A legalidade das cláusulas limitadoras de direito nos contratos de plano de saúde frente à especificidade das normas da ANS e do Direito do Consumidor


14/08/2020 às 11h03
Por Yago Pinheiro

INTRODUÇÃO

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, houve um crescimento considerável nas demandas judiciais e administrativas em relação aos planos de saúde. Os consumidores têm cada vez mais acesso às informações sobre os seus direitos, aliado à atuação da ANS e dos órgãos controlados pelo Ministério Público, que visam garantir as referidas prerrogativas.

No que se refere aos planos de saúde, há uma vasta legislação específica, que, em diversos casos, inclina-se para interpretações que vão de encontro às do Código de Defesa do Consumidor. Nestas situações, em muito se questiona como devem agir as operadoras de planos de saúde (OPS) e como os casos levados ao conhecimento do Poder Judiciário são julgados.

No ano 2000, foi criada, a partir da Lei 9.961, a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, órgão ao qual cabe cumprir a Lei 9.656, também conhecida como “lei dos planos de saúde”, que dispõe sobre os planos e os seguros privados de assistência à saúde. A ANS é quem determina os liames sobre os quais as atividades das operadoras vão se desenvolver, delineando os limites de sua atuação e de sua obrigação prestacional de serviços.

No entanto, a atuação dos planos de saúde encontra óbice nas normas do consumidor, que possuem orientações diferentes, mais especificamente no que se refere às cláusulas limitadoras de direitos, como os casos em que os procedimentos deverão ou não ser custeados pelas OPS, e as hipóteses de cancelamento do plano.

Inúmeras são as demandas que, levadas por estes consumidores ao PROCON e ao DECON, órgãos administrativos mantidos pelo Ministério Público nos Municípios e nos Estados, bem como aquelas que são levadas ao Poder Judiciário, são decididas pró-consumidor, desconsiderando em grande peso as determinações oriundas da ANS e suas limitações.

A referida atuação dos órgãos citados constitui grave afronta aos planos privados seguradores de saúde, bem como à legislação específica, que, segundo o ordenamento pátrio, deveria ser aplicada aos casos em comento, em detrimento de qualquer outra que se considerasse de aplicabilidade competente.

Desta forma, o presente artigo visa responder aos seguintes questionamentos: A ANS tem poder para limitar a atuação dos planos de saúde? Até que ponto possui eficácia a normativa editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, no que se refere aos limites de atuação dos planos de saúde? É exemplificativo ou taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, editado pela ANS, que dispõe sobre os procedimentos, e as diretrizes de utilização que devem seguir as operadoras de planos de saúde? Possuem validade as cláusulas limitadoras de direito nos contratos de plano de saúde, que excluem expressamente determinados procedimentos da órbita de atuação das operadoras? O Poder Judiciário do Estado do Ceará tem acolhido as normas da ANS ou o CDC quanto às limitações de cobertura?

A justificativa para a escolha do tema decorre da necessidade de se reconhecer a validade das cláusulas limitadoras de direito nos contratos de plano de saúde, em atenção ao princípio do pacta sunt servanda, de modo a não permitir que os consumidores gozem de garantias não contratadas e que haja o comprometimento do equilíbrio econômico-financeiro das operadoras. 

Em razão disso, tem-se como objetivo geral perscrutar o âmbito da legalidade e da validade das cláusulas limitadoras de direito nos contratos de adesão, mais especificamente no que se refere aos contratos de plano de saúde, regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, ANS.

Os objetivos específicos são: compreender até que ponto possui eficácia a normativa editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, no que se refere aos limites de atuação dos planos de saúde, quando as normas de direito do consumidor e o próprio Poder Judiciário a parecem desconsiderar ou colocá-la em detrimento; analisar se é exemplificativo ou taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, editado pela ANS, que dispõe sobre os procedimentos, e as diretrizes de utilização que devem seguir, de obrigatória autorização pelas operadoras de planos de saúde; elucidar se são válidas as cláusulas limitadoras de direito nos contratos de plano de saúde, que excluem expressamente determinados procedimentos da órbita de atuação das operadoras; analisar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, dos últimos três anos, quanto aos planos de saúde e às limitações contratuais referentes à cobertura de procedimento.

1 A FINALIDADE DA ANS E OS SEUS LIMITES DE ATUAÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88 definiu, em seu art. 6º, a saúde como direito social, e acrescentou, no artigo 196, que é direito de todos e dever do Estado sua garantia. Assim, percebe-se que o próprio texto constitucional consagrou a saúde como um direito ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ocorre que é notória a precariedade dos serviços públicos e a carência que possui a prestação destes. Por esta razão é que a mesma Constituição dispõe no artigo 197:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 1988).

O artigo 199 da Constituição da República Federativa do Brasil afirma ainda que: “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Neste sentido, Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 7), dispõe que:

A rede particular de prestação de serviços de saúde atua de forma suplementar à rede pública, sendo disponibilizada por entidades privadas de forma adicional e facultativa aos serviços disponibilizados pelo Estado (art. 199, caput, da CRFB). Por tais razões, trata-se de atividade econômica em sentido estrito, regida por princípios e regras de direito privado, sendo seu acesso garantido, tão somente, à parcela da população com renda para contratar tais serviços.

Isto é, ainda que seja dever do Estado a efetivação desta garantia, este não se opõe à prestação por pessoas de jurídicas de direito privado, quais sejam, as operadoras de planos de saúde – OPS. O artigo supracitado ainda acrescenta que o Poder Público disporá, nos termos da lei, sobre a regulamentação deste serviço.

A atividade praticada pelas OPS refere-se à atividade de saúde suplementar, que é aquela prestada por entes privados, sem, contudo, eximir o Estado da sua obrigação de prestar a saúde, de acordo com o comando constitucional. Neste sentido, Natanael Dantas Soares (2010, p. 453) elucida:

O termo suplementar sugere uma situação acessória em que se fornece uma cobertura adicional à oferecida por um fornecedor principal, sem, portanto, reduzir a obrigação do responsável principal, diferentemente do termo complementar, que pressupõe uma parcialidade no cumprimento da obrigação pelo sujeito principal com geração de uma lacuna que é suprida por um terceiro, que completa o que deveria ter sido integralmente fornecido.

Assim, de maneira suplementar, é que se dá a regulamentação deste serviço, e, uma vez compreendida a importância da criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS para o setor de saúde suplementar, faz-se necessário analisar, de forma particular, os limites de sua atuação, os aspectos legais que envolvem tal prática, bem como a questão inerente à especificidade das normas expedidas por aquela em face das normas de direito do consumidor.

1.1 A ANS como reguladora dos planos privados de saúde

De início, precisa-se compreender que, ao Estado, cabe a obrigação de prestar os serviços de saúde de forma integral e ilimitada, haja vista ser direito social, e, às operadoras, prestar o mesmo serviço, não de modo irrestrito, mas nos termos da lei, de maneira suplementar.

Frise-se que, não obstante a Constituição Federal tenha sido promulgada em 1988, o serviço de saúde suplementar não possuía qualquer disciplinamento, passando quase uma década à livre iniciativa das entidades privadas que desejassem nele operar. A este respeito, instrui Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 152):

Observe-se que, a prestação suplementar de serviços de saúde, em que pese serem serviços de utilidade pública essenciais, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, era prestada, tão somente, com base na legislação civil vigente, que, até então, se orientava na concepção individualista do Código de 1916, sendo o plano privado de assistência à saúde contrato inominado, uma vez que não contava com um disciplinamento legal específico.

Até hoje, existem ainda em operação contratos que foram firmados antes da regulamentação técnica do setor de saúde suplementar. Estes contratos são chamados não regulamentados, e a eles não se aplica qualquer disposição das leis de plano de saúde atualmente vigentes, as quais preveem aplicação somente aos contratos firmados após a regulamentação ou àqueles que se submeteram à adaptação.

Ocorreu, no País, o fenômeno chamado de deslegalização, que diz respeito a quando o Estado transfere o poder de regular determinadas matérias. Neste mister, entretanto, a delegação precisa ser técnica, conforme explana José dos Santos Carvalho Filho (2019, p. 59):

REGULAMENTAÇÃO TÉCNICA – De acordo com o sistema clássico da separação de Poderes, não pode o legislador, fora dos casos expressos na Constituição, delegar integralmente seu poder legiferante aos órgãos administrativos. Significa dizer que o poder regulamentar legítimo não pode simular o exercício da função de legislar decorrente de indevida delegação oriunda do Poder Legislativo, delegação essa que seria, na verdade, inaceitável renúncia à função que a Constituição lhe reservou.

Modernamente, contudo, em virtude da crescente complexidade das atividades técnicas da Administração, passou a aceitar-se nos sistemas normativos, originariamente na França, o fenômeno da deslegalização, pelo qual a competência para regular certas matérias se transfere da lei (ou ato análogo) para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador: a normatização sai do domínio da lei (domaine de la loi) para o domínio de ato regulamentar (domaine de l’ordonnance). O fundamento não é difícil de conceber: incapaz de criar a regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica, o próprio Legislativo delega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica de instituí-la, valendo-se dos especialistas e técnicos que melhor podem dispor sobre tais assuntos.

Não obstante, é importante ressaltar que referida delegação não é completa e integral. Ao contrário, sujeita-se a limites. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico, calcado nos critérios políticos e administrativos, transferindo tão somente a competência para a regulamentação técnica mediante parâmetros previamente enunciados na lei. É o que no Direito americano se denomina delegação com parâmetros (delegation with standards). Daí poder afirmar-se que a delegação só pode conter a discricionariedade técnica.

Trata-se de modelo atual do exercício do poder regulamentar, cuja característica básica não é simplesmente a de complementar a lei através de normas de conteúdo organizacional, mas sim de criar normas técnicas não contidas na lei, proporcionando, em consequência, inovação no ordenamento jurídico. Por esse motivo, há estudiosos que o denominam de poder regulador para distingui-lo do poder regulamentar tradicional.

Devido à especificidade técnica da saúde suplementar, houve delegação a pessoa administrativa, com o fito de serem criadas normas e regulamentações próprias, a respeito do que o Legislativo, por si só, não dominaria. Esta delegação, bem frisou o autor, é limitada, nos limites daquilo que a legislação prevê, pois, do contrário, seria admitir renúncia do Estado à sua competência constitucional.

A regulação da atividade complementar de saúde, no setor privado, dá-se por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, criada e regulada pela lei 9.961/00. Neste sentido, traz-se o que preceitua o artigo 1º da referida legislação:

Art. 1º É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. (BRASIL, 2000).

Cabe à ANS o cumprimento da lei nº 9.656/98, a chamada Lei dos Planos de Saúde. A esta Lei as operadoras de planos privados de assistência à saúde se submetem, devendo prestar seus serviços nos termos nela determinados, conforme disposto no seu artigo 1º:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:

[...]

§ 1º Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como:

[...] (BRASIL, 1998).

Isto posto, quanto às coberturas obrigatórias a serem garantidas pelas OPS em favor dos beneficiários de seus produtos, a legislação própria a ser observada é a legislação específica aplicável à matéria, qual seja, a Lei 9.656/98 e as resoluções normativas editadas pela ANS, que passaram a disciplinar especificamente a relação entre o Estado e a operadora, estabelecendo regras próprias da sua atuação no mercado.

O Supremo Tribunal Federal – STF já se posicionou, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1931, pela não aplicação das disposições legais da Lei nº 9.656/98 aos contratos anteriores a 1998. Em decisão unânime, o Tribunal entendeu que a lei não poderia retroagir para alterar as disposições dos contratos preexistentes. Assim, conforme já explanado, os contratos antigos são válidos, configurando-se a aplicação dos novos dispositivos legais em grave ofensa ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.

É patente, portanto, que, fazendo uso do dever que lhe foi incumbido pelo Estado, a ANS regula os planos de saúde, expedindo resoluções e aplicando multa às operadoras que as descumprirem à legislação específica. O artigo 4º, III da Lei 9.961, que criou a ANS, determina:

Art. 4º Compete à ANS:

[...]

III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades; (BRASIL, 2000).

O Rol de procedimentos mencionado pelo inciso infra transcrito é uma lista, editada pela Agência de Saúde Suplementar, com os procedimentos e eventos de cobertura obrigatória pelas operadoras, sejam exames e materiais, sejam cirurgias e diretrizes de utilização. Em síntese, a cobertura mínima obrigatória a ser conferida pelas OPS aos consumidores encontra ali sua previsão.

Sob este fundamento, a ANS, no uso de suas atribuições, editou a Resolução Normativa nº 428/2017, tratando exatamente acerca do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde e instituindo referência básica para cobertura assistencial mínima a ser garantida pelos planos privados de assistência à saúde.

Segundo a mencionada Resolução, aos planos de saúde incumbe cumprir com tais diretrizes e autorizar os procedimentos ali elencados, desde que em coerência com a norma. Ou seja, a ANS elenca o rol de procedimentos obrigatórios a serem fornecidos pelas OPS através das normas acima referidas.

Frise-se, ainda, que esta regulação a qual estão vinculadas as operadoras de planos de saúde se dá em todos os âmbitos da atividade prestada, sofrendo estas rigorosa fiscalização. Assim entende Álisson José Maia Melo (2018, p. 415):

As operadoras, conforme previsto no art. 1o, §1o, da Lei 9.656/98, sofrem uma forte regulação pela agência, que vai desde a autorização para comercialização dos produtos (art. 9º) ao envio periódico de todas as informações relativas às suas atividades (art. 25), fiscalização do cumprimento dos contratos, com aplicação de multas que podem chegar a um milhão de reais (art. 27), podendo, ainda, afastar a diretoria da operadora e instalar regime de direção fiscal ou técnica, além de determinar a alienação da carteira (pior situação para uma operadora e seus beneficiários) ou a liquidação extrajudicial (art. 24).

Nessa senda, pode-se concluir que o próprio Estado, por meio da ANS, delimita o campo de atuação das operadoras, que integram o sistema de saúde do país de forma suplementar, não estando sujeitas aos mesmos princípios que norteiam a atividade estatal na concretização do direito fundamental à saúde, quais sejam, universalidade, integralidade e igualdade, além de exercer rigorosa fiscalização.

A ANS é a responsável por regular o setor da saúde suplementar, e, com efeito, define as diretrizes a serem percorridas pelas operadoras no atendimento aos consumidores. Do contrário, o mencionado setor teria somente legislações esparsas e lacunosas, que deixariam brechas para inúmeras interpretações. Com as regras emitidas pela Agência, a regulação da saúde suplementar, no Brasil, tem um norte a seguir, de observância obrigatória pelas OPS, sem gerar prejuízos ao consumidor.

1.2 A força vinculante conferida pelo Estado à ANS

As determinações da ANS possuem força vinculante, capaz de determinar, ou não, algo às operadoras privadas de assistência à saúde. Conforme já elucidado, a própria Lei 9.961/00 afere que a referida Agência deve funcionar como órgão de regulação, controle e normatização da saúde suplementar. Ora, logo, é uma agência reguladora: se regula, controla e normatiza, há que ser obedecida.

Acerca do papel das agências reguladoras, de uma forma geral, e de sua força vinculante, a qual é conferida pelo Estado, deve ser entendida, como destaca Marcos Augusto Perez (1998, p. 125) “[...] deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser responsável pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento [...].”

A edição do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde pela ANS é uma prova do seu poder regulador, de modo que cabe às OPS a observância dos ditames ali elencados. Do contrário, estar-se-ia contrariando um dos princípios mais básicos do Direito brasileiro: o da legalidade, previsto na Constituição Federal. A este respeito, tem-se a regra do artigo 5º da CRFB/88, a de que nenhuma pessoa é obrigada a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.

Torna-se evidente que as determinações da ANS possuem força vinculante, conferida pelo Estado, de modo que têm que ser cumpridas. Não pode, simplesmente, o Poder Judiciário entender de maneira que afronte o normativo da ANS. O Conselho Nacional de Justiça realiza a Jornada de Direito da Saúde, com o fito de debater problemas pertinentes ao direito da saúde. Essa Jornada, que já possui três edições, tendo a primeira ocorrida em 2014, reúne médicos e magistrados de todo o País, bem como aprova enunciados interpretativos que têm aplicabilidade em casos concretos nos quais se discuta as garantias à saúde. Observe-se o que dispõe o Enunciado nº 21:

Nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei nº 9.656/98, considera-se o rol de procedimentos como referência mínima para cobertura, conforme regulamentações da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019) (BRASIL, 2014).

O Enunciado alhures é claro ao afirmar que se deve considerar o Rol editado pela ANS, bem como suas regulamentações, de observância obrigatória para a referência mínima de cobertura contratual.

Além das previsões normativas nesse sentido, o CNJ recomenda expressamente a observância das normas da ANS, entendendo pela força vinculante a que detém, cabendo as operadoras de planos de saúde, assim como ao Poder Judiciário, respeitar as delimitações ali estabelecidas.

Já decidiu o TRF da 2ª Região, pela sua 8ª Turma Especializada, a respeito da intervenção do Poder Judiciário nos atos normativos das agências reguladoras de uma maneira geral:

[...] somente nas hipóteses de ilegalidade e de ausência de razoabilidade, poderia o Poder Judiciário atuar com vistas a invalidar a norma editada pela Agência Reguladora no exercício de seu poder regulamentar. Do contrário, a interferência do Poder Judiciário em prol de algum dos integrantes da relação econômica poderia ter como conseqüência, ao invés do restabelecimento do equilíbrio concorrencial, o favorecimento desleal daquele a quem o provimento jurisdicional beneficiou. (BRASIL. TRF/2, 8ª Turma Especializada, AC 393732/RJ, DJ 05/08/2008, p. 278).

Assim, há que se levar em consideração o juízo discricionário técnico exercido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, uma vez atuando na sua função de regular o mercado de saúde suplementar no País, de modo que a intervenção contínua do Judiciário causaria uma inversão indevida de papéis de atuação.

1.3 As normas editadas pela ANS frente ao Código de Defesa do Consumidor

Para a compreensão da vinculação dos contratos de plano de saúde, que obedecem aos ditames da ANS, às normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu pela aplicação das normas da lei consumerista nos contratos de plano de saúde, pelo que se depreende da Súmula nº 608, que dita: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão” (BRASIL, 2018).

A aplicação deste instrumento normativo faz-se necessária, uma vez que é norma de ordem pública, de modo que sua visão jamais poderia ser afastada. No entanto, que a normativa editada pela ANS para atuação no mercado da saúde suplementar é de matéria específica, devendo prevalecer, portanto, o princípio da especialidade nas relações que versem sobre o assunto.

O referido princípio defende que haverá prevalência da norma especial sobre a geral. O que se estuda agora é a prevalência que devem ter as normas editadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar em face do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que, embora seja de importância inenarrável, tem aplicação subsidiária na espécie.

É esta a inteligência do art. 35-G da Lei 9.656/98: “Art. 35-G.  Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990” (BRASIL, 1998).

À luz do Princípio da Especialidade, portanto, as normas dispostas no Código de Defesa do Consumidor – CDC são de aplicação subsidiária, razão pela qual deve prevalecer a Lei dos planos de saúde como parâmetro na análise de casos em que se discuta matéria de saúde suplementar, ou seja, demandas envolvendo as operadoras de planos de saúde e seus beneficiários.

Isto porque a Lei 9.656/98 é lei federal, que trata especificamente das atividades de planos de saúde e das relações de consumo envolvendo o ramo da saúde suplementar, sendo, então, norma especial frente ao Código de Defesa do Consumidor. Leia-se o posicionamento de Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 160) quanto à questão:

Assim, em que pese o rol de competências do art. 4º da Lei n. 9.961, de 1990, ser rico em atribuições relacionadas, direta ou indiretamente, à proteção dos interesses dos consumidores dos planos privados de assistência à saúde, a atuação do ente regulador deve ser efetuada no sentido de se garantir o cumprimento das cláusulas contratuais, bem como a fiel observância dos comandos legais, a fim de que a proteção ao consumidor não se traduza em paternalismo injustificável e fator de majoração no custo do plano, em virtude do aumento do risco moral do negócio.

Observa-se que, para o autor, ainda que haja um ordenamento específico que vise proteger os interesses dos consumidores, e ainda que a legislação específica, mesmo indiretamente, garanta essa proteção, tudo deve ser realizado observando os ditames contratuais. Estes ditames devem ter cumprimento, de modo a não permitir que as operadoras dos planos de saúde se onerem injustificadamente. Assim, também, têm entendido os tribunais pátrios, que não aplicam a legislação consumerista em detrimento da específica:

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. RELAÇÃO DE CONSUMO. CÓDIGO DEFESA DO CONSUMIDOR - PLANO DE SAÚDE COLETIVO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA – ART. 35-G DA LEI 9656/98. CONTRATO COLETIVO. REAJUSTES. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AOS ÍNDICES DA ANS. DEVER DE INFORMAÇÃO A ANS ACERCA DOS REAJUSTES APLICADOS, NOS TERMOS DO ART. 8º DA RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 128/2006. REAJUSTE NA MENSALIDADE DO PLANO. SINISTRALIDADE. ABUSIVIDADE. PARTE AUTORA SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR O DIREITO ALEGADO. SEGURADORA NÃO COMPROVOU A LEGALIDADE DA SINISTRALIDADE QUE JUSTIFICASSE O REAJUSTE DO PLANO DE SAÚDE. APLICAÇÃO DO ÍNDICE DA ANS DO PLANO INDIVIDUAL, NO ANO RECLAMADO. CABIMENTO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ART. 85, § 11º DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (Classe: Apelação, Número do Processo: 0559780-97.2017.8.05.0001, Relator (a): Cynthia Maria Pina Resende, Quarta Câmara Cível, Publicado em: 26/02/2019) (BAHIA. TJ-BA - APL: 05597809720178050001, Relator: Cynthia Maria Pina Resende, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: 26/02/2019).

Percebe-se, pelo julgado acima, que o Tribunal de Justiça da Bahia, em consonância com a legislação, entendeu pela aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor na espécie. Assim, aplicou o princípio da especialidade, uma vez que a Lei dos Planos de Saúde tem prevalência de observância, quando colocada ao lado das normas consumeristas. O Superior Tribunal de Justiça segue a mesma linha de raciocínio, veja-se:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SAÚDE SUPLEMENTAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. NECROSE DE EXTREMIDADE DE MEMBRO INFERIOR. AMPUTAÇÃO. PRÓTESE ORTOPÉDICA. CUSTEIO. VINCULAÇÃO A ATO CIRÚRGICO. NECESSIDADE. DISPOSITIVO MÉDICO NÃO IMPLANTÁVEL. EXCLUSÃO ASSISTENCIAL. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. NORMA ESPECÍFICA. PREVALÊNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a prótese ortopédica indicada para a usuária estava ligada ou não ao ato cirúrgico, o que influirá no dever de custeio pela operadora de plano de saúde. 3. É lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de órteses e próteses não ligadas ao ato cirúrgico ou aquelas sem fins reparadores, já que as operadoras de planos de assistência à saúde estão obrigadas a custear tão só os dispositivos médicos que possuam relação direta com o procedimento assistencial a ser realizado (art. 10, II e VII, da Lei nº 9.656/1998). 4. As normas do Código de Defesa do Consumidor incidem apenas de maneira subsidiária nos planos de saúde, conforme previsão do art. 35-G da Lei nº 9.656/1998. Ademais, em casos de incompatibilidade de normas, pelos critérios da especialidade e da cronologia, prevalece a lei especial nova. 5. Nos planos de saúde, é obrigatória apenas a cobertura de órteses, próteses e materiais especiais (OPME) sem a finalidade estética e que necessitem de cirurgia para serem colocados ou retirados, ou seja, que se qualifiquem como dispositivos médicos implantáveis, independentemente de se tratar de produto de alto custo ou não. 6. Para saber se uma prótese ou órtese está ligada ao ato cirúrgico e, portanto, coberta pelo plano de saúde, deve-se indagar se ela possui as seguintes características, inerentes aos dispositivos médicos implantáveis: (i) ser introduzida (total ou parcialmente) no corpo humano; (ii) ser necessário procedimento cirúrgico para essa introdução e (iii) permanecer no local onde foi introduzida, após o procedimento cirúrgico. 7. As próteses de substituição de membros, a exemplo das endo ou exoesqueléticas para desarticulação de joelho, transfemural ou transtibial, são não implantáveis, o que as tornam objeto de exclusão de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, pois não estão ligadas a ato cirúrgico. 8. Recurso especial provido. (BRASIL. STJ - REsp: 1673822 RJ 2015/0036739-2, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 15/03/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/05/2018).

O Poder Judiciário entende pela aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor nas demandas que versem acerca da prestação de saúde suplementar. Entretanto, não obstante esse entendimento, muitas decisões ainda têm colocado os direitos dos consumidores em grau superior em comparação ao que determina a ANS.

Esta prática, além de desrespeitosa à atuação da referida Agência, é também perigosa, pois a ANS possui um serviço voltado à proteção dos consumidores. Isto é, possui em seu canal oficial na rede mundial de computadores (https://www.ans.gov.br/) um espaço próprio para que os consumidores registrem reclamações acerca da atuação das operadoras, e as demandas, inclusive, são resolvidas de forma eficaz. Para Nilson do Rosário Costa (2008, p. 1457):

A intervenção normativa da ANS tem sido, assim, orientada para garantir o desenvolvimento de novos contratos que contemplem a eqüidade nas condições de cobertura, a extinção dos limites de internação, a proibição do aumento por faixa etária após 60 anos com dez anos de contribuição e a qualidade mínima nos padrões de atenção. O desenvolvimento da política governamental no mercado de seguro de saúde apresenta as características esperadas para as funções regulatórias [...].

Assim, como órgão regulamentador e fiscalizador, a ANS busca assegurar os direitos dos consumidores na seara da saúde suplementar, de modo que a ela também cabe imputar multas às OPS em caso de descumprimento da legislação específica, conforme segue prelecionando Nilson do Rosário Costa (2008, p. 1457):

O regime regulatório sob a égide da ANS tem gerado normas, padrões e sanções a empresas de planos privados de saúde que podem ser responsabilizados pela qualidade dos contratos, pela seleção do risco e pela adequação da administração financeira.

Por ser a criadora das leis que regem esta atividade específica, cabe à ANS fiscalizar eventuais descumprimentos de suas determinações, devendo o Código de Defesa do Consumidor surtir efeitos apenas de forma subsidiária, como a lei determina. Assim, não cabe afastar as normas regulamentadoras de saúde suplementar sob o argumento de aplicar a lei consumerista nos casos em que não há ilicitude por parte das operadoras nas negativas de atendimento, exames, procedimentos, entre outros.

2 OS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE E AS CLÁUSULAS LIMITADORAS DE DIREITO

As operadoras de planos de saúde - OPS atuam no mercado de forma suplementar àquela integral oferecida pelo Estado. Para tanto, seguem os ditames da Agência Nacional de Saúde Suplementar, que é responsável por regulamentar e fiscalizar a atividade das OPS.

Por esta razão, as operadoras, ao redigirem seus contratos, devem seguir às normas estabelecidas pela ANS, até por uma questão de segurança aos beneficiários. Entretanto, por ser uma atividade suplementar, ou seja, acessória, adicional, não tem o condão de ser prestada irrestritamente.

Respeitando à legislação que trata a sua atividade específica, os contratos redigidos pelas operadoras podem, e devem – a fim de garantir o equilíbrio econômico-financeiro das OPS, como se verá adiante -, conter cláusulas limitadoras de direito, estabelecendo os perímetros da contratação do seu produto pelos beneficiários.

2.1 A Lei 9.656 como orientadora das operadoras privadas de assistência à saúde

No Brasil, a prestação dos serviços de saúde está configurada dentro de um sistema constitucional que possibilita a coexistência de um sistema público e um sistema privado. Naquilo que se refere ao sistema de saúde público, a Lei nº 8.080/90 disciplina o seu funcionamento e a sua organização, garantindo o acesso universal e igualitário, aos cidadãos brasileiros e aos estrangeiros, mesmo que em trânsito pelo País, pelo que se verifica dos artigos 196 e 198 da CRFB/88.

Já a rede privada de assistência à saúde é prestada por entidades privadas, de forma adicional e facultativa aos serviços que já são fornecidos pelo Estado, atuando suplementarmente a estes. Neste sentido, o artigo 197 da CRFB/88 disciplina que:

São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 1988).

Não obstante seja o dever de prestar o direito à saúde primordial do Estado, houve delegação desta prestação às pessoas jurídicas de direito privado, com o fito de preencher a ineficiência e as limitações impostas pelo serviço público, devido ao seu orçamento limitado. Ou seja, as operadoras de planos de saúde prestarão serviços de forma suplementar ao serviço que já é oferecido pelo Estado, mas que não dispõe de eficiência satisfatória.

Para Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 7), “Trata-se de atividade econômica em sentido estrito, regida por princípios e regras de direito privado, sendo seu acesso garantido, tão somente, à parcela da população com renda para contratar tais serviços.”

No entanto, fato é que, mesmo prestada por setor privado, a saúde suplementar tem interesse relevante para a coletividade, e, por isso, está adstrita à fiscalização estatal. Não obstante as raízes deste serviço remontem à década de 1930, o ordenamento pátrio só incorporou normas próprias a ele relacionadas em 1998, com a edição da Lei dos Planos de Saúde, a lei nº 9.656/98.

A partir daí, torna-se mais factível o entendimento de que a delegação deste serviço público não ocorreu aleatoriamente, tendo o Estado se preocupado com a normatização pertinente. A lei dos planos de saúde é uma lei federal, de modo que merece observação no que se refere à atuação das empresas de plano de saúde no País, bem como as diversas normas e resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS.

A este respeito, a lei nº 9.961/00, que criou a ANS, atribuiu a esta Agência o dever de elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que deverão constituir referência básica para os ditames da lei nº 9.656/98. Atualmente, está em vigor a Resolução Normativa – RN nº 428, de 7 de novembro de 2017, a qual constitui referência básica para os fins do disposto lei supra indicada.

Ao editar suas resoluções normativas, a ANS procede a inúmeros estudos, inclusive com audiências públicas, nas quais são ouvidos diversos especialistas no assunto, buscando o equilíbrio entre os interesses dos usuários de plano da saúde, o fomento à concorrência entre as empresas do sistema e a própria viabilidade financeira dessas empresas, as quais, por óbvio, têm de viabilizar alguma lucratividade, sob pena de esvaziamento na exploração desse importante setor.

As resoluções da Agência estão embasadas em criteriosos estudos. A par disso, há que se observar que têm suas RN’s suporte de validade na lei e, como normas válidas, têm que ser observadas e aplicadas em harmonia com o restante do ordenamento jurídico.

Nessa perspectiva, faz-se razoável a edição de resoluções pela ANS, pois o setor de saúde suplementar, haja vista a dimensão do Brasil e suas diversidades regionais, é bastante complexo. Além disso, possui equilíbrio econômico-financeiro delicado, de modo que os instrumentos de regulação precisam ser utilizados pelo Estado com segurança e cautela. A imposição de limites à utilização dos serviços são instrumentos de regulação em constante mutação e atualização, devendo ser observados.

2.2 As normas de direito do consumidor e a limitação de direitos nos contratos de adesão

Os contratos são pactos formulados entre duas ou mais partes, com o fito de atender os seus interesses. Esses pactos devem observar ao que se chama de função social do contrato, prevista no Código Civil, em seu artigo 421, que disciplina: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.” (BRASIL, 2002). Para Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 26):

A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da ‘função social da propriedade’ previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes.

De fato, é objetivo da função social do contrato suprimir as desigualdades existentes entre os pólos da relação contratual, conforme elucida Gonçalves. Entretanto, necessário é o dever de atenção para não tornar este princípio um paternalismo injustificável, beneficiando sempre a parte hipossuficiente, assim como afirma Natanael Dantas Soares (2010, p. 459):

O maior equívoco com o conceito de função social é considerá-la sinônimo de assistência social, com o entendimento de que a interpretação dos contratos deve beneficiar sempre a parte hipossuficiente, numa forma de compensação, visão que se tem mostrado frequente nos processos administrativos e judiciais que discutem as relações de consumo.

Assim como ocorre com todos os ramos jurídicos, o Direito dos Contratos também possui seus princípios, ou seja, fundamentos gerais que fundamentam o sistema normativo próprio daquela área. Em síntese, são critérios que servem de diretrizes básicas para aplicação e interpretação de dado ordenamento jurídico.

Não obstante tenha cedido espaço para outros princípios do Direito, sendo aplicado de forma balizada, o princípio da pacta sunt servanda ainda delineia as relações contratuais, estando ligado à liberdade de contratar e à obrigatoriedade do contrato e de seus efeitos para os contratantes.

Este princípio, que leva no nome um brocardo latino, cuja livre tradução para o português significa “os pactos assumidos devem ser cumpridos”, define que o instrumento contratual faz lei entre as partes, ou seja, é uma norma, e, como norma, deve ser cumprida e respeitada, de modo que o não cumprimento das obrigações estabelecidas configura uma quebra de pacto e instaura um caos nas relações jurídicas contratuais. Nos dizeres de Maria Helena Diniz (2019, p. 47-48):

[...] as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. Isto é assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu. À idéia da autorregulamentação dos interesses dos contratantes, baseada no princípio da autonomia da vontade, sucede a da necessidade social de proteger a confiança de cada um deles na observância da avença estipulada, ou melhor, na subordinação à lex contractus. [...] Esse princípio da força obrigatória funda-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, desde que estipulado validamente (RT, 543:243, 478:93), com observância dos requisitos legais.

Frisa-se o teor deste princípio para fundamentar que os contratos assumidos, desde que legais e em conformidade com a legislação pátria, devem ser respeitados, até mesmo em suas cláusulas – não abusivas – que, por mais que não satisfaçam completamente a vontade de uma das partes, merecem atenção haja vista a sua anuência. Em harmonia com este entendimento, defende Orlando Gomes, (2019, p. 31):

O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória. Diz-se que é intangível, para significar-se a irretratabilidade do acordo de vontades. Nenhuma consideração de eqüidade justificaria a revogação unilateral do contrato ou a alteração de suas cláusulas, que somente se permitem mediante novo concurso de vontades. O contrato importa restrição voluntária da liberdade; cria vínculo do qual nenhuma das partes pode desligar-se sob o fundamento de que a execução a arruinará ou de que não o teria estabelecido se houvesse previsto a alteração radical das circunstâncias.

Assim, é para que as disposições contratuais, que criam lei entre as partes, não sejam revogadas por posterior inconformismo de uma das partes, que restringiu voluntariamente sua liberdade. De suma importância, também, para preservar o princípio da segurança jurídica, trazido no bojo da Constituição da República Federativa do Brasil. Isto porque, se o pacta sunt servanda não fosse observado, significaria uma fragilidade constante dos negócios jurídicos contratados no País.

Os princípios acima referidos têm observância obrigatória em todos os tipos de contrato, inclusive, na modalidade de adesão. É contrato de adesão, conforme Maria Helena Diniz (2014, p. 420):

[...] aquele em que a manifestação da vontade de uma das partes se reduz a mera anuência a uma proposta da outra, como nos ensina R. Limongi França. Opõe-se a ideia de contrato paritário, por inexistir a liberdade de convenção, visto que exclui qualquer possibilidade de debate e transigência entre as partes, pois um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro [...], aderindo a uma situação contratual já definida em todos os seus termos [...].

A lei consumerista traz, no caput do seu artigo 54, a definição desta modalidade contratual, que delineia toda a interpretação hermenêutica a ela vinculada, senão, veja-se: “Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.” (BRASIL, 1990).

Assim, entende-se por contrato de adesão aquele cujo teor está pré-determinado, geralmente por grandes empresas, dirigidos a uma relação de consumo, na qual uma das partes tem poderio econômico superior à outra, sendo o consumidor, adquirente do serviço, hipossuficiente técnico na contratação.

Os contratos de adesão não possuem uma natureza jurídica distinta dos demais contratos, sendo, na verdade, uma modalidade diferente de contratação, dirigida à massa, ou seja, a um grupo de pessoas que se vejam interessadas no objeto de contratação. Nesta modalidade, apenas a parte proponente estabelece as cláusulas e as condições, com redação unilateral, cabendo a outra parte, se for do seu interesse, manifestar anuência. É o que diz Washington de Barros Monteiro (2014, p. 54):

Contratos de adesão – No tipo tradicional de contrato, as partes discutem ampla e livremente suas cláusulas, aceitando-as ou não. Existe, porém, outra categoria contratual, em que não ocorre tal liberdade, devido à preponderância de um dos contratantes, que, por assim dizer, impõe ao outro sua vontade. Compreendem essa categoria os chamados contratos de adesão.

Perguntou-se, por isso, se neles haveria realmente contrato, não faltando quem o contestasse; mas, tal concepção, como adverte JOSSERAND, foi geralmente repelida; os contratos de adesão são, de fato, verdadeiros contratos.

Com efeito, a lei não exige prévia negociação ou confabulação entre as partes; ela não impõe o livre debate ou regateio das cláusulas contratuais, ela não reclama perfeito acordo de vontades, no sentido comum da palavra. Contenta-se com o simples consenso. A igualdade econômica e a igualdade verbal não são condições para a validade dos contratos; basta a igualdade jurídica.

Nos contratos de adesão, de que é típico exemplo o contrato de transporte, inexiste liberdade de convenção, nele se exclui qualquer discussão entre as partes.

Há, neles, uma espécie de contrato – regulamento, previamente redigido por uma das partes, e que a outra aceita, ou não; trata-se de um cliché contratual, segundo as normas de rigorosa estandardização, elaborado em série; se a outra parte se submete, vem a aceitar-lhe as disposições, não pode mais tarde fugir ao respectivo cumprimento.  

O autor defende que esta modalidade contratual é igual a qualquer outra, merecendo observação às suas disposições. Não há uma liberdade de convenção, mas há uma liberdade para contratar ou não. Uma vez que aceita o consumidor os ditames ali delineados, não há porque se admitir descumprimento futuro.

Devido à hipossuficiência da qual se revestem os consumidores, o CDC dispõe normas especialmente voltadas à proteção dos contratantes no que se refere à redação dos instrumentos de adesão, visando impedir que o beneficiário dos produtos contratados tenha desvantagem.

No entanto, fato de a legislação buscar igualar os dois polos da relação consumerista, impedindo que um obtenha desvantagem em face do outro, não significa impedir o redator do contrato de elaborar cláusulas limitadoras de sua atuação, muito menos, obrigar ao contratado o fornecimento irrestrito das atividades do ramo ao qual se propõe prestar.

As chamadas cláusulas limitadoras de direito possuem legalidade e muito se diferem das abusivas. Isto é, não é porque o contrato possui limitações de atuação que está agindo o seu redator com vantagem em cima de quem o contrata. Por cláusulas abusivas disciplina a legislação, nos termos do art. 6º, §5º, do CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

[...] (BRASIL, 1990).

O que a legislação veda são cláusulas que ponham o consumidor em situação de desvantagem, que lhe obriguem a prestações desproporcionais ou que lhe onerem excessivamente. O cumprimento de cláusulas limitadoras de direito, por si só, não é justo motivo para caracterização de abusividade, uma vez que não é obrigação da empresa ou de quem seja o contratado o cumprimento irrestrito de atividades.

Nos casos de cláusulas que limitam direitos, o Código de Defesa do Consumidor exige que estas sejam redigidas de maneira especial, de modo a ter destaques que permitam ao consumidor observar, no momento da contratação, as condições que lhe são impostas, e, em obediência ao princípio da liberdade de contratar, optar, ou não, pela anuência do instrumento contratual. A redação precisa ser clara, direta, de fácil leitura e compreensão.

O parágrafo 3º do artigo 54 do CDC determina que “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.” (BRASIL, 1990).

A exigência legal, portanto, é no sentido de tornar a leitura de fácil entendimento para o homem médio, o consumidor, partindo do pressuposto de que este é sempre hipossuficiente técnico na relação consumerista, por não possuir o conhecimento específico da matéria contratada.

Já no que se refere às cláusulas limitadoras de direito, cuja possibilidade de existência pelo ordenamento jurídico já foi demonstrada, o parágrafo 4º do mesmo artigo assim dispõe: “As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.” (BRASIL, 1990).

 Perceba-se, portanto, que o legislador não tratou com abusividade, muito menos com ilegalidade, as cláusulas restritivas, apenas impôs condições para a sua celebração, quais sejam, aquelas previstas pelo Código de Defesa do Consumidor. Havendo obediência aos preceitos normativos vigentes, não há porque, em atenção ao pacta sunt servanda e à segurança jurídica, não atender ao determinante nos dispositivos contratuais.

2.3 As cláusulas limitadoras de direito nos contratos de plano de saúde

Uma vez esclarecida a legalidade das cláusulas restritivas de direito nos contratos de adesão, impõe-se o estudo dessas cláusulas nos instrumentos contratuais de plano de saúde. De início, faz-se necessário elucidar o que são estes contratos, assim definidos nos dizeres de Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 167):

Podemos conceituar o contrato de plano privado de assistência à saúde como o pacto celebrado entre a entidade e o beneficiário, no qual este se obriga ao pagamento de contraprestação pecuniária e periódica, ainda que de forma indireta, sob forma de benefício salarial, ao passo que aquele se obriga a disponibilizar atendimento em rede médica específica, bem como a arcar com o ônus financeiro, tão somente, nas hipóteses em que ocorram eventuais enfermidades contratualmente cobertas.

O doutrinador é bem enfático ao afirmar que o contrato é um pacto em que a operadora de plano de saúde deve arcar com os ônus financeiros apenas nas hipóteses contratualmente cobertas. A este respeito, há que se analisar aquilo que se denomina de “cobertura assistencial”. Para Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 173):

A cobertura assistencial é a denominação dada ao conjunto de direitos (tratamentos, serviços, procedimentos médicos, hospitalares e/ou odontológicos) a que o usuário faz jus pela contratação de um plano de saúde. Independente da forma de contratação (individual ou coletivo), é obrigatório constar de forma clara no contrato a cobertura assistencial que está sendo oferecida.

Assim, depreende-se que nada obriga o plano de saúde a fornecer procedimentos de maneira irrestrita. O que é de sua competência fornecer deve constar no instrumento contratual firmado, não lhe sendo vedado, no entanto, por mera liberalidade, ofertar a mais que o previsto em contrato, nunca a menos.

Quanto ao entendimento de que nos contratos de planos de saúde é lícita a inclusão de normas limitativas de direito, diversos são os tribunais brasileiros que já se posicionaram acerca. Principalmente, na decisão que abaixo se transcreve, de um juizado especial cível de Porto Alegre - RS, quanto ao fato de que as operadoras são meras executoras de um serviço público, que atuam de maneira apenas complementar a este. Veja-se:

Os planos de saúde [...] são todos eles o preenchimento de uma lacuna pela inoperância e falha dos poderes públicos, a quem constitucionalmente incumbe a garantia da população de acesso à saúde. [...] É a omissão das entidades estatais que gera o aparecimento no mercado de todos esses tipos de planos de previdência privada e aqueles que têm possibilidade de contratar esse tipo de seguro saúde não são apenas a quem o Estado poderia furtar-se, pela capacidade econômica. Contribui-se para Instituto Público de Previdência, mas de desembolsa paralelamente [...] outro tanto porque não se tem da entidade oficial o retorno que ela deve. Não vejo como, no plano da contratação privada, impedir que ela seja contratualmente delimitada. O seguro de forma totalmente aleatória é dever do poder público, mas não é possível impô-lo a uma entidade privada, pena de reforçá-la a optar entre a cobrança de preço proibitivo à maioria da população, ou ser mais um caso de estelionato contra a economia popular, pela prévia condenação à falência da entidade no planejamento de um plano dessa espécie. O custo não pode deixar de ser calculado pela ciência atuarial, que indicará o equilíbrio possível do sistema. Não vejo como impedir, por exemplo, que uma entidade desta, com pleno esclarecimento do contratante, restrinja o atendimento a um tipo de serviço ou área da medicina. (RIO GRANDE DO SUL, Processo nº 2.446/93, Juizado Especial Cível de Porto Alegre/RS, julgado em 28.04.94).

Para definir o que será de cobertura obrigatória, as operadoras privadas de assistência à saúde levam em consideração o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, editado pela ANS, como já explanado. Em 2 de janeiro de 2018, entrou em vigor a Resolução Normativa nº 428, que atualizou o Rol atualmente vigente. Em seu sítio eletrônico, a Agência Nacional de Saúde Suplementar esclarece:

O Rol é obrigatório para todos os planos de saúde contratados a partir da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, os chamados planos novos, ou aqueles que foram adaptados à lei. A lista de procedimentos é atualizada a cada dois anos para garantir o acesso ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento das doenças através de técnicas que possibilitem o melhor resultado em saúde, sempre obedecendo a critérios científicos comprovados de segurança, eficiência e efetividade.

A atualização do Rol é um avanço importante para os beneficiários de planos de saúde e os critérios de revisão devem estar em constante evolução. Os procedimentos incorporados são aqueles nos quais os ganhos coletivos e os resultados clínicos são mais relevantes para os pacientes. Todavia, a inclusão de tecnologias é sempre precedida de avaliação criteriosa, alinhada com a política nacional de saúde, e contempla, além das evidências científicas, a necessidade social e a disponibilidade de recursos. A decisão pela inclusão também leva em consideração a prevalência de doenças na população. (BRASIL, 2018).

Isto é dizer, os procedimentos e eventos ali delineados não são postos apenas ao bel-prazer, mas há todo um estudo de incidência de doenças e de procedimentos eficazes para garantir o melhor proveito dos beneficiários deste serviço. O consumidor, ao contratar um plano de saúde, está ciente que a cobertura oferecida é a que está disposta no referido Rol, tendo, usualmente, nestes contratos, cláusulas especificando os liames da contratação. Neste sentido, também, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, nos contratos de plano de saúde, são legais as cláusulas limitadoras de direito:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO DE DIREITOS. ADMISSIBILIDADE.

Os contratos de adesão são permitidos em lei. O Código de Defesa do Consumidor impõe, tão-somente, que ‘as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. ’

Destarte, ainda que se deva, em princípio, dar interpretação favorável ao adquirente de plano de saúde, não há como impor-se responsabilidade por cobertura que, por cláusula expressa e de fácil verificação, tenha sido excluída do contrato. (BRASIL. STJ - REsp: 319707 SP 2001/0047428-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 07/11/2002, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28.04.2003 p. 198).

Outrossim, há que se mencionar, ainda, o mais recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no que se refere à taxatividade do Rol definido pela ANS. Isto porque, anteriormente, muito se discutia sobre o axaurimento ou não do referido rol, uma vez que ele define a cobertura mínima a ser custeada pelas operadoras. Não obstante houvesse entendimento de alguns tribunais de que a mencionada lista seria apenas exemplificativa, não podendo o plano de saúde se furtar de fornecer tratamento que lá não estivesse previsto, assim tem entendido o STJ:

PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. AGRAVO INTERNO. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO EXEMPLIFICATIVO. IMPOSSIBILIDADE. TERAPIA OCUPACIONAL PEDIASUIT. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. IMPOSIÇÃO DE CUSTEIO. INVIABILIDADE. PRÓTESES OU ÓRTESES NÃO LIGADAS A ATO CIRÚRGICO. EXPRESSA EXCLUSÃO LEGAL DO FORNECIMENTO. 1. Consoante entendimento perfilhado por este Colegiado, por clara opção do legislador se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n.9.961/2000, a atribuição da ANS de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n.439/2018 da Autarquia, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde (REsp 1733013/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2019, Dje 20/02/2020). 2. Nesse precedente, salientou-se não ser correto afirmar ser abusiva a exclusão do custeio dos meios e dos materiais necessários ao tratamento indicado pelo médico assistente que não estejam no rol da ANS ou no conteúdo contratual, diante dos seguintes dispositivos legais da lei de regência da saúde suplementar (Lei n. 9.656/1998): a) art. 10, § 4º, que prescreve a instituição do plano-referência, "respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12", com "amplitude das coberturas" "definida por normas editadas pela ANS"; b) art. 12, que estabelece serem facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º dessa Lei, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência mencionado no art. 10; c) art. 16, VI, o qual determina que dos contratos, dos regulamentos ou das condições gerais dos produtos de que cuidam o inciso I e o § 1º do art. 1º dessa Lei devem constar os eventos cobertos e os excluídos. 3. Como observado pela Corte local, estabelece o art. 10, VII, da Lei n. 9.656/1998 que as operadoras de planos de saúde não têm a obrigação de arcar com próteses e órteses e seus acessórios não ligados a ato cirúrgico. É "lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de órteses e próteses não ligadas ao ato cirúrgico ou aquelas sem fins reparadores, já que as operadoras de planos de assistência à saúde estão obrigadas a custear tão só os dispositivos médicos que possuam relação direta com o procedimento assistencial a ser realizado (art. 10, II e VII, da Lei nº 9.656/1998)" (REsp 1673822/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 11/05/2018). 4. Agravo interno não provido. (BRASIL. STJ - REsp: 1848717 MT 2019/0341829-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/06/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 18.06.2020).

O julgado acima mencionado mantém consonância com outra importante e recente decisão, também da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE. [...] 4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas. 5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. [...] 8. Recurso especial não provido. (BRASIL. STJ - REsp: 1733013 PR 2018/0074061-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 10/12/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 20.02.2020).

Não obstante sejam os contratantes de plano de saúde titulares de direito, há que se ter cautela para que esse direito não exceda à esfera da legalidade e da boa-fé. Isto é, as cláusulas limitadoras de direito servem, justamente, para definir as rédeas dessas garantias das quais gozam os contratantes. A este respeito, afirma Jaqueline Resende Candido Mello (2016, s.p.):

Especialmente nos contratos de planos de saúde, o consumidor não pode ser visto como um sujeito que tudo pode, nem as operadoras que tudo devem garantir. Aquele que requer cumprimento de obrigação não existente no contrato está contrariando o que preceitua a função social do contrato pois, conforme ditame legal, também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Isto posto, uma vez que o próprio Código do Consumidor não veda tal prática, em consonância com a ANS, que define os procedimentos cujas operadoras estão obrigadas a fornecer, não há que se falar em abusividade das cláusulas que limitam direitos, principalmente, porque redigidas nos moldes padrões indicados pela norma consumerista, e admitir-se o contrário seria concordar com a contrariedade da função social do contrato.

3 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A PROTEÇÃO AOS CONSUMIDORES

O art. 6º da Lei Constitucional vigente consagra a saúde como um direito social, o que demonstra que, para o constituinte, está no patamar mais elevado dos direitos a serem garantidos, merecendo todos os esforços por parte do Estado para efetivar a sua prestação. Ocorre, entretanto, que o orçamento público é limitado e, por isso, percebe-se que houve uma permissão por parte da Constituição Federal para que entes privados forneçam os serviços em comento, suplementarmente.

Não obstante tenha havido essa concessão, o orçamento privado também possui suas limitações, de sorte que obrigar as operadoras de plano de saúde a concederem todos os serviços de que necessitam os beneficiários, até mesmo aqueles que extrapolem os limites contratuais, configura um risco à viabilidade de manutenção e permanência de sua atividade.

3.1 A judicialização da saúde e a escassez de recursos do Estado

Sabe-se que, constitucionalmente, há direitos de diferentes gerações, de acordo com sua natureza jurídica. Os de primeira geração, ligados intrinsecamente às liberdades individuais dos cidadãos, surgiu, como diz Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 84), quando da queda das monarquias absolutistas.

Por sua vez, os de segunda geração, conforme prossegue afirmando o autor, dizem respeito àqueles cujo objetivo é reduzir as desigualdades sociais, com o fito de assegurar a dignidade da existência humana, por meio da prática de condutas positivas por parte do Estado. É aí que se enquadra o direito à saúde.

Entretanto, é cediço o precário valor dado pelo Poder Público aos ditames do artigo 196 da CRFB/88, que garante ser a saúde direito de todos e dever do Estado. Boa parte desta desvalorização diz respeito déficit orçamentário do País e à sua precária distribuição de recursos.

Os problemas referentes à saúde pública são diversos. Não obstante a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, regido pela Lei 8.080/90, tenha alavancado os serviços de saúde no Brasil e seja este sistema um dos mais bem sucedidos do mundo (LOTT, 2018), ainda são muitos os desafios a serem enfrentados para que este serviço seja prestado com satisfação. Leonardo Vizeu Figueiredo (2012, p. 89-90) critica:

Todavia, apesar de a Constituição da República estabelecer, em seu art. 196, que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado’, tal preceito revela-se, até́ hoje, como norma meramente compromissória, uma vez que não existem políticas que destinem recursos suficientes para viabilizar esse preceito. Nos últimos anos, um triste quadro de iniquidades se faz presente em terras brasileiras, tendo em vista que a rede pública de hospitais federais, estaduais e municipais vem sendo submetida a um processo de sucateamento e de deterioração acelerada por motivos diversos, entre eles: escassos recursos orçamentários para custeio de operações e novos investimentos; desvalorização do servidor público; falta de medicamentos e materiais; aumento da demanda devido à expansão da população urbana e do atendimento aos contingentes rurais antes excluídos; falta de políticas e de políticos sérios, realmente comprometidos com os interesses da nação e com as necessidades da população, dentre outros.

Ante aos problemas apresentados, as operadoras privadas se inserem neste cenário, a fim de desonerar o Estado, fornecendo os serviços de saúde de modo suplementar, e, aliado a isso, fornecendo atendimento de qualidade e com satisfação. Ainda assim, é pequeno o percentual da população com renda para contratar um plano de saúde particular, demandando a maioria da população dos serviços públicos. Daí decorre o problema central da judicialização do serviço. Por judicialização, entende Luís Roberto Barroso (2016, p.384):

Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo.

A judicialização busca efetivar, frente ao Poder Judiciário, algo que o Legislativo ou o Executivo, por si só, não efetivaram ou, até mesmo, não garantiram, por não haver algum tipo de previsão. É, em síntese, um “pedido de socorro” ao Judiciário de questões controversas cuja decisão vincula o próprio Estado.

Ocorre que o fato de uma tutela jurisdicional conceder o pleito de um cidadão, é onerar excessivamente o Estado importando que ele já não tenha recursos para atender a diversos outros contribuintes. A este respeito, afirmam Milton Augusto de Brito Nobre e Ricardo Augusto Dias da Silva (2011, p. 106):

Essa parece ser uma parcela importante, porém negligenciada da realidade. O modelo que temos de controle individual do autor e uma certa invisibilidade para as questões, também individuais, daqueles que possam ser privados dos recursos que, necessários para a satisfação de suas pretensões, serão consumidos para atender as do autor. O exemplo mais breve que se pode dar seria o de uma decisão judicial determinando o atendimento imediato de um paciente para fins de transplante, preterindo outros que poderiam ter preferência pelos critérios oficiais.

Isto quer dizer que, à medida que alguns cidadãos ganham prioridade por esta judicialização, outros são preteridos e esquecidos, de modo que a verba tida pelo Estado, que poderia ser usada para tratar diversos indivíduos, foi utilizada para o tratamento de apenas um. Seguem os mesmos autores elucidando que:

Ao passo que o autor tem nome, sobrenome, CPF e rosto, os ‘não atendidos’ são desconhecidos nos autos, estão escondidos atrás de ‘tapumes’ pouco atraentes como ‘Estado’, ‘orçamento’, ‘finanças públicas’.

Nosso modelo atual permite uma indução ao dilema do prisioneiro, pondo ao nível do julgador uma opção coletiva irracional. Cabe ao modelo de ação induzir a que as melhores escolhas individuais sejam aquelas mais adequadas a que o ponto ótimo coletivo seja alcançado.

Olhando para o todo e não para uma situação em concreto, parece evidente que o Judiciário não é o mais preparado nem o mero somatório de ações individuais é o melhor método para a alocação dos recursos ligados à saúde. (NOBRE; SILVA, 2011, p. 106).

Atrelado a isto, é a chamada “reserva do possível”, defensora de que os recursos são limitados, inclusive os do Estado, a quem cabe garantir irrestritamente os serviços de saúde, de modo que a prestação dos direitos fundamentais deve ser observada pelo viés possibilidade e disposição. A este respeito:

A reserva do possível constitui, em verdade (considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direitos, quando se cuidar da invocação – observados sempre os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental. (SARLET; SAAVEDRA, 2017, p. 262).

A partir da proporcionalidade buscada, a fim de garantir o mínimo existencial, a garantia de procedimentos e medicamentos pela via judicial deve ser algo que auxilie às necessidades da população, mas é bastante tênue a linha que separa essa benevolência dos prejuízos que podem advir dessa prática. Conforme Carlos Francisco Oliveira Nunes e Alberto Novaes Ramos Júnior (2016, p. 197):

Sobre a questão do perfil dos bens requeridos e os altos custos, ressalta-se que o impacto financeiro se torna ainda mais grave porque, aliado ao custo dos medicamentos, há também superelevação dos preços por aquisição não programada. Urge avaliar, sob a ótica do setor saúde, com base em evidências, integrada à perspectiva do direito e da gestão financeira, se os bens requeridos devem ser incorporados aos protocolos da política pública. Trata-se de uma medida para se colherem os bons frutos que a judicialização tem potencial para ofertar, rejeitando-a naquilo que é danosa.

Por esta linha de raciocínio, Maria Sylvia Zanella di Pietro (2015, p. 4) alerta para o fato de que a judicialização da saúde pode gerar uma concessão por parte dos magistrados que, ao mesmo passo que concede um direito individual, desprotege um direito coletivo. Nesses casos, “o juiz se substitui ao Legislativo e ao Executivo na implementação de políticas públicas, concentrando em suas mãos uma parcela de cada um dos três Poderes do Estado, com sérios riscos para o Estado de Direito e para a segurança jurídica.”

A atenção integral de saúde pelo Estado aos cidadãos encontra óbice em diversos fatores, como a precariedade de instalações, falta de medicamentos e orçamento, e não há como se falar em melhora dessa situação enquanto o Judiciário, sem levar em consideração que há muitos outros pacientes que estão em fila de espera do SUS, talvez, em situação de saúde pior que a do indivíduo que recorreu ao Judiciário.

3.2 A restrita garantia financeira das operadoras de plano de saúde

Muito próximo ao que acontece na judicialização da saúde estatal é o cenário da saúde suplementar em juízo. Consumidores deste serviço pagam pela sua prestação, nos moldes do contrato e da legislação aplicável à matéria, mas não admitem quando há negativa de procedimentos não cobertos, ou seja, não contratados, recorrendo ao Judiciário.

No entanto, há que se levar em consideração a natureza privada das operadoras de plano de saúde, que dependem, para o efetivo fornecimento de seus serviços, da contraprestação paga pelos beneficiários contratantes. Estes estão cientes, quando da contratação, da limitação da prestação de serviços das OPS, que possuem cláusulas restritivas, delimitando os liames de sua atuação. Neste sentido, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu:

CIVIL. SEGURIDADE PRIVADA. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO. CLÁUSULAS RESTRITIVAS. INEXISTÊNCIA, À ÉPOCA, DE NORMAS LEGAIS IMPEDITIVAS DE LIMITAÇÕES EM INTERNAÇÃO HOSPITALAR. VALIDADE. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO.

Constitui dever do Estado proporcionar amplo e eficaz atendimento à população na área da saúde, nos termos e na forma estabelecida na legislação em vigor, custeada por intermédio de impostos e contribuições fiscais. De outra parte, a seguridade privada, proporcionada mediante participação voluntária em planos de saúde oferecidos pela rede particular, há que se conformar às regras do contrato, porquanto tais serviços são resultado de uma contraprestação financeira necessária ao equilíbrio econômico da avença, viabilizadora da própria higidez                                                                                                                                                                                                                                                           e continuidade da assistência em comento. Destarte, salvo as hipóteses expressamente vedadas em lei ou regulamentos baixados para o setor, à época da contratação inexistentes a respeito, válidas são as limitações impostas nos contratos aos limites de internação, se a opção espontânea do contratante se fez por plano de menor custeio, em comparação com outros, da mesma ou de outras entidades, mais abrangentes. Recurso especial conhecido pela divergência e provido. (BRASIL, STJ - REsp: 242550 SP 1999/0115693-9, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 02/03/2000, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 18.02.2002 p. 449).

O STJ – Superior Tribunal de Justiça já alertava que os serviços dos planos privados dependem de uma contraprestação financeira do contratante, que gera o equilíbrio econômico-financeiro de que tanto necessitam as operadoras, sob pena de inviabilidade de atuação de seus serviços. Por equilíbrio econômico-financeiro, entende José dos Santos Carvalho Filho (2019, p. 204):

Equação econômico-financeira do contrato é a relação de adequação entre o objeto e o preço, que deve estar presente ao momento em que se firma o ajuste. Quando é celebrado qualquer contrato, inclusive o administrativo, as partes se colocam diante de uma linha de equilíbrio que liga a atividade contratada ao encargo financeiro correspondente. Mesmo podendo haver certa variação nessa linha, o certo é que no contrato é necessária a referida relação de adequação. Sem ela, pode dizer-se, sequer haveria o interesse dos contratantes no que se refere ao objeto do ajuste.

Assim acontece para que a parte contratada, no caso, as operadoras de plano de saúde, possa ter fundos suficientes para arcar com seus compromissos frente aos contratantes. É dizer, garantir procedimentos não cobertos pelo contrato para alguns beneficiários em específico é onerar demasiadamente o mesmo contrato para outros. Neste sentido:

[...] o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de plano de saúde não corresponde necessariamente à relação estabelecida entre a cobertura de serviços ofertada pela Operadora e a retribuição paga apenas pelo contratante. Corresponde, em verdade, à relação estabelecida entre a cobertura de serviços ofertada pela Operadora e a retribuição paga por todos os contratantes. Afinal, o valor que a Operadora terá de despender para custear eventual tratamento de um usuário será pago, rigorosamente, pelas contribuições de todos. (EHRHARDT JÚNIOR; NUNES; PORTO, 2016, p. 89).

É certo que as contribuições são pagas por todos e, uma vez onerando demasiadamente um dos polos da relação contratual, a quebra financeira é uma possibilidade patente. Os autores seguem elucidando ainda que o desequilíbrio financeiro gerado pela forçosa quebra contratual pode prejudicar, inclusive, a massa toda de beneficiários, nos seguintes termos:

A partir de um cálculo atuarial preciso, cada consumidor deverá arcar com contraprestação condizente com seu risco e o plano disporá, assim, de grandes chances de custear o tratamento de todos aqueles que vierem a necessitar dele. Entretanto, um desequilíbrio contratual, seja por inadimplência do consumidor ou por alteração contratual cogente, prejudicará não apenas a Operadora do Plano de Saúde. Como o pagamento dos custos operacionais, o lucro e o próprio tratamento dos demais clientes advêm todos do mesmo fundo monetário, todos seriam prejudicados pelo desequilíbrio causado por um, reflexo direto do mutualismo inerente a essa espécie contratual. (EHRHARDT JÚNIOR; NUNES; PORTO, 2016, p. 90).

Ademais, nota-se que, nas decisões judiciais de uma maneira geral, a respeito da matéria de saúde privada, o fundamento para a concessão do pleito, mesmo que signifique admitir a quebra do contrato, é o direito à vida, à dignidade e à saúde, todos previstos pela Constituição Federal. É essa sensibilização dos magistrados, muitas vezes, a responsável pelo desequilíbrio financeiro das operadoras. A este respeito, critica Jaqueline Resende Candido Mello (2016, s.p.):

[...] essas decisões ignoram as peculiaridades do contrato sub judice e podem comprometer o equilíbrio contratual das operadoras além de, indiretamente, provocar a elevação dos preços dos serviços, que afeta toda a classe de consumidores. É mister cumprir o que dispõe a lei e o contrato, mesmo que na análise do caso concreto o juiz identifique que o requerente, sob a ótica médica, necessite do tratamento solicitado e negado pela operadora de planos de saúde. Impor à operadora obrigação além das existentes no contrato contraria o avençado e afeta seu equilíbrio econômico-financeiro, o que pode causar prejuízo a centenas de outros beneficiários. A harmonia das cláusulas contratuais deve ser observada de maneira a preservar o equilíbrio contratual e, mais que isso, para manter a higidez do sistema de saúde suplementar, que é de interesse coletivo.

Depreende-se que o setor de saúde suplementar corre sérios riscos financeiros, dado o desequilíbrio da aplicação de penalidades judiciais, de sorte que se faz mister a hermenêutica contratual do ramo com base na legislação vigente, com o fito de não onerar demasiadamente nenhum dos pólos da relação contratual.

3.3 O entendimento do Poder Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará acerca da matéria

Dada a conjuntura atual do sistema Judiciário brasileiro, ainda se vê muito do “paternalismo” do qual se falou nos capítulos anteriores. Em análise jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, percebe-se que não vai contra a corrente do restante do País. De uma maneira geral, os juízes têm considerado abusivas as cláusulas limitadoras de direito e excludentes de cobertura contratual no que se refere aos planos de saúde. A título de exemplo, perceba-se:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. [...] CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE NÃO REGULAMENTADO PELA LEI 9.656/98. [...] NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA RESTRITIVA. [...] PRECEDENTES DESTE TJ-CE. CONFIRMAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA ANTECIPADA. [...] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. [...] No presente caso, o contrato de adesão foi firmado entre as partes no ano de 1995. Independentemente de o pacto celebrado não ser regulamentado pela Lei nº 9.656/98, suas cláusulas contratuais devem observar o ordenamento jurídico estabelecido pela legislação consumerista. [...] é abusiva a negativa de cobertura do tratamento de que necessita o paciente pela operadora do plano de saúde, com base nas disposições do Código de Defesa do Consumidor. [...] ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso para dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Relatora. DESEMBARGADORA LIRA RAMOS DE OLIVEIRA Relatora (CEARÁ. TJ-CE - APL: 00719882720098060001 CE 0071988-27.2009.8.06.0001, Relator: LIRA RAMOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 26/06/2019, 3ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2019).

No caso acima, a 3ª Câmara de Direito Privado entendeu por bem deferir o tratamento do qual necessitava a parte promovente, não obstante esta cobertura estivesse expressamente excluída, assim como o contrato fosse da modalidade não regulamentada pela Lei 9.656/98. É que os contratos firmados nesta modalidade, conforme elucidado anteriormente, são aqueles cuja celebração ocorreu antes da entrada em vigor da aludida Lei. Nestes casos, a cobertura deve ser exatamente a que está prevista em contrato, não havendo que se falar em qualquer espécie de interpretação extensiva.

Assim, uma vez que já há decisão da Suprema Corte a este respeito, não haveria o porquê de o Tribunal de Justiça do Ceará estender a cobertura contratual para tomar como base a da Lei 9.656/98, já que, pela Constituição Federal vigente, não há que se obrigar alguém a fazer algo, senão em virtude de lei.

Ainda, agora no que se refere à aplicação do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, aquele definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, a inclinação do Tribunal de Justiça do Ceará é de reconhecê-lo como meramente exemplificativo, não sendo taxativo nem exaustivo. Veja-se a seguinte decisão:

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO A PACIENTE NA PRIMEIRA INFÂNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA DO PLANO DE SAÚDE. ROL DA ANS APRESENTA O MÍNIMO DE COBERTURA QUE DEVE SER OFERECIDO PELO PLANO DE SAÚDE. [...] 1. Primeiramente, em vista da excepcional situação verificada no caso concreto, conforme assinalado na justificativa médica, a jurisprudência sedimentada na Corte Cidadã é no sentido de que, a despeito das limitações previstas nos normativos da ANS, tal como assinalado pela apelante, tais restrições encerram caráter abusivo quando excluírem, da cobertura da operadora de saúde, o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano. Precedentes. 2. Ademais, não é esperado que as indicações da ANS, que são precedidas de burocráticos trâmites administrativos, acompanhem a rápida evolução técnica e científica da medicina sem uma defasagem de tempo. De igual sorte, é evidente que não pode o paciente, com tratamento indicado por médico especializado, ficar a descoberto, por conta da alegada ausência de indicação do procedimento por órgãos oficiais. [...] ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0134558-39.2015.8.06.0001, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 09 de abril de 2019. DESEMBARGADOR FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR DURVAL AIRES Relator PROCURADOR DE JUSTIÇA (CEARÁ. TJ-CE - APL: 01345583920158060001 CE 0134558-39.2015.8.06.0001, Relator: DURVAL AIRES FILHO, Data de Julgamento: 09/04/2019, 4ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 09/04/2019).

A decisão acima transcrita tomou por parâmetro o fundamento de que o paciente não pode ficar descoberto em razão de um rol definido pela ANS que não preveja o tratamento requerido por médico. O que parece esquecer o Tribunal, no entanto, é que o dever de prestar a saúde de forma ilimitada é do Estado. As operadoras privadas, por sua vez, fornecem os serviços no molde da legislação que as obriga, o que faz parecer equivocado o entendimento invocado à ementa, ainda que seja este o sedimentado pelas cortes pátrias.  Outra decisão, no mesmo sentido do julgado anterior, foi proferida recentemente, em outubro de 2019, acatando a tese de abuso de direito quando o plano de saúde nega procedimentos não contratados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO VERGASTADA QUE DEFERIU O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA COMPELIR A UNIMED A FORNECER E CUSTEAR PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS, A EXEMPLO, DERMOLIPECTOMIA DIÁSTESE DOS RETOS ABDOMINAIS, RECONSTRUÇÃO DA MAMA COM PRÓTESE E OUTROS, INDICADOS E REQUISITADOS PELO MÉDICO ASSISTENTE. ARGUMENTO DE NÃO PREVISÃO NO ROL DA ANS. NEGATIIVA ABUSIVA. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO INVERSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade em conhecer do recurso de Agravo de Instrumento para lhe negar provimento, nos termos do voto do relator. MARIA VILAUBA FAUSTO LOPES Presidente do Órgão Julgador Exmo. Sr. JUCID PEIXOTO DO AMARAL Relator (CEARÁ. TJ-CE - AI: 06260458620198060000 CE 0626045-86.2019.8.06.0000, Relator: JUCID PEIXOTO DO AMARAL, Data de Julgamento: 09/10/2019, 3ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 09/10/2019).

 Para o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, portanto, parece ter sido sedimentado o entendimento de que o Rol da ANS não é exauriente. No entanto, há casos em que os colegiados entendem pela legalidade das cláusulas restritivas, como é o caso do procedimento de fertilização in vitro:

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. FERTILIZAÇÃO IN VITRO. EXCLUSÃO DA COBERTURA DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL E FERTILIZAÇÃO IN VITRO. NÃO ABUSIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DESTE TRIBUNAL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. [...] A jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça entende não ser abusiva a cláusula contratual prevista nos contratos de plano de saúde que exclui a cobertura de inseminação artificial e fertilização in vitro. 4. O posicionamento majoritário deste Tribunal considera não ser abusiva a conduta do plano de saúde de negar os procedimentos de fertilização in vitro e inseminação artificial aos consumidores. 5. Os argumentos levantados pelos recorrentes não devem ser acolhidos, eis que a cobertura da inseminação artificial, em cujo conceito se insere a fertilização in vitro, está expressamente excluída do rol de procedimentos obrigatórios preconizados no art. 10 da Lei nº 9.656/1998, combinado com inc. III,do § 1º, do art. 20 da Resolução Normativa 428/2017, da Agência Nacional de Saúde. 6. Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 4ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer o recurso para NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Desembargador Relator. Fortaleza, 6 de agosto de 2019. FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS Relator (CEARÁ. TJ-CE - APL: 01326801120178060001 CE 0132680-11.2017.8.06.0001, Relator: RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS, Data de Julgamento: 06/08/2019, 4ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 06/08/2019).

Outra situação na qual o entendimento do TJCE é o de permitir a cláusula limitadora de direito é quando o procedimento pleiteado é realizado fora da rede credenciada das operadoras. O Tribunal fundamenta alegando que o custeio pelas OPS de tratamento fora da rede credenciada só é devido quando, não houver, em rede própria, profissionais habilitadas, de modo que se reconhece válida a cláusula que limita o atendimento aos profissionais já contratados. Neste sentido, veja-se decisão:

PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. OPÇÃO PELA REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO EM HOSPITAL PARTICULAR (SÍRIO LIBANÊS), NÃO CREDENCIADO PELA UNIMED FORTALEZA. AUSÊNCIA DE PROVA DA IMPOSSBILIDADE DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS POR HOSPITAIS E MÉDICOS COOPERADOS, NA CIDADE DE FORTALEZA. MERA LIBERALIDADE. INEXISTE O DEVER DE CUSTEAR TRATAMENTO QUANDO A OPERADORA DE SAÚDE NÃO SE RECUSOU A PRESTAR O ATENDIMENTO OU A PACIENTE NÃO COMPROVOU A DEFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. 1. O custeio ou reembolso das despesas efetuadas em rede não conveniada pode ser admitido em casos excepcionais, tais como inexistência de estabelecimento credenciado no local, recusa do médico/hospital conveniado de receber o paciente, ou mesmo urgência da internação. 2. Na hipótese dos autos, a agravada seguiu a prescrição do seu médico particular na cidade de São Paulo de se submeter a procedimento cirúrgico com equipe médica atuante naquela capital, não credenciada da Operadora de Saúde da qual a paciente é segurada, por entender serem os melhores qualificados à realização da cirurgia recomendada. 3. Com efeito, ao optar pela realização do tratamento em local diverso do abrangido no pacto, em rede hospitalar não credenciada, a parte autora, ora recorrida, acabou por assumir o risco de suportar os gastos com a internação. [...] 5. E, também, não se pode dizer abusiva a cláusula contratual tão somente porque vincula os consumidores à utilização de hospitais e médicos credenciados, uma vez que tal procedimento é da essência dos planos de saúde, que remuneram um quadro próprio ou uma rede conveniada para viabilizar a prestação de serviços àqueles que aderem ao contrato. 6. Destarte, na hipótese, a recusa em autorizar o procedimento em rede não credenciada e de livre escolha da segurada não se afigura a prática de ilícito por parte da recorrente. [...] (CEARÁ. TJ-CE - AI: 00263928120138060000 CE 0026392-81.2013.8.06.0000, Relator: MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2017).

Não obstante o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará entenda pelo não exaurimento do Rol da ANS e, de uma forma geral, pela abusividade das cláusulas contratuais que limitam determinados procedimentos da órbita de atuação das operadoras, o que gera indenização por danos morais, há casos em que a sua inclinação para aplicação dos danos morais em juízo tem sido sedimentada no sentido negativo.

A saber, entende a Corte que, embora seja exemplificativo o Rol, a negativa das OPS, quando se baseia na legislação vigente e nas disposições daquele ementário, havendo, inclusive, controvérsias a respeito, isto justifica a sua conduta, não sendo, por si só, capaz de caracterizar dano moral passível de indenização. A este respeito, observe-se decisão:

APELAÇÃO CÍVEL. RECUSA INJUSTIFICADA NA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. PLANO DE SAÚDE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. [...] 1. Em relação à condenação da apelada por danos morais, a sentença recorrida não merece ser reformada. No caso em comento, apesar dos dissabores sofridos pela recorrida, não ficou comprovada a prática de ato ilícito capaz de gerar o dano moral reivindicado e, por consequência, o dever de compensação. 2. A negativa injustificada da seguradora de saúde em cobrir procedimentos hospitalares ou medicamentos indicados pelo médico pode gerar o dever de indenizar os danos morais. Todavia, quando existe controvérsia acerca da cobertura de determinado procedimento que conta com cláusula expressa e específica de exclusão ou mesmo pela divergência entre o cadastramento do médico na Cooperativa, conclui-se que o evento está inserido no campo de eventual inadimplemento contratual, não sendo suficiente, por si só, para traduzir lesão à personalidade hábil a gerar o dever de compensação por danos morais [...] Apelo conhecido e improvido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer do recurso interposto, mas para negar-lhe provimento, em conformidade com o voto do eminente relator. Fortaleza, 06 de dezembro de 2017 CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Relator (CEARÁ. TJ-CE - APL: 01311215820138060001 CE 0131121-58.2013.8.06.0001, Relator: CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 06/12/2017).

 O fundamento para embasar tal decisão foi o de que, embora seja possível a indenização por danos morais em casos que digam respeito a plano de saúde, havendo controvérsia acerca da obrigatoriedade ou não do fornecimento do serviço pleiteado, a negativa se enquadraria apenas como inadimplemento contratual, o que não enseja indenização. Esta é a linha de argumentação que tem seguido o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

Outra decisão com o mesmo entendimento, desta vez para o fornecimento de bomba de insulina, exarada em junho de 2019, pela 2ª Câmara de Direito Privado, que argumentou ser o inadimplemento contratual no caso mero dissabor, o que, por si só, não é capaz de gerar indenização:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. DIABETES MELLITUS TIPO 1. BOMBA DE INSULINA. EQUIPAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO DOMICILAR RECUSA INDEVIDA. CLÁSULA ABUSIVA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. HONORÁRIOS. 1. No que tange aos contratos firmados na esfera consumerista, são consideradas abusivas as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade ou, ainda, que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor, nos termos do art. 51, IV e XV, do CDC. 2. Há muito o STJ pacificou o entendimento de que o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento poderá ser utilizado para alcançar a cura. Sendo assim, é abusiva a cláusula limitativa que impede a segurada de receber tratamento convencional ou tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença a ser coberta. 3. Quanto a alegativa da não cobertura de equipamentos de administração domiciliar, esta vai de encontro à jurisprudência pátria. Com efeito, a cláusula contratual que prevê a não cobertura de medicamentos que podem ser ministrados em ambiente domiciliar tem sido continuamente considerada abusiva pela jurisprudência do STJ. [...] No tocante aos danos morais, observa-se que a sentença vergastada está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. No caso em comento, apesar dos dissabores sofridos pelo segurado, não ficou comprovada a prática de ato ilícito capaz de gerar o dano moral reivindicado e, por consequência, o dever de compensação. [...] Improvido o apelo da Unimed de Fortaleza e parcialmente provido o apelo de Errafaela Matos de Almeida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer das apelações interpostas, mas para negar provimento ao recurso da Unimed de Fortaleza – Sociedade Cooperativa Médica Ltda. e dar parcial provimento ao recurso interposto por Errafaela Matos de Almeida, em conformidade com o voto do eminente relator. Fortaleza, 19 de junho de 2019 FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Relator (CEARÁ. TJ-CE - APL: 01421246820178060001 CE 0142124-68.2017.8.06.0001, Relator: CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, Data de Julgamento: 19/06/2019, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 19/06/2019).

No entanto, ainda que raros, há casos em que magistrados têm entendido que o fornecimento irrestrito de serviços e procedimentos médicos pode acarretar sérios problemas financeiros para as operadoras privadas. Estes julgados acatam o disposto no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, bem como suas diretrizes de utilização. Veja-se o teor de uma sentença proferida nos autos do processo 3001168-36.2018.8.06.0220, em trâmite perante a 22ª Unidade dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca de Fortaleza, Estado do Ceará, cuja parte demandada foi a operadora de planos privados Unimed do Ceará:

[...] SENTENÇA

Relatório dispensado (art. 38 da Lei nº 9..099/95).

FUNDAMENTAÇÃO – MÉRITO

Não merece acolhimento o intento autoral.

[...]

Contextualizando a hipótese versada nos presente autos, cumpre destacar que, no ordenamento jurídico pátrio, o dever de prestação da saúde de forma integral é do Estado, se mostrando igualmente admitida à iniciativa privada a assistência ao setor.

Contudo, o atendimento privado pelos planos de saúde não revelam caráter irrestrito, sendo certo que a Lei nº 9.656/98 (bem como demais norma de caráter infraconstitucional que trata do tema), ao regular a matéria, possibilitou à operadoras de planos privados de saúde diversas exclusões contratuais, a exemplo do que disposto no art. 10 e seus incisos.

Nesse sentido, profícuo trazer à baila a atuação da Agência Reguladora competente para a matéria, a Agência Nacional de Saúde Sumplementar (ANS), vinculada ao Ministério da Saúde e criada para regular e fiscalizar o mercado operador de planos privados de assistência à saúde. A Agência implementa um programa de Qualificação da Saúde Suplementar, pelo qual pretende realizar um processo contínuo de indução da qualificação nas dimensões assistencial, econômico-financeira, estrutural e de satisfação do consumidor. Frise-se que referida autarquia não apenas vem elaborar normas de modo a disciplinar as questões assistenciais e até mesmo de estruturação e funcionamento das empresas que operam saúde no país. A agência, outrossim, possui a inafastável competência de regular o assunto em referência de modo a garantir, como dito, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de modo a conferir viabilidade no pagamento das prestações impostas aos consumidores, sem descurar da necessidade de manter condições de existência e de efetivo funcionamento das operadoras mediante o serviço que as mesmas se propõem fornecer.

Assim, a ANS veio editar a Resolução Normativa nº 428/2017, a qual veio atualizar o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999.

Dita norma, complementada por seus anexos, traz o rol de procedimento os quais devem ser de cobertura obrigatória pelas operadoras de saúde, bem como os requisitos que eventualmente devam ser preenchidos pelos consumidores para que tenha guarnecidos, em tese, os direitos relativos ao atendimento pela requerida.

Ainda tratando do tema, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE, fez reunir Magistrados, integrantes do Ministério Público, de Procuradorias e da Advocacia, além de gestores, acadêmicos e profissionais da área da saúde, os quais fizeram aprovar 45 enunciados interpretativos sobre o direito da saúde. Dentre eles se destaca o Enunciado nº 21, o qual traduz o entendimento de que Nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei nº 9.656/1998, recomenda-se considerar o rol de procedimentos de cobertura obrigatória elencado nas Resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas.

[...]

Como bem estudado, a Lei nº 9.656/98, possibilitou à operadoras de planos privados de saúde diversas exclusões contratuais, a exemplo do que disposto no art. 10 e seus incisos. A Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia federal, regulamenta o assunto, determinando os limites e as diretrizes a serem atendidas pelas operadoras no que toca à obrigatoriedade de cobertura dos procedimentos médicos em favor do paciente.

A universalidade no atendimento é política aplicada ao Sistema de Saúde Pública (SUS), atribuição esta imposta ao Poder Público, na forma do que se extrai da norma indicada no art. 196 e 198 da Constituição Federal de 1988:

[...] Pelo exposto, conclui-se pela inexistência de obrigação legal ou contratual da operadora do plano de saúde no que toca ao custeio do tratamento em referência.

[...]

DISPOSITIVO

Por todo o exposto, é o presente para se julgar improcedente a pretensão autoral, nos moldes sustentados no presente julgado sentencial, revogando-se a decisão provisória prolatada nos presentes autos.

[...]

Fortaleza, data da assinatura digital.

HELGA MEDVED

JUÍZA DE DIREITO TITULAR (CEARÁ, 2019).

A 22ª Unidade dos Juizados Especiais fica situada em área da capital cearense, cuja abrangência territorial faz abarcar diversas operadoras de plano de saúde, tais como a Unimed do Ceará, a Hapvida e a Unimed de Fortaleza, entre outras, o que, por consequência, fez concentrar diversas demandas relacionadas à saúde suplementar.

A referida Unidade tem julgados nos quais se percebe a compreensão acerca da responsabilidade limitada que tem as OPS de fornecimento de serviços. Em outro caso, nos autos do processo nº 3001163-48.2017.8.06.0220, cuja operadora demandada também é a Unimed do Ceará, ainda neste sentido, decidiu a julgadora: 

A promovente ingressou com a presente ação [...] visando ao deferimento de tutela de urgência, no sentido de se determinar à empresa-ré que autorizasse e custeasse a realização de procedimento de MAMOPLASTIA BILATERAL. [...]

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Não merece acolhimento o pleito autoral

[...]

Dita norma especifica, traz o rol de atendimento mínimo obrigatório a ser provido pelas operadoras dos planos de saúde, no qual não se insere o tratamento vindicado pela promovente (correção de hipertrofia mamária).

Este Juízo tem ciência do estado de saúde do paciente e da necessidade do tratamento. Contudo, não são apenas estes os pressupostos para o deferimento da medida. A legislação de regência e o contrato firmado entre as partes devem ser observados na análise do caso. As limitações impostas pela operadora, desde que calcadas no ordenamento, se mostram hígidas, conforme já apreciou este Órgão Judicante.

Saliente-se que o direito ao antedimento integral e universal apenas é admitido pela Constituição da República em sede do sistema público de saúde (SUS), conforme se extrai do comando dos arts. 196 e 198 da Carta Magna.

[...]

Deve-se ressaltar que, não se está a negar a existência dos problemas de saúde apresentados pela paciente, na forma dos relatórios médicos acostados ao processo. Bem assim, não se está a dizer que a autora não necessita do tratamento, sendo este o mister do profissional médico que lhe acompanha, e não deste Órgão Judiciante.

Contudo, a análise que se faz do direito aplicável ao tema, como já mencionado, deve ser realizada de forma ampla e completa, de modo a atender o conjunto de normas que se incidente sobre a espécie.

Como bem estudado, a Lei nº 9.656/98, possibilitou à operadoras de planos privados de saúde diversas exclusões contratuais, a exemplo do que disposto no art. 10 e seus incisos. A Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia federal, regulamenta o assunto, determinando os limites e as diretrizes a serem atendidas pelas operadoras no que toca à obrigatoriedade de cobertura dos procedimentos médicos em favor do paciente.

[...]

Desta feita, resta improcedente o pedido autoral.

[...] (CEARÁ, 2018).

Assim, percebe-se, no julgado acima transcrito, que aquela unidade judiciária entendeu os infortúnios passados pela promovente, dos quais faziam prova os relatórios médicos, no entanto, esclareceu que o atendimento integral à saúde deve ser prestado pelo SUS, bem como que as operadoras devem seguir, apenas, o que está regulamentado pela ANS.

O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, talvez por reflexo dos outros tribunais do Brasil, segue a corrente do entendimento de que são abusivas as restrições impostas pelas operadoras privadas de plano de saúde, salvo raras exceções. A desconsideração ao equilíbrio econômico-financeiro das operadoras pelo Poder Judiciário acarreta riscos à sua atividade.

O aumento de demandas e de decisões contrárias aos planos de saúde, desconsiderando as cláusulas limitadoras de direito previstas em seus instrumentos contratuais, mesmo que em atenção ao que dispõem as normas consumeristas, tem causado impacto na garantia financeira das OPS, podendo se tornar um problema bem maior a longo prazo, como a extinção da atividade do setor de saúde suplementar.

CONCLUSÃO

O surgimento da saúde suplementar, principalmente após a sua previsão na Constituição Federal de 1988 e sua regulamentação, a partir da criação da Lei dos Planos de Saúde, em 1998, e da ANS, em 2000, em muito contribuiu para a melhoria dos serviços de saúde no País. Isto porque o Estado, sozinho, não é capaz de suprir toda a demanda do setor, e essa distribuição de tarefas tem permitido que um número maior de pessoas tenha acesso ao serviço em comento.

Ocorre que, ainda, há muita discussão acerca da matéria, sobretudo no que diz respeito às competências públicas e privadas de serviços de saúde, bem como do que é obrigatoriedade do setor privado, enquanto concessionário do ramo, fornecer aos contratantes. As operadoras são reguladas por uma agência específica criada pelo Estado, mas o mesmo Estado, por meio de sua função de jurisdicionar, impõe-nas obrigações alheias, que comprometem o funcionamento seu funcionamento.

No mesmo sentido, diariamente, são apresentadas questões junto ao Poder Judiciário para revisão de cláusulas contratuais de planos privados de assistência à saúde, que, segundo os demandantes, são abusivas e os põe em desvantagem ao limitar os serviços aos quais pretendem ter acesso.  

As operadoras de planos de saúde são empresas privadas, com garantia financeira limitada, bem formam uma rede única de assistência, por meio da qual a contribuição de um beneficiário afeta o fornecimento de produtos para todos os outros. Nesse contexto, a exigência de que os planos privados garantam serviços extracontratuais, sob a alegativa de que as cláusulas contratuais que os limitam são abusivas, pode significar um risco ao setor da saúde suplementar, que vê o seu equilíbrio econômico-financeiro ameaçado.

Observa-se, de um modo geral, que o Poder Judiciário tem entendido pelo não exaurimento do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Apesar das disposições contidas na legislação específica e no instrumento contratual firmado entre operadora e beneficiário, tem a Jurisdição considerado abusiva as cláusulas restritivas de direito, ainda que estas obedeçam a todos os ditames metodológicos definidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Tome-se, a título de exemplo, os milhares de requerimentos para autorizações de procedimentos cirúrgicos e materiais na Justiça brasileira, cuja concessão de tutelas, muitas com posterior confirmação em mérito, é indiscriminada. Estes requerimentos acontecem porque as operadoras costumam limitar o fornecimento de seus serviços ao que está expressamente previsto no Rol da ANS, desconsiderando o Judiciário esta fundamentação.

Por outro lado, tem-se a questão da indenização por danos morais, que o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em que pese seguir a linha de raciocínio de abusividade das cláusulas limitadoras de direito, reconhece a controvérsia existente acerca da matéria, razão pela qual entende, salvo determinadas exceções, pela não configuração de danos morais, reconhecendo o fato de as operadoras se basearem na legislação pertinente e no contrato.

Evidentemente que o afastamento dos danos morais não é suficiente para afastar o prejuízo diário tido pelas operadoras com as inúmeras decisões judiciais concessivas de pleitos considerados absurdos. Em que pese ser a saúde uma garantia fundamental e um direito social, o seu fornecimento irrestrito deve ser garantido pelo Estado brasileiro, não por pessoas jurídicas de direito privado que apenas atuam no setor de uma ótica suplementar.

Ademais, a longo prazo, os prejuízos advindos pela judicialização da saúde suplementar, que imputa às operadoras um ônus com o qual não se obrigaram, podem tornar a atividade do setor inviável. As operadoras não terão recursos suficientes para se manter. O Estado, por sua vez, atrairá para si um número de demandas bem maior, uma vez que os beneficiários de operadoras privadas migrarão todos para a alternativa restante: o SUS.

Isto é resultado da não observância das cláusulas contratuais legitimamente firmadas entre os contratantes de plano de saúde e as operadoras privadas, que, embora limitem direitos, o que pode causar indignação de alguns usuários, servem para proteger a massa de beneficiários. Assim, tendo uma obrigação limitada por cláusulas elaboradas à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor, as OPS poderiam ter uma garantia financeira mais consistente, de modo a não permitir faltar nada do que foi efetivamente contratado a nenhum beneficiário do serviço.

Por tudo isso, se vê como imprescindível que os representantes das operadoras de planos privados brasileiras, médicos, juristas, doutrinadores, magistrados e profissionais da saúde e do direito, busquem uma solução conjunta e categórica acerca da cobertura obrigatória de procedimentos e eventos de saúde pelo setor suplementar, de modo a não desamparar os beneficiários, mas também a não onerar excessivamente as operadoras.

Feito isto, uma vez que as pessoas que efetivamente têm influência nas decisões acerca das lides envolvendo o direito à saúde, mais especificamente, das limitações previstas nos contratos de planos de saúde, estarão em consenso acerca da hermenêutica jurídica específica, a limitação de direito nos contratos de plano de saúde poderá já não ter grandes problemas, bastando obedecer aos ditames legais definidos pelo CDC.

  • Judicialização
  • Plano de Saúde
  • Limitação de direitos
  • Código de Defesa do Consumidor
  • Agência Nacional de Saúde Supementar
  • ANS

Referências

REFERÊNCIAS

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Yago Pinheiro

Advogado - Fortaleza, CE


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