RESUMO
Este artigo aduz a importância da modificação da Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho decorrente da modificação do entendimento jurisprudencial acerca da possibilidade, até então bastante resistida, de se conceder a estabilidade provisória às empregadas gestantes admitidas mediante contrato de trabalho por prazo determinado. Devido a seu caráter imprescindível, uma problemática surgiu, a possibilidade de tal entendimento prejudicar a contratação de empregadas temporárias, optando as empresas por empregados homens para evitar o risco de ter uma trabalhadora com estabilidade no emprego, uma vez que tal modalidade de contrato serve para atender necessidades periódicas e específicas, à experiência de adaptação ao trabalho, sendo absolutamente incompatível com a estabilidade no emprego. Desta forma, tem-se por objetivo demonstrar como era o tratamento dado pelo TST antes da modificação da súmula, analisar a evolução do pensamento que gerou sua modificação e demonstrar suas implicações na seara trabalhista, através de um estudo de caso. Por fim, conclui-se que o instituto da estabilidade gestante nos contratos por prazo determinado, inovação trazida pela nova redação do inciso III, da Súmula 244 do TST, trouxe inúmeros benefícios, uma vez que o referido instituto possibilita à empregada gestante uma significativa garantia de caráter social, veículo de proteção à vida que está por vir e garantia de subsistência da mãe durante o período inicial de vida do novo ser, corroborando, assim com o entendimento já a muito exalado pelo art. 10, II, “b”, da ADCT.
Palavras-chave: Estabilidade provisória. Contrato por prazo determinado. Súmula 244 do TST.
1 INTRODUÇÃO
Através da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Constituinte Originário instituiu um acervo mínimo de direitos capaz de proporcionar a todos os brasileiros uma condição mínima de vida com dignidade. Entre tais garantias elencadas na Carta Magna, encontram-se aqueles constantes do art. 7º, que estabelece uma série de direitos destinados à melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais.
Dentre os vários ramos protegidos pela norma constitucional, a proteção à empregada gestante sempre foi uma preocupação relevante, pois em face da peculiaridade dessas trabalhadoras especiais, a legislação estabeleceu uma rede de proteção maior. Tanto é verdade que para essas trabalhadoras foi garantida a relação de emprego protegida contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que irá prever uma indenização compensatória, dentre outros direitos.
Nas palavras de Hans Kelsen1,
A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesma obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.
Assim, pode-se afirmar que tal proteção, fixada na ordem constitucional com eficácia limitada (por se tratar de norma dependente de posterior regulamentação), se traduz na estabilidade no emprego, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos termos do artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Entretanto, tal regra não protegia absolutamente tais empregadas gestantes, pois não abarcava os contratos de trabalho por prazo determinado. Tal orientação, baseada na Súmula 244 do TST, atestava que tal tipo de contrato não era compatível com a estabilidade, vez que a extinção de tais contratos não aconteceria por meio de dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas sim pelo término de seu prazo.
Ocorre que tal interpretação vai de encontro com o espírito da proteção constitucional decorrente da dignidade da pessoa humana e da proteção à própria vida, porquanto tal amparo abrange não somente a empregada gestante, mas também a vida do nascituro. Deste modo, por se tratar de direito constitucional fundamental (arts. 1º, III e 5º, caput, da CF), deve tal norma ser interpretada de forma a conferir-se, na prática, sua efetividade.
Modificando sua jurisprudência consolidada, e autenticando o entendimento supra, foi dada nova redação ao inciso III, da Sumula 244 do TST, para que a proteção à gestante, e consequentemente ao nascituro, abarcassem todas as modalidades de contratos por prazo determinado, vale dizer, aqueles em cuja vigência dependa de termo pré-fixado ou da execução de serviço específicos ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproxima, conforme determina o § 1º do artigo 443, da CLT.
Este artigo tem por objetivos fundamentais evidenciar como o Tribunal Superior do Trabalho aborda o instituto da Estabilidade Gestante, analisar a ligação vital entre este instituto as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, demonstrar a evolução da temática no que diz respeito aos contratos por prazo determinado, evidenciando a mudança do entendimento sumulado do TST, de um ponto de vista imparcial e técnico, exacerbando suas principais características, vantagens e consequências na seara trabalhista.
Para isto, utiliza-se como alicerce deste artigo, uma farta pesquisa bibliográfica, utilizando-se de uma abordagem qualitativa sobre a doutrina, abarcando os melhores entendimentos, fazendo-se valer do método indutivo.
Municia-se esta peça científica com inúmeras decisões da última instância jurisdicional, artigos, além de posicionamentos doutrinários, inclusive com um estudo de caso.
Neste artigo encontram-se as mais recentes decisões da Corte Superior quanto ao tema, além de definir como a estabilidade gestante nos contratos por prazo determinado alterou a Justiça Trabalhista. Abarcam-se desde as definições sobre estabilidade provisória e estabilidade gestante, suas implicações nos contratos por prazo determinado, bem como as repercussões jurídicas frente à modificação do entendimento sumulado pelo TST, inclusive com a análise de um caso concreto.
2 ESTABILIDADE NO EMPREGO
Segundo leciona o ilustre doutrinador Luciano Martinez2, a estabilidade no emprego é entendida como “a fórmula de proteção caracterizada pela vedação à resilição por iniciativa patronal. Por meio dela o empregado fica impedido de desliar o empregado, sob pena de ver-se compelido a reintegrá-lo”.
Assim, a estabilidade impede que o empregador demita o empregado estável sem justa causa, sendo que a inobservância dessa regra acarreta o direito ao empregado a uma reintegração.
Tal instituto possui duas modalidades distintas: a estabilidade definitiva e a estabilidade provisória. O presente artigo trará somente considerações acerca da estabilidade provisória, mais precisamente nas situações que envolvem a gestante.
A estabilidade provisória pode ser entendida como a proibição temporária, imposta ao empregador, de não despedir seu empregado sem justa causa, por motivos peculiares e transitórios. Dentre as variáveis situações que ocasionam a estabilidade provisória, destaca-se a estabilidade gestante.
2.1 A ESTABILIDADE GESTANTE NOS CONTRATOS POR PRAZO DETERMINADO
Conforme já explanado, a estabilidade da empregada gestante foi regrada no art. 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nos seguintes termos:
[...] fica vedada a dispensa pensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Da leitura do texto, percebe-se de forma clara que a intenção do Constituinte era dar uma expressiva garantia de caráter social, cujo gozo dependesse apenas da confirmação do estado gravídico da empregada, independentemente do conhecimento desse estado pelo empregador ou mesmo da modalidade contratual celebrada entre as partes envolvidas no vínculo empregatício.
Logo, poderia se dizer que o único requisito exigido pelo legislador Constituinte foi a confirmação da gravidez, não havendo qualquer menção à exigência de prévia comunicação da gestação ao empregador ou mesmo à celebração de um contrato de trabalho a prazo indeterminado.
Todavia, diferentemente da ideia supra, foi editada a súmula 244 do TST, que, regulamentando a matéria, dispôs o seguinte:
Súmula 244 do TST. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA.
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10, II, b, do ADCT).
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III – Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Analisando a presente Súmula, percebe-se que ela confere à empregada gestante o direito à estabilidade provisória, sendo irrelevante o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador. Todavia, a mesma súmula, em seu inciso III, cria situação excepcional não geradora de estabilidade à gestante, ou seja, quando a situação versar sobre um contrato de experiência, posto que, nessa modalidade as partes saberiam, antecipadamente, quando o contrato se extinguiria, afastando, portanto, a arbitrariedade da dispensa.
Ao tratar da Súmula 244 do TST acima reproduzida, Bruno Klippel3 leciona que:
Apesar de o entendimento do TST versar apenas sobre o contrato de experiência, espécie de contrato a prazo determinado, descrito no artigo 443 da CLT, a ideia deve ser aplicada a qualquer espécie desses contratos, pois a predeterminação do prazo já torna a dispensa totalmente lícita, pois quando da contratação a empregada já sabia da data de seu término. Assim, sabia que, independentemente da superveniência de gravidez, o vínculo trabalhista terminaria em uma data certa.
Nesse sentido, varias decisões apontavam para a tese, como a que segue:
CONTRATO DE EXPERIÊNCIA REGULAR. GESTANTE. INEXISTÊNCIA DE ESTABILIDADE. A empregada gestante, contratada por experiência, não goza da garantia a que alude o art. 10, II, "b", do ADCT, quando o contrato é extinto ao término deste período. Infere-se que a proteção constitucional é contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, ambas inocorrentes quando o contrato por experiência não é transformado em contrato por prazo indeterminado. (TRT da 4ª Região, 8a. Turma, 0096200-50.2006.5.04.0381 RO, em 22/11/2007, Desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira - Relatora. Participaram do julgamento: Desembargadora Cleusa Regina Halfen, Desembargadora Flávia Lorena Pacheco).
Apesar de tal entendimento ter sido perpetuado na jurisprudência pátria de forma pacífica, alguns julgados foram surgindo levantando a questão de que a estabilidade provisória advinda da licença maternidade decorreria da busca pela priorização do ser humano, materializado na mulher gestante e seu nascituro, já que a manutenção do emprego em benefício da mãe é elemento fundamental à subsistência de ambos.
Maurício Godinho Delgado4 explica que:
A garantia constitucional ultrapassa o interesse estrito da empregada gestante, uma vez que possui manifestos fins de saúde e de assistência social não somente em relação às mães trabalhadoras como também em face de sua gestação e da criança recém-nascida.
Assim, começou a ser difundida a ideia de que a proteção constitucional às trabalhadoras em geral e, em particular, às gestantes e aos nascituros, advém do respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e à própria vida, direitos fundamentais assegurados pela CF/88, como se verá adiante.
3 A MODIFICAÇÃO DA SÚMULA 244 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
3.1 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Com o intuito de conferir maior efetividade ao Texto Constitucional, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência consolidada no sentido de conceder a estabilidade gestacional prevista no artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT às empregadas admitidas por intermédio de um contrato a prazo determinado.
Nesse diapasão, vale destacar trecho do Voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 634.093/Distrito Federal:
Em suma: as gestantes – quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário – têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º), sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral.
Aliás, sob o mesmo fundamento o STF, e posteriormente o TST, passaram a admitir a garantia de emprego à gestante que engravida no curso do aviso prévio, inclusive durante a projeção do aviso prévio indenizado5.
O Supremo Tribunal Federal possui consolidada jurisprudência no sentido de assegurar à gestante a estabilidade provisória, conforme pode ser ainda observado:
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidora gestante. Cargo em comissão. Exoneração. Licença-maternidade. Estabilidade provisória. Indenização. Possibilidade. 1. As servidoras públicas, em estado gestacional, ainda que detentoras apenas de cargo em comissão, têm direto à licença- maternidade e à estabilidade provisória, nos termos do art. 7º, inciso XVIII, c/c o art. 39, § 3º, da Constituição Federal, e art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT. 2. Agravo regimental não provido. (RE 420839 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CARGO EM COMISSÃO. SERVIDORA GESTANTE. EXONERAÇÃO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. 1. As servidoras públicas e empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Precedentes: RE n. 579.989-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Dje de 29.03.2011, RE n. 600.057-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, Dje de 23.10.2009 e RMS n. 24.263, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 9.5.03. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 804574 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 30/08/2011, DJe-178 DIVULG 15-09-2011 PUBLIC 16-09-2011 EMENT VOL-02588-03 PP-00317 RT v. 100, n. 913, 2011, p. 491-494)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDORAS PÚBLICAS E EMPREGADAS GESTANTES. LICENÇA-MATERNIDADE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ART. 7º, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO. ART. 10, II, "B", do ADCT. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que as servidoras públicas e empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos termos do art. 7º, XVIII, da Constituição do Brasil e do art. 10, II, "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600057 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 29/09/2009, DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009 EMENT VOL-02379-10 PP-02124).
A partir das referidas decisões do STF, o Tribunal Superior do Trabalho deu início a um movimento de revisão de sua jurisprudência consolidada sobre o tema, como por exemplo, a 1ª Turma, que decidiu no sentido do cabimento da garantia de emprego para a empregada que engravidou no curso do contrato de experiência. Neste sentido, mencione-se o seguinte aresto:
RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. ESTABILIDADE DE GESTANTE. DIREITO CONSTITUCIONAL ASSEGURADO INDEPENDENTEMENTE DO REGIME JURÍDICO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Estabelece o art. 10, II, "b", do ADCT/88 que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo qualquer restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho, mesmo porque a garantia visa, em última análise, à tutela do nascituro. 2. O entendimento vertido na Súmula nº 244, III, do TST encontra-se superado pela atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime de trabalho, têm direito à licença maternidade de 120 dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. 3. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido, em afronta ao art. 10, II, -b-, do ADCT/88. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. Processo: RR - 107-20.2011.5.18.0006 Data de Julgamento: 07/12/2011, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/12/2011.(grifo nosso)
Outro importante arresto, de relatoria do Min. Mauricio Godinho Delgado, demonstra a mudança do pensamento na Corte Superior:
RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE DA GESTANTE. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. NORMATIZAÇÃO ESPECIAL E PRIVILEGIADA À MATERNIDADE CONTIDA NA CARTA DE 1988. ARTS. 10, II, B, DO ADCT, ARTS. 7º, XVIII E XXII, 194, 196, 197, 200, I, 227, CF/88. RESPEITO, FIXADO NA ORDEM CONSTITUCIONAL, À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, À PRÓPRIA VIDA AO NASCITURO E À CRIANÇA (ART. 1º, III, E 5º, CAPUT, DA CF).[...] A estabilidade provisória advinda da licença maternidade decorre da proteção constitucional às trabalhadoras em geral e, em particular, às gestantes e aos nascituros. A proteção à maternidade e à criança advém do respeito, fixado na ordem constitucional, à dignidade da pessoa humana e à própria vida (art. 1º, III, e 5º, caput, da CF). E, por se tratar de direito constitucional fundamental, deve ser interpretado de forma a conferir-se, na prática, sua efetividade. Nesse sentido, entendo que não pode prevalecer o posicionamento adotado pelo TRT, que conferiu preponderância aos efeitos dos contratos a termo - especificamente em relação à garantia de emprego - em detrimento da estabilidade assegurada às gestantes, na forma do art. 10, II, b, do ADCT. Nessa linha, está realmente superada a interpretação exposta no item III da Súmula 244 do TST. Inclusive o Supremo Tribunal Federal possui diversas decisões - que envolvem servidoras públicas admitidas por contrato temporário de trabalho -, em que expõe de forma clara o posicionamento de garantir à gestante o direito à licença-maternidade e à estabilidade, independentemente do regime jurídico de trabalho. Sob esse enfoque, o STF prioriza as normas constitucionais de proteção à maternidade, lançando uma diretriz para interpretação das situações congêneres. Recurso de revista conhecido e provido. PROCESSO Nº TST-RR-21700-25.2009.5.01.0079. Data de Julgamento: 08/02/2012, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma. (grifo nosso)
Ainda, no mesmo sentido, mais precedentes:
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - CABIMENTO. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. COMPATIBILIDADE. A potencial violação do art. 10, II, "b", do ADCT enseja o processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II - RECURSO DE REVISTA. 1. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. NULIDADE. O recurso de revista não merece processamento, quando não observados os requisitos traçados no art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido. 2. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. COMPATIBILIDADE. 1. A Constituição Federal prevê, no seu art. 6º, "caput", que são direitos sociais, entre outros que enumera, "a proteção à maternidade e à infância". O art. 10, II, "b", do ADCT, respondendo à diretriz do art. 7º, XVIII, da Carta Magna, afirma que "II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses parto". 2. Com atenção aos fins sociais buscados pela Lei (LIDB, art. 5º), não se deve rejeitar a estabilidade provisória da empregada gestante no curso de trabalho temporário. Os direitos decorrentes do disposto no art. 7º, XVIII, da Constituição Federal, e no art. 10, II, "b", do ADCT, não têm sua eficácia limitada aos contratos por prazo indeterminado, uma vez que erigidos a partir de responsabilidade objetiva. Enquanto se cuide de proteção ao nascituro, prevalecerão os benefícios constitucionais, ainda que a própria empregada, ao tempo da dissolução contratual, já aguardasse o seu termo final. 3. Diante do exposto, revela-se devida a estabilidade provisória, ainda quando se cuide de contrato por prazo determinado, na esteira dos precedentes do Excelso Supremo Tribunal Federal, restando superado o item III da Súmula 244/TST. Recurso de revista conhecido e provido. TST-RR-49800-75.2009.5.02.0462. Ministro Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira.data de julgamento: 13/06/2012.
Maurício Godinho Delgado6, ao tratar da estabilidade da gestante nos contratos a termo, leciona que:
Havendo, desse modo, evidente interesse público com vistas às proteções à mãe trabalhadora, sua gestação e o parto, além do período inicial da maternidade, interesse público que se pretende também à criança nascitura, ganha destaque a garantia constitucional, afastando o óbice criado pela Consolidação das Leis do Trabalho com respeito aos contratos a termo (art. 472, §2º, CLT).
Da análise das jurisprudências, percebe-se que, mesmo com a consolidação da jurisprudência trabalhista acerca do tema em foco, uma nova concepção constitucionalista aflorou no intuito de dar maior proteção à empregada e ao nascituro, vez que estes possuem proteção especial pela Carta Magna.
O referido autor7 aduz ainda:
Sob a ótica da pessoa que vive do trabalho, em especial do trabalho empregatício, os direitos sociais são o principal instrumento de concretização dos princípios e regras constitucionais referentes à prevalência da dignidade da pessoa, da valorização do trabalho e do emprego, da submissão da propriedade privada a sua função social, da efetividade da justiça social e da democratização da sociedade civil.
Assim, tal entendimento, iniciado pelos julgamentos no STF e, posteriormente, acompanhados pelos Ministros do TST demonstra que a interpretação constitucional das normas deve sempre prevalecer, porquanto a proteção à maternidade e à criança advém do respeito, fixado na ordem constitucional, à dignidade da pessoa humana e à própria vida (art. 1º, III, e 5º, caput, da CF) tratando-se, portanto, de direito constitucional fundamental que deve ser interpretado de forma a conferir-se, na prática, maior efetividade.
3.2 O ENTENDIMENTO APÓS A MODIFICAÇÃO DO INCISO III DA SÚMULA 244 DO TST
Diante desta nova perspectiva constitucional, o Tribunal Superior do Trabalho modificou sua jurisprudência consolidada, dando nova redação ao inciso III, da Sumula 244, para que a proteção à gestante, e consequentemente ao nascituro, envolvessem todas as modalidades de contratos, seja por paro indeterminado ou por prazo determinado.
Significa dizer que, aqueles contratos em cuja vigência dependa de termo pré-fixado ou da execução de serviço específicos ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproxima, também serão abrangidos pela estabilidade gestante, conforme define o § 1º do artigo 443 da CLT:
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.
§ 1º Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência depende de termo pré-fixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certos acontecimentos suscetível de previsão aproximada.
Em suma, desde alteração da redação do item III da súmula 244, na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012 (Res. 185/2012), DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012, caso seja firmado contrato por prazo determinado com empregada e esta venha a se torna gestante durante o termo pactuado, fará jus a estabilidade provisória a que se refere o art. 10, II, b, do ADCT, que dura desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Observa-se, como bem assevera Marta Artigas8, que com a nova diretriz do TST, há “prevalência dos direitos sociais, como a saúde, o trabalho, a previdência social, e a proteção à maternidade, previstos no artigo 6º da Constituição Federal, assim como os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho”.
3.3 POSSIVEIS PROBLEMÁTICAS DECORRENTES DA NOVA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL
Com a nova interpretação dada ao o instituto da Estabilidade Gestante, estendendo tal garantia às trabalhadoras vinculadas a contratos de experiência, temporários e outras modalidade de contrato a termo, algumas implicações dessa nova realidade podem ser notadas, assim como as eventuais consequências.
Veja-se, por exemplo, um contrato de experiência, em que o empregador visa uma possível contratação após um período de avaliação do empregado. Nesses contratos, embora seu objetivo seja a continuidade da relação empregatícia após o período de experiência, isso nem sempre acontece, uma vez que sua duração é de, no máximo, 90 dias, renovável uma única vez, dentro desse período. Muitas vezes não sequer a renovação, quanto mais conversão em contrato por prazo indeterminado. A garantia da estabilidade provisória para a empregada gestante, nestes casos, pode afetar os critérios de avaliação do empregador. Assim, ao se admitir um empregado para o período de experiência, poderia se chegar ao ponto de se evitar a contratação de mulheres, desencadeando, mesmo sem intenção, uma situação de descriminação.
O mesmo se aplica aos contratos de trabalho temporário, pois ele é caracterizado pelo curto espaço de tempo de contratação. Nas datas de maior movimento no comércio, como os feriados festivos, o empregador pode ficar relutante em contratar empregadas temporárias, optando por homens para evitar o risco de ter uma trabalhadora com estabilidade no emprego. Poderia se chegar ao ponto de determinados empregadores preferirem a contratação de empregados homens, que ficariam vinculados ao emprego pelo período de um ou dois meses, ao invés de arriscar a contratar mulheres, que se engravidassem, sujeitariam o vínculo empregatício a períodos superiores a um ano.
A proteção ao trabalho da mulher, e neste caso em especial ao trabalho da gestante, é medida justa e necessária. Contudo, qualquer ampliação dos direitos deve ser contextualizada para que não acabe por prejudicar justamente quem precisa do tratamento diferenciado. Há quem sustente, como Eduardo Jansen Pereira9, que mesmo após a modificação da Súmula 244 do TST, tal interpretação não favorece as gestantes:
Não parece ser a melhor forma de proteção desvirtuar contratações por prazo determinado, pois essa modalidade de contratação, importante para empresas e trabalhadores, atendendo ambos em necessidades específicas, visa exatamente à pontualidade da contratação, ou, ainda, à experiência de adaptação ao trabalho dos dois lados, empregado e empregador, sendo assim absolutamente incompatível com a estabilidade no emprego.
4 CONCLUSÕES
Segundo as lições de Jorge Luiz Souto Maior11 "o trabalho é da essência humana, no sentido de dever de valorização pessoal e de integração social, e será ao mesmo tempo um dever e um direito, na relação do indivíduo com a sociedade e o Estado”.
Não por outro motivo, a estabilidade das trabalhadoras gestantes no emprego merece tanto destaque, eis que tal modalidade engloba uma série de consequências jurídicas e sociais, pois diz respeito tanto à subsistência da gestante como do nascituro.
Feitas todas essas considerações, chega-se a conclusão de que a nova redação ao inciso III, da Sumula 244 do TST, que buscou ratificar essa proteção à gestante, e consequentemente ao nascituro, teve o escopo de abarcar todas as modalidades de contratos por prazo determinado, ou seja, todos aqueles cuja vigência dependa de termo pré-fixado ou da execução de serviço específicos ou, ainda, da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproxima, conforme determina o § 1º do artigo 443, da CLT.
A previsão constitucional no ADCT, para fins de concessão da estabilidade à empregada gestante, não estabeleceu distinção entre contratos a prazo determinado ou indeterminado. O que se pretendeu proteger foi a vida que está por vir, ou melhor, garantir a subsistência da mãe durante o período inicial de vida do novo ser.
Outrossim, a interpretação normativa deve ter base nos seus fins sociais e nas exigências do bem comum. Nesta esteira, vale destacar trecho do Voto do o ilustre ex-ministro do STF, Carlos Ayres Brito, no julgamento do Recurso Especial 571.40412:
A licença-maternidade, além de se relacionar, em certa medida, com a obrigação estatal de proteger o mercado do trabalho da mulher até com "incentivos especiais" (artigo 7°, inciso XX, da CR/88), guarda estrita relação com a "especial proteção" que o Estado e a sociedade devem à família, consoante o art. 226, da CR/88. Essa especial proteção não deixa de passar pela garantia de assistência estatal a cada integrante de unidade familiar, ex vi do §8° do citado artigo constitucional. A aludia licença ainda desponta como especialíssima projeção da peregrina regra que se vê no art. 227, da CR/88, todo ele voltado para conferir à criança e ao adolescente um tipo tão integral de assistência familiar e comunitária que certamente faz da licença-maternidade um bem jurídico de primeiríssima prioridade.
Não se pode esquecer que as normas infraconstitucionais merecem interpretação conforme as disposições Constitucionais, cujo conteúdo deve nortear a aplicação e elaboração da legislação infraconstitucional. Em caso de dúvida quanto a qual sentido conferir à norma, deve-se buscar sempre a interpretação confira maior efetividade às normas constitucionais.
Assim sendo, especial destaque merece a estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, por destinar à empregada gestante uma significativa garantia de caráter social, veículo de proteção à vida que está por vir e garantia de subsistência da mãe durante o período gestacional.
A partir da análise da Lei Maior, bem como dos diversos julgados acerca do tema, verifica-se que a garantia constitucional em análise está condicionada somente à confirmação da gravidez. A Carta Magna não condicionou o gozo da estabilidade à firmação de um contrato de trabalho a prazo indeterminado. Portanto, é inválida a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, ainda que contratada por intermédio de contrato a prazo determinado, fato que foi devidamente ratificado com a edição da nova redação do inciso III da Súmula 244 do TST.
1 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2 edição. Paris: Dalloz, 1962. Tradução francesa da 2 edição alemã, por Ch. Einsenmann.
2 MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 597.
3 KLIPPEL, Bruno. Direito Sumular Esquematizado – TST. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 307-308.
4 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª Edição, São Paulo: LTR, 2012, p. 547.
5 RESENDE, Ricardo. Gestante - estabilidade - contrato de experiência - TST vs. STF. Disponível em: <http://direitodotrabalhoaprova.blogspot.com.br/2012/02/gestante-estabilidade-contrato-de.html >.
6 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª Edição, São Paulo: LTR, 2012, p. 547.
7 DELGADO, Maurício Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho in Revista LTR Legislação do Trabalho. Ano 75, Vol. 10. Outubro de 2011. São Paulo, p. 1168.
8 ARTIGAS, Marta. A estabilidade da gestante com contrato temporário. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-dez-15/marta-artigas-estabilidade-gestante-contratada-prazo-determinado>. Acesso em: 10 de março de 2013.
9 PEREIRA, Eduardo Jansen. A alteração da Súmula 244 do TST. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?id=1336479&tit=A-alteracao-da-Sumula-244-do-TST>.
11 MAIOR, Jorge Luiz Souto apud DELGADO, Gabriela Neves. A Centralidade do Trabalho Digno na Vida Pós-Moderna. DVD Magister: Conteúdo Jurídico Brasileiro. Porto Alegre: Editora Magister, 2010, vol. 34 (out./nov. 2010).
12 STF. RE 571.404. Decisão Monocrática. Relator Ministro Ayres Brito, julgado em 17/12/2010.