RESPONSABILIDADE POR “FURTO” INTELECTUAL DE PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA


17/06/2015 às 15h00
Por Vilela Advogados Associados

As tecnologias inovadoras que se aplicam à educação têm caminhado substancialmente rumo à aprendizagem significativa. Se há poucas décadas exemplares de clássicos como Barsa e Mirador eram disputados nas bibliotecas brasileiras, hoje um pequeno número de palavras-chave e um clique (ou o uso da tecnologia touch screen) sobre o teclado de um utilitário eletrônico são suficientes a oferecer aos pesquisadores uma quantidade imensurável de informações com o auxílio dos meios virtuais.

Mas a era da informação também é da comodidade. Quiçá a era da crise de identidade científica. O que se vê de um lado são os recursos do universo virtual, com o emprego de tecnologias, as quais permitem que o processo ensino-aprendizagem reúna mais conteúdos em menos tempo. Porém, na contramão, pode ser que as ferramentas utilizadas para otimizar o ensino sirvam-se a atitudes ardilosas, na medida em que as facilidades oferecidas são tentadoras. Ilustrando, é possível a um aluno do qual fora solicitado um trabalho que digite em uma das pontes de pesquisa (Google, e.g.) o tema/título e lhe sejam, em segundos, disponibilizados para leitura e/ou cópia uma diversidade de documentos que atendam ao critério de busca, ele escolha um deles, copie-o, formate-o conforme seus objetivos e entregue-o ao professor, o qual, embora irrestritamente obrigado a se manter vigilante, parte, primeiramente, da boa-fé acadêmica, além de que não está obrigado a conhecer substancialmente todos os documentos acessíveis pela Grande Rede.

Restringindo a indagação ao âmbito do ensino superior, a situação é mais delicada. A Universidade é o locus do conhecimento, o qual, nesse âmbito, pressupõe todo um conjunto de procedimentos guiado pela racionalidade e subsidiado pelo método, visando à “produção de conhecimento novo, relevante teórica e socialmente e fidedigno” (LUNA, 2002, p. 15) (grifo nosso). Assim, a partir dessa sucinta concepção sobre produção científica, fica difícil conceber que as cadeiras acadêmicas possam ser palco de infração aos direitos do autor, posto que a Universidade é o cenário da fertilidade das diversas formas[1] de expressão do pensamento científico.

Considere-se, ainda, que, consoante a duração média do Ensino Básico[2], quase que a totalidade das pessoas que frequentam o curso superior são maiores e capazes e, a par disso, são alcançadas pelo que assevera tanto o Código Civil (art. 5º), quanto o Código Penal (arts. 26 e 27). E, emoldurando todo o arcabouço legislativo, tem-se na Carta Magna (art. 5º incisos V e XXVII), que o Estado de Direito erigiu a proteção à autoria intelectual a direito fundamental. Isso sem mencionar o que, em geral, preveem os regimentos internos das instituições de ensino superior.

Assim, se até o Ensino Médio a cópia de trabalhos alheios é tolerada em virtude da não-obrigatoriedade de se produzir conhecimento novo, na esfera da ciência o contexto é outro, posto que esse modo de explicação da realidade é perceptível à luz da originalidade, a qual se constata por meio da publicidade. Nesse sentido, convém citar Luna (2002, p. 24), para quem: “Pesquisa é sempre elo de ligação entre o pesquisador e a comunidade científica, razão pela qual sua publicidade é elemento indispensável do processo de produção do conhecimento”.

A par dessas inferências é que surgiu no âmbito universitário o fenômeno do plágio acadêmico, fonte de discussão e preocupação da comunidade científica em face do cerne da ciência. Afinal, conhecer é explicar a realidade (KOCHE, 2004) e conhecer cientificamente é explicar a realidade de modo racional, sistemático e metódico, o que implica, invariavelmente, inovação no plano das ideias.

Com base nessas premissas, visa-se a discutir a questão do “furto”[3] intelectual de trabalho científico (COSTA NETTO, 2008), mais conhecido como plágio acadêmico, considerando-o como ato ilícito que é e, a par disso, analisando se há possibilidade de tríplice responsabilização do plagiador. Para tanto, a pesquisa bibliográfico-documental foi auxiliada por entrevistas recentes com professores-administradores da Universidade José do Rosário Vellano-UNIFENAS, campus de Alfenas, Instituição cujos ordenamentos também serviram de base à análise da responsabilidade regimental, à vista do espectro restrito desta.

O plágio corresponde à apresentação de “trabalho alheio como próprio mediante o aproveitamento disfarçado, mascarado, diluído, oblíquo, de frases, ideias, personagens, situações, roteiros e demais elementos das criações alheias”(CHAVES apud COSTA NETTO, 2008, p. 319):

Como se verifica, a órbita do plágio tem seu cerne nos direitos reais, conceituados como o poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos (GONÇALVES, 2011a). Mas a produção intelectual, criação do espírito que é, encontra tutela também no âmbito do direito moral. Tanto o é, que a Lei de Direitos Autorais dedica capítulo à referida proteção (art. 24 e seguintes).

Em sendo criação do espírito, o conhecimento científico se infere no espectro da propriedade intelectual (art. 7º, Lei n. 9610/1998), ou, como prefere Costa Netto (2008), dos direitos intelectuais[4], os quais estão presentes com a exteriorização dos feitos intelectuais, ou seja, com a saída do “mundo das idéias” para integrar o “mundo material”.

Considere-se, ainda, a concepção de trabalho científico, o qual:

assume a forma dissertativa, pois seu objetivo é demonstrar, mediante argumentos, uma tese, que é uma solução proposta para um problema, relativo a determinado tema.

A demonstração baseia-se num processo de reflexão por argumentação, ou seja, baseia-se na articulação de idéias e fatos, portadores de razões que comprovem aquilo que se quer demonstrar. Essa articulação é conseguida mediante a apresentação de argumentos. Esses argumentos fundam-se nas conclusões dos raciocínios e nas conclusões dos processos de levantamento de caracterização dos fatos. (SEVERINO, 2002, p. 183)

Com as facilidades tecnológicas e o acesso livre às obras intelectuais, existem normas tendentes a responsabilizar aqueles que utilizam indevidamente produções alheias, seja copiando, não citando a fonte, ou apenas camuflando sintaticamente uma produção científica. Assim se configura o plágio acadêmico. Também as cópias, imitações, assinaturas ou apresentações usurpando a autoria são caracterizadas como plágio. Como se percebe, não se configura nos casos de cópia para leitura particular. Igualmente, não há plágio na cópia de pequenos trechos ou no resumo de ideias alheias, desde que citada a fonte. Neste caso, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece os procedimentos necessários para apresentação de citações e determina a obrigatoriedade da menção ao nome do autor e à fonte pesquisada (KISCHELEWSKI, 2011).

Do exposto, pode-se inferir que o “furto” intelectual no âmbito acadêmico se verifica em três condutas, toda vez que se apresenta ao corpo docente ou mesmo à administração (no caso de convênios com instituições de pesquisa) uma produção: a) em que foram utilizados alguns trechos na literalidade ou mesmo sob a forma de resumo argumentos alheios, sem consignar as informações acerca da fonte originária; b) quando um texto alheio é integralmente utilizado, porém sob a forma de resumo, havendo inovação somente na estrutura de superfície (sintática); c) quando se copia o texto alheio na íntegra, suprimindo do registro as informações que conduzem à forma original e adequando-o ao plano estético exigido pela IES (Instituição Superior de Ensino).

Expressados os competentes conceitos, verificando-se nas condutas acima expressas infrações a um dever de conduta (GONÇALVES, 2011b), cumpre afirmar que o plágio é um ato ilícito. Aliás, isso se extrai da própria garantia constitucional consagrada no art. 5º, pela interpretação conjunta dos incisos XXII e XXVII. E, uma vez que o dever de conduta é cobrado tanto pela ordem civil quanto pela penal e, no caso da apresentação do trabalho à IES, também envolve o dever de probidade perante esta, a questão tramita por três searas do Jurídico: o civil, o penal e o regimental. As duas primeiras têm linha tênue de distinção e, em grande parte das infrações ao dever legal ou contratual, ocorrem conjuntamente.

A ilicitude é chamada de civil ou penal tendo em vista exclusivamente a norma jurídica que impõe o dever violado pelo agente. Na responsabilidade penal, o agente infringe uma norma penal, de direito público, o interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação. Se ao causar dano o agente transgride, também, a lei penal, ele torna-se ao mesmo tempo, obrigado civil e penalmente. (GONÇALVES, 2011b, p. 499).

Com relação à responsabilidade civil, embasada que está no art. 986 do respectivo codex, diz respeito ao dano na esfera privada, ou seja: ao prejuízo individual. Em entrevista com Paschoal (2011), a mesma entende, quanto ao TCC, que o plágio não gera responsabilidade civil, porque, segundo o art. 927 do Código Civil: "aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". Assim, afirma:

o "dano" é elemento essencial para haver a responsabilização civil. A noção de dano está diretamente relacionada à noção de prejuízo. Normalmente, a pessoa que é plagiada em um TCC ela não sofre um prejuízo seja econômico ou moral, diferentemente do caso de um autor que publica uma obra artística ou literária como sendo sua e obtém lucro trazendo um prejuízo financeiro para o verdadeiro autor. Assim, s.m.j entendo que quem plageia em um trabalho escolar comete um ato ilícito que traz responsabilidades nas esferas penal e administrativa, mas não na esfera civil. (PASCHOAL, 2011)

Sobre a responsabilidade penal, embora indiscutível, é de difícil efetivação, conforme informou Bianchini (2011). O crime de plágio está tipificado no art. 184 do CP, e é uma norma penal em branco, suprida pela Lei n. 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais). A par dos elementos objetivos do tipo, o legislador, nos parágrafos do art. 184 do CP, inseriu elementos que exigem, para a sua ocorrência, um juízo de valor dentro do campo da tipicidade. Estes, ditos elementos normativos do tipo, apresentam-se nas expressões "sem autorização expressa" e "sem a autorização". Condicionam a tipicidade do fato e devem ser aferidos pelo julgador.

Por fim, sobre a responsabilidade regimental, em entrevista com Swerts (2011), este afirmou que, quanto aos TCC’s no nível da pós-graduação, opera-se um trabalho preventivo, entregando ao acadêmico um termo em que, a partir da assinatura, o mesmo se responsabiliza por todo o conteúdo da produção científica, cientificando-o das normativas aplicadas à falta de probidade, as quais se transcrevem abaixo:

Do Regimento Geral da UNIFENAS se extrai:

Art. 192. A pena de suspensão é aplicada em virtude de:

(...)

VI. demonstração de improbidade na execução do trabalho escolar.

Art. 193. A pena de desligamento é aplicada por:

I. reincidência nas faltas previstas nos Artigos anteriores.

(...)

O Estatuto da Universidade, levando-se me conta o serviço público que presta, impõe às autoridades competentes o dever de comunicar à Justiça o ocorrido. Vejamos:

Art. 40. (...)

§2º. Quando a infração disciplinar constituir igualmente delito sujeito à ação penal, a autoridade que impuser a punição poderá diligenciar a remessa de cópias autenticadas do inquérito à autoridade competente.

Segundo Swerts (2011), não se tem notícia, no campus de Alfenas, de aplicação de penalidade por plágio acadêmico, acreditando o professor (Ibid.) que os casos, se ocorrem, são resolvidos no âmbito da relação aluno-professor.

[1] São exemplos: monografia; dissertação; tese; seminário; palestra; painel.

[2] Conforme disposto na LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei n. 9394/1996), a uma: “Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos seis anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante (...).Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades (...) (grifos nossos).

[3]{C} Costa Netto (2008) faz uso dessa terminologia hiperbólica por entender que o plágio é a mais repugnante conduta de violação ao direito do autor.

[4] Na concepção do referido autor, à qual nos filiamos: “A propriedade é um bem adquirido por qualquer meio lícito, como, por exemplo, a aquisição (compra), a posse, a sucessão (herança) ou mediante a produção própria do titular ou de terceiros a seu serviço (...) Contudo, não é esse o fundamento da propriedade intelectual, ou melhor, dos direitos intelectuais. Embora a partir da existência concreta da obra intelectual – que é a criação intelectual materializada por qualquer meio -, esta passa a ingressar, embora com características peculiares e restritivas, como se verá adiante, no campo convencional das regras próprias à transferência e circulação de bens; a sua origem advirá sempre de dentro do homem: o ato da criação intelectual (COSTA NETTO, 2008, p. 24).

  • Artigo científico
  • furto intelectual
  • Responsabilidade civil
  • Responsabilidade penal
  • Responsabilidade admnistrativa

Referências

REFERÊNCIAS

BIANCHINI, Hudson Carvalho.   

COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. 2.ed. São Paulo: FTD, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2011a. v. 2.

______.______: parte geral. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2011b. v.1.

KISCHELEWSKI, Flávia Lubieska N. Entenda o direito autoral. 2011. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2011.

KÖCHE, José Carlos. Fundamentos da metodologia científica: teoria da ciência e iniciação à pesquisa. 22.ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

LUNA, Sérgio Vasconcelos de. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: EDUC/PUC-SP, 2002.

PASCHOAL, Sandra Regina Remondi Introcaso.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22.ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SWERTS, Mário Sérgio.

UNIFENAS. Universidade José do Rosário Vellano. Novos ordenamentos da Unifenas aprovados pelo CONSUNI. Alfenas, set. 2010.

Publicado em: https://direitodebuteco.wordpress.com/


Vilela Advogados Associados

Bacharel em Direito - Alfenas, MG


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