Introdução
Rotina diária dos que possuem; objetivo dos que não possuem. Trabalhar, ter um emprego, é uma das atribuições mais antigas da nossa sociedade. Assim como qualquer atividade que atravessa os séculos, o trabalho remunerado passou, passa e passará por diversas adaptações aos períodos históricos. Tanto que chamamos de “salário” o ganha-pão atual: o termo tem origem do pagamento dado aos trabalhadores na época do Império Romano, do latim “salarium”, ou, literalmente, “sal”, especiaria eternamente apreciada por sua versatilidade gastronômica.
Para alicerçar a importância do trabalho digno e respeitoso, a Constituição Federal de 1988 reservou o art. 7º para exclusividade ao tema, com trinta e quatro incisos dispondo de todas as diretrizes para o bom relacionamento laboral entre empregado, empregador e sociedade. Porém, mais antiga que a Carta Magna de nossa democracia, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT foi advinda em 1943 e vem sendo transformada para melhor adequar às necessidades contemporâneas, sendo sua ultima grande alteração em 2017.
Entre tantos pormenores adicionados à CLT e à relação de trabalho como um todo, a introdução dos meios de comunicação modernos, como o telefone, o computador e, principalmente, a internet, trouxe ao debate a real necessidade da presença do trabalhador no ambiente de trabalho. Se podemos hoje trocar informações em tempo real entre dois pontos distantes do planeta, haveria a possibilidade, então, de moldar a rotina laboral a algo mais confortável ao empregado, econômico ao empregador e, há quem diga, benéfico ao meio ambiente! Porém, ao invés de entrarmos em divagações sociais e científicas, veremos nesta dissertação o conceito e os critérios para o recém criado “teletrabalho”, popularizado de “home office” (do inglês: “escritório em casa”).
Do Regime Comum
A CLT dá boas-vindas ao leitor logo com seus primeiros artigos, práticos e diretos. O conceito de “empregador” vem no art. 2º e o de “empregado”, art. 3º.
Empregador é a pessoa jurídica que remunera e coordena a prestação de serviço realizada pela pessoa física contratada, assumindo os riscos da atividade econômica, ou seja, veste-se de responsabilidade com relação aos resultados a terceiros produzidos pela empresa e seus subordinados.
Já o Empregado será “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Vamos além: o artigo em destaque refere-se à pessoa física que presta serviços constante e exclusivamente à determinada pessoa jurídica, subordinada a ordens e regras e mediante retorno financeiro.
Porém, ainda que seja indispensável a subordinação do empregado perante o empregador, há certos limites que o patrão deve respeitar, os quais significam direitos do trabalhador.
Vejamos, por exemplo, o caso do período de trabalho:
O empregado somente estará efetivamente trabalhando quando cumprindo os requisitos acima citados. Enquanto ele estiver sob ordens da pessoa jurídica, periodicamente, prestando serviços à promessa de pagamento, ele estará trabalhando. O art. 4º da CLT complementa o raciocínio, estabelecendo que estará “em serviço” o trabalhador que até mesmo aguarda ordens do empregador.
Se o funcionário estiver, então, em período de trabalho, ele assim o fará por um período que não poderá exceder 8 (oito) horas diárias ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais, salvo raras exclusões, conforme consta no texto de nossa Constituição Federal. Também, a pessoa possui o direito a, no mínimo, 1 (uma) hora de repouso ou alimentação dentro de sua jornada de trabalho, 11 (onze) horas seguidas de descanso entre uma jornada de trabalho e outra, e, toda semana, terá 24 (vinte e quatro) horas consecutivas de descanso (geralmente aproveitada aos domingos).
Caso o empregador exija prestação de serviço que desafie os horários acima especificados, estará sujeito a obrigações excepcionais, como o pagamento de “remuneração maior” ao empregado em proporção às “horas extraordinárias” que lhe exigiu.
Para entendermos as exceções, precisamos primeiro entender a regra; portanto, vimos a base legal da jornada de trabalho do empregado comum, para só agora entrarmos no mérito do teletrabalho.
Do Teletrabalho
De acordo com o art. 62 da CLT, inciso III, o empregado em regime de home office não é abraçado pelos textos referentes à jornada de trabalho comum, sendo impossível o controle de jornada pelo patrão e, consequentemente, a exclusão de maiores remunerações por maiores períodos de serviço. Em compensação, foram adicionados textos à Consolidação específicos sobre o regime.
A começar pelo art. 75-B, o conceito de teletrabalho é assim descrito: toda prestação de serviço realizada fora das dependências da empresa e com a utilização dos meios tecnológicos modernos de comunicação. Logo, mesmo que o funcionário seja exigido, vez ou outra, que compareça à empresa para atividades específicas, se ele, em majoritário período de serviço, estiver além das dependências do empregador e na utilização de tecnologias que permitem constante comunicação com o empregador (conferindo, assim, a subordinação), ele estará caracterizado nos ditames do art. 75-B.
Para que tal regime seja possível, as especificações devem constar expressamente no contrato de trabalho, e toda alteração de regime deverá ser feita em comum acordo entre empregado e empregador.
Contudo, a jurisprudência da Justiça Trabalhista de São Paulo é categórica ao dizer que se a alteração for referente à obrigatoriedade da presença do funcionário às dependências da empresa, o empregador poderá decidir unilateralmente, ou seja, sem acordo com o empregado, desde que garantido ao funcionário 15 (quinze) dias para transição.
Por fim, enquanto que na jornada presencial todos os instrumentos de trabalho e equipamentos de segurança deverão, sem debate, ser providenciados pelo empregador, no regime de teletrabalho, as especificações com relação ao tema serão previstas por escrito no contrato.
Isso não isenta o empregador de responsabilidade em casos de acidentes ou doenças de trabalho quando ocorridos, única e exclusivamente, na prestação de serviço (o caso de, por exemplo, o empregado que trabalhe no computador adquirir doenças como Lesão por Esforço Repetitivo – LER). Por isso, é exigido em lei (art. 75-E da CLT) que o empregador instrua o empregado aos cuidados a serem tomados.
Em suma, percebemos que a relação entre patrão e funcionário tomou, nos últimos anos, rumo inovador. Ainda há subordinação, periodicidade, exclusividade e remuneração, porém tudo em metamorfose com o avanço tecnológico da humanidade. De toda forma, com tudo o que a lei nos apresentou nessa dissertação, resta o questionamento: até que ponto devemos aproveitar as inovações tecnológicas e alterações no ambiente de trabalho quando, legalmente, ganhamos certas regalias e perdemos tantos outros direitos?