalves Advocacia

A recusa em transportar passageiro deficiente físico com seu cão guia é evidente na falha da prestação do serviço prestado, devendo a empresa que presta serviços públicos permissionários de transporte de táxi o dever de indenizar o consumidor.

 

Nesse viés, podemos elencar que o deficiente visual acompanhado por seu cão-guia possui legislação especial própria, a Lei 11.126/2005 que assegura ao portador de deficiência visual o direito de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão guia foi regulada pelo Decreto 5904/2006, possibilitando assim seu acesso a supermercados, teatros, cinemas, transportes coletivos e outros.

 

Essa legislação é de suma importância para garantir aos deficientes visuais o direito de ir e vir sem qualquer tipo de constrangimento, além de possibilitar maior independência e autonomia ao sair de casa.

A lei 11.126/2005, estabelece que é assegurado ao portador de deficiência visual usuário de cão-guia ingressar nos veículos e nos estabelecimentos públicos. Além disso, impõe multa e interdição a tentativa de descriminação que impeça ou dificulte o gozo desse direito.

Vale lembrar, que o serviço de táxi é um serviço público permissionário. O conceito de permissão está descrito na própria lei 8987, em seu artigo 2º, IV:

“permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.”

A doutrina é unânime ao afirmar que a tarefa de conceituar serviço público é das mais espinhosas do Direito, assim, não nos lançaremos nesta aventura, vamos nos restringir a indicar as posições de alguns doutrinadores e tentar consolidar os entendimentos mais ajustados à atual realidade constitucional.

Para Maria Sylvia Di Pietro.

“toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente de direito público”


 

Para José dos Santos Carvalho Filho.

“toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade”


 

Para Hely Lopes Meirelles.

“Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais de interesse geral”


 

Para Marça Justen Filho.

“Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificadas legislativamente e executada sob regime de direito público”

É claro a falha na prestação do serviço prestados pela empresa de táxi, uma vez que deve se atentar que existe legislação que veda qualquer tipo de discriminação com a pessoa portadora de deficiência visual que anda acompanhada de seu cão-guia. Nesse sentido:

 

AGRAVOS EM APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO COMO AGRAVO INTERNO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS NOVOS QUE SIRVAM PARA MODIFICAR O DECIDIDO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL IMPEDIDO DE ENTRAR EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL NA COMPANHIA DE CÃO-GUIA. LEI FEDERAL N.º 11.126/05, DECRETO N.º 5.906/06 E LEI ESTADUAL N.º 11.739/02. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ART. 14 DO CDC. O descumprimento da legislação que permite o acesso de pessoa portadora de deficiência visual acompanhada de cão-guia em estabelecimento...(TJ-RS - AGR: 70052259694 RS , Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 12/12/2012, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 14/12/2012).


 

CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. DEFICIENTE VISUAL. COMPANHIA DE CÃO-GUIA. IMPEDIMENTO. VIOLAÇÃO AO DOMICÍLIO. EXCESSO AUTORIDADE POLICIAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. PARA A CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL NÃO HÁ NECESSIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO, E SIM DA PROVA DO FATO QUE DEU ENSEJO AO RESULTADO DANOSO À MORAL DA VÍTIMA, FATO ESSE QUE DEVE SER ILÍCITO E GUARDAR NEXO DE CAUSALIDADE COM A LESÃO SOFRIDA. 2. A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVE SER MANTIDA, TENDO EM VISTA O EXCESSO PRATICADO PELA AUTORIDADE POLICIAL QUE, DIANTE DE UM DEFICIENTE VISUAL, INVADIU SEU DOMICÍLIO A FIM DE COLHER UM DEPOIMENTO E O CONDUZIU À DELEGACIA MAIS PRÓXIMA, VIOLANDO A INTIMIDADE, A VIDA PRIVADA, A HONRA E A IMAGEM DO AUTOR, E NÃO PERMITINDO QUE O AUTOR FICASSE ACOMPANHADO DE SEU CÃO-GUIA. 3. APELO VOLUNTÁRIO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDOS (TJ-DF - AC: 20030110577594 DF , Relator: CRUZ MACEDO, Data de Julgamento: 11/04/2005, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 28/04/2005 Pág. : 80)


 

Nesse sentido, a aplicabilidade da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Dec. 3.956/2001), art. 5º, § 2º, da Constituição Federal norma de hierarquia supralegal.

A Convenção Interamericana Para A Eliminação De Todas As Formas De Discriminação Contra As Pessoas Portadoras De Deficiência Os Estados Partes Nesta Convenção, Reafirmando que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano;

Considerando que a Carta da Organização dos Estados Americanos, em seu artigo 3, j, estabelece como princípio que "a justiça e a segurança sociais são bases de uma paz duradoura";Preocupados com a discriminação de que são objeto as pessoas em razão de suas deficiências; Comprometidos a eliminar a discriminação, em todas suas formas e manifestações, contra as pessoas portadoras de deficiência,

A proteção à pessoa portadora de deficiência decorre do Dec. 3.956, mas, também, da eficácia horizontal dos direitos individuais, que têm aplicação imediata art. 5º, § 1º, da CF; além da Aplicação da Lei 11.126, de 2005, que trata da integração dos portadores de deficiência visual competência. A aplicabilidade imediata da garantia ali assegurada art. 5º, § 1º, da Constituição Federal.

A responsabilidade civil decorrente do ato ilícito cometido pela empresa de táxi é,in re ipsa, não necessitando de demais elementos probatórios para sua comprovação.

A responsabilidade é objetiva, já se extraindo do próprio dispositivo legal, Artigo 14 do Código do Consumidor, a conclusão de que o acontecimento notificado (rectius: fato do serviço) viola os direitos humanos e o direito do consumidor gerando danos morais.

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, conceitua o dano moral como:

“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).

Nesse sentido, também leciona Nehemias Domingos de Melo:

“dano moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica”. (MELO, 2004, p. 9)

Como bem explicado pelo Doutrinador Gonçalves, “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”

A angústia, a preocupação e os sentimentos proporcionados por situação de injustiça são inegáveis. Por outro lado, a consciência de que está sendo impedido de entrar no táxi por estar acompanhado de seu cão-guia ainda traz a sensação de impotência. Tudo isto traz alterações de ânimo que devem ser entendidas como dano moral.

O descumprimento da legislação que permite o acesso de pessoa portadora de deficiência visual acompanhada de cão-guia é ato ilícito que gera dano moral passível de reparação. Nesse sentido, podemos acompanhar o acordão de recurso inominado onde atuei como patrona:

 

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. TÁXI. TRANSPORTE DE DEFICIENTE VISUAL ACOMPANHADO DE CÃO-GUIA RECUSADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OFENSA AOS ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR FIXADO EM CONSONÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

Incidem as regras insertas no Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação de consumo o conflito trazido aos autos, como quer a dicção dos Arts. 2º e 3º do CDC.

Pela sistemática do Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, a responsabilidade civil nos casos como o dos autos é objetiva, a qual independe de demonstração de culpa, não sendo reconhecidas as excludentes previstas no § 3º do citado artigo, surge o dever de indenizar atribuído ao fornecedor.

No presente caso, diante das provas colacionadas aos autos, resta patente a falha na prestação do serviço, uma vez que o taxista se recusou em transportar o autor (deficiente visual) por estar acompanhado de seu cão-guia. Com efeito, a causa excludente de responsabilidade civil prevista no artigo 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, não restou configurada.

O direito de transporte do deficiente visual juntamente com o seu cão-guia está expressamente definido no artigo 1º da Lei Federal 11.126/05, regulamentado pelo Decreto nº 5.904/06 em seu artigo 1º. Portanto, não há que falar em aplicabilidade da Lei Distrital nº 5.323/14 (prestação de serviço de taxi no Distrito Federal), tendo em vista vigência de lei especial a tratar acerca da matéria controvertida (transporte de deficiente visual acompanhado de cão-guia).

Insta salientar que a exploração do serviço de táxi é de interesse público permitida aos particulares por meio de permissão. Logo, possível a aplicabilidade da Lei Federal 11.126/05 (AgRg no REsp 1441510/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 31/08/2015); (REsp 1345827/AC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 27/03/2014) (Acórdão n.673289, 20120111320664ACJ, Relator: JOÃO FISCHER, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 23/04/2013, Publicado no DJE: 07/05/2013. Pág.: 212).

A defeituosa prestação do serviço, a par de evidenciar desrespeito ao consumidor, ultrapassa a esfera de mero aborrecimento e tipifica dano moral indenizável, por ofensa aos atributos da personalidade da parte autora.

Isso posto, a compensação por danos morais é medida que se impõe.

Na seara da fixação do valor da reparação devida, mister levar em consideração a gravidade do dano, a peculiaridade do lesado, além do porte econômico da lesante. Também não se pode deixar de lado a função pedagógico-reparadora do dano moral consubstanciada em impingir à parte ré uma sanção bastante a fim de que não retorne a praticar os mesmos atos, sem, contudo, gerar enriquecimento sem causa.

Desse modo, considerados os parâmetros acima explicitados, o valor arbitrado pelo juízo monocrático (R$ 3.000,00) não se mostra excessivo, a amparar a sua manutenção.

Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos.

Condenado o recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.
(Acórdão n.898696, 20150410028956ACJ, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 06/10/2015, Publicado no DJE: 08/10/2015. Pág.: 320)

 

Assim, o dano moral tem lugar quando a conduta do agente lesiona direitos personalíssimos do indivíduo, dentre eles, o direito à dignidade da pessoa humana. Sendo o dano moral in re ipsa, uma vez demonstrado o evento danoso e a presença dos pressupostos da indenização, cumpre lembrar que estamos tratando de responsabilidade objetiva, restando caracterizado o dever de indenizar por parte da demandada, eis que, indene de dúvida a falha n a prestação do serviço, diante da recusa do taxista em transportar o autor porque acompanhado de seu cão-guia.
Uma vez fixada à responsabilidade nos termos acima, quanto à configuração dos danos morais, restando evidentes, os quais se presumem, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto.

 

Sendo certo que o dano moral decorre de violação aos direitos da personalidade porque negado um serviço, do qual o autor, na qualidade de beneficiário, ostenta direito absoluto, com eficácia erga omnes, pois o seu respeito é imposto a todos (Estado e particulares), pois, conforme leciona Maria Helena Diniz, trata-se do direito de cada pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, identidade, liberdade, privacidade, honra, opção sexual, integridade, imagem. "É o direito subjetivo de exigir um comportamento negativo de todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial." (DINIZ, 2010).


O Superior Tribunal de Justiça vem adotando sistematicamente o entendimento de que "a concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (dano in re ipsa).

 

Averiguado o evento danoso, surge a necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)" (REsp n. 23.575, DJU de 1º de setembro de 1997, Rel. Ministro César Asfor Rocha).

  • consumidor
  • dano moral

Yngrid Gonçalves Advocacia

Advogado - Brasília, DF


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