As diferenças entre acúmulo de função e desvio de função


15/10/2015 às 15h07
Por Wilson Seabra Neto - Advogado

No que tange à matéria de Direito do Trabalho, possuímos dois temas comuns que acabam por gerar dúvidas em algumas pessoas, quais sejam: desvio de função e acúmulo de função.

O que se busca neste artigo é esclarecer a diferença entre desvio de função e acúmulo de função, discorrendo inicialmente sobre alteração do contrato de trabalho (requisitos, alteração lícita ou ilícita), sendo utilizado como metodologia de pesquisa precedentes jurisprudenciais e entendimento doutrinário.

Conforme previsão no art. 468, da CLT, nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia[1].

Nesse sentido, por interpretação literal do presente dispositivo, temos como requisitos de alteração contratual lícita aquela que houver por mútuo consentimento e que não ocasione prejuízos ao obreiro, sendo, portanto, alteração contratual ilícita, aquela que não respeitar os requisitos mencionados.

Entretanto, é importante destacar que o empregador pode alterar o contrato de trabalho de forma unilateral, ou seja, sem anuência do obreiro. É o chamado “jus variandi”, direito do empregador de alterar unilateralmente o contrato de trabalho.

Conforme entendimento de Sério Pinto Martins, o empregador poderá fazer, unilateralmente, ou em certos casos especiais, pequenas modificações no contrato de trabalho que não venham a alterar significativamente o pacto laboral, nem importem prejuízo ao operário. É o ius variandi, que decorre do poder de direção do empregador[2].

Maurício Godinho Delgado ensina que a diretriz do jus variandi informa o conjunto de prerrogativas empresariais, de, ordinariamente, ajustar, adequar e até mesmo alterar as circunstâncias e critérios de prestação laborativa pelo obreiro, desde que sem afronta à ordem normativa ou contratual, ou, extraordinariamente, em face de permissão normativa, modificar cláusula do próprio contrato de trabalho[3].

Isso posto, o que vem a ser desvio de função?

O desvio de função diz respeito a uma situação a qual o empregado é contratado para exercer uma determinada função, um conjunto de tarefas, mas passa a ser utilizado em função diversa daquela a qual foi contratado para exercer.

Exemplo: um indivíduo é contratado para exercer a função de pedreiro, mas passa a trabalhar como carpinteiro.

Caso a função atribuída tenha remuneração maior daquela a qual o trabalhador foi contratado para exercer, o empregado terá direito ao pagamento das diferenças salariais.

Neste sentido, destaco alguns precedentes jurisprudenciais:

DESVIO DE FUNÇÃO. CEDAE. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. Mantém-se a condenação da ré ao pagamento das diferenças salariais decorrentes do desvio funcional, nos termos da OJ nº 125 da SBDI-1 do C. TST.

(TRT-1 - RO: 00030991720135010471 RJ, Relator: Alvaro Luiz Carvalho Moreira, Data de Julgamento: 15/04/2015, Sétima Turma, Data de Publicação: 30/04/2015)

DESVIO FUNCIONAL. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126, DO C. TST. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 460 E 461, DA CLT NÃO CONFIGURADA. ÓBICE DO ARTIGO 896, § 7º, DA CLT E DA SÚMULA 333, DO C. TST. A jurisprudência desta C. Corte é firme no sentido de que o desvio funcional, com atribuições de funções ao empregado, diversas daquelas para as quais foi contratado e sem aumento remuneratório, quebra o caráter sinalagmático do pacto laboral, autorizando a concessão de diferenças salariais, ainda que a empresa não tenha quadro organizado de carreira, utilizando-se como parâmetro o salário de empregado exercente de funções semelhantes. Precedentes. Trânsito do recurso de revista que encontra óbice no artigo 896, § 7º, da CLT e na súmula 333, do C. TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido.

Processo: AIRR - 605-49.2011.5.15.0023

Data de Julgamento: 02/09/2015,

Relatora Desembargadora Convocada: Jane Granzoto Torres da Silva, 8ª Turma

Data de Publicação: DEJT 04/09/2015.

Importante destacar também que empregado de ente público também tem direito a diferenças salariais, conforme entendimento do Ministro Alexandre Agra Belmonte:

“DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. ARTIGO 37, II, DA CONSTITUIÇÃO. A SBDI-1 desta Corte já consolidou posicionamento, à luz do princípio da legalidade (CF, arts. 5º, II, e 37,"caput"), no sentido de que o desvio funcional gera direito a diferenças salariais, quando o empregador seja ente público. Como se vê, nesse aspecto, a decisão regional está em consonância com a iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte consubstanciada na Orientação Jurisprudencial 125 da SBDI-1 do TST. Precedentes.”

Processo: AIRR-341-40.2011.5.04.0281

Data de julgamento: 05/08/2015

Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma

Data de publicação: DEJT 07/08/2015

Observa-se que o empregado tem direito somente no que se refere às diferenças salariais, e não o direito à nova função, pois esta nova função se daria mediante concurso público.

Este argumento é sustentado com o teor da OJ nº 125, da SDI-1, do TST, in verbis:

125. DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA (alterado em 13.03.2002)

O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.

O Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão explica em uma de suas decisões:

DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. ENTE PÚBLICO. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONTIDO NA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 125 DA SBDI-1 DESTA CORTE SUPERIOR. Não é possível assegurar ao trabalhador equiparação salarial ou enquadramento em cargo para o qual não foi aprovado em concurso público, em face do disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal.Contudo, é devida a percepção de diferenças salariais decorrentes do desvio de função efetivamente ocorrido. A contraprestação pela realização de tarefas mais complexas é direito do empregado. Nesse sentido o entendimento que emana da Orientação Jurisprudencial nº 125 da SBDI-1 do TST. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

Processo: RR-1104-48.2010.5.020211

Data de julgamento: 26/08/2015

Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma

Data de publicação: DEJT 04/09/2015

Quanto ao acúmulo de função, trata-se de uma situação em que o empregado exerce, de forma concomitante, outra função além daquela já exercida quando da sua contratação.

Nesta mesma linha de entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho já assim decidiu:

ACÚMULO DE FUNÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 456, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. Como é cediço, o acúmulo de funções se configura quando é exigido do trabalhador o exercício concomitante de atribuições previstas em seu contrato com outras absolutamente alheias às inerentes à função para a qual foi o trabalhador contratado. Tais situações resultam na quebra do caráter sinalagmático do contrato de trabalho.

(AIRR - 259-04.2011.5.02.0042, Relatora Desembargadora Convocada: Luíza Lomba, Data de Julgamento: 19/08/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/08/2015)

Por falta de previsão legal no que concerne ao pagamento de diferenças salariais em razão do acúmulo de função, a justiça do trabalho tem se baseado na aplicação do art. 8º, parágrafo único, da CLT (aplicação subsidiária do direito comum), sustentando a vedação do enriquecimento sem causa do empregador, previsto no art. 884, doCódigo Civil, in verbis:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Neste sentido, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho já assim decidiu:

ACÚMULO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS. PREVISÃO LEGAL 1. O pagamento de diferenças salariais e reflexos em razão do acúmulo de funçõesencontra guarida no disposto no art. 884 do Código Civil, que veda o enriquecimento sem causa como forma de evitar que o empregador contrate um empregado para um conjunto específico de atividades e, posteriormente, determine o desempenho de funções alheias àquelas e que não correspondam às suas capacidades pessoais e intelectuais, furtando-se, assim, a uma nova contratação. 2. Caso em que o Tribunal Regional, ante a configuração da confissão ficta, reputaevidenciado o acúmulo de funções apto a ensejar o pagamento das diferenças salariais correspondentes, não se inferindo, portanto, afronta ao artigo 456,parágrafo único, da CLT. 3. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (Processo: AIRR - 106200-51.2009.5.05.0131 Data de Julgamento: 05/02/2014, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/02/2014)

Desta forma, ocorrendo o acúmulo de função, o empregado terá direito às diferenças salariais, conforme precedentes abaixo:

RECURSO DE REVISTA - VENDEDOR. ACÚMULO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS. Esta Corte tem adotado o entendimento de que o vendedor, retribuído exclusivamente por comissões, que executa outras tarefas, para as quais não foi devidamente remunerado, tem direito ao recebimento de diferenças salariais advindas do acúmulo de funções. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido..

(TST - RR: 1926020125040232, Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 05/08/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/08/2015)

RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇA SALARIAL. ACÚMULO DE FUNÇÕES. O art.456, parágrafo único, da CLT disciplina hipótese em que não há comprovação das especificidades do contrato de trabalho, mas, no caso, ficou comprovado que o reclamante foi contratado como mecânico de refrigeração, e acumulava as funções de eletricista, pintor, encanador, consertador de telhado e cortador de grama, sem a contraprestação correlata. Por outro lado, o entendimento desta Corte superior é de que devem ser deferidas diferenças salarias ao empregado que acumula funções adicionais às previstas no contrato de trabalho.

(TST - RR: 2222920135150079, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 19/11/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/11/2014)

Portanto, após análise do caso a caso, ocorrendo o acúmulo ou desvio de função, o empregado terá direito ao pagamento das diferenças salariais, lembrando que o empregado não terá direito ao enquadramento para o cargo o qual não foi aprovado em concurso público.

[1] BRASIL. DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>

[2] Martins, Sérgio Pìnto. Direito do Trabalho. 27. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. P. 333.

[3] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. Ed. São Paulo: LTr, 2015. P. 1099.


    Referências

    http://seabraneto.jusbrasil.com.br/artigos/230043799/as-diferencas-entre-acumulo-de-funcao-e-desvio-de-funcao


    Wilson Seabra Neto - Advogado

    Bacharel em Direito - Brasília, DF


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