Desmistificação da cultura do Estupro


29/03/2018 às 18h04
Por Tiago Oliveira - Correspondência Jurídico

Desmistificação da cultura do Estupro

 

O antropólogo Edward Burnett, trás em sua obra uma denominação aprimorada do que seria em sua forma mais ampla o conceito de cultura, em contrapartida a seus estudos e sua observância social dizendo que cultura é...

"Todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade"

A sociedade Brasileira, assim como outras grandes populações mundiais, passaram por diversas transformações sociais nas quais obtiveram uma imensa carga cultural e social adquirida por meio de ensinamentos que moldaram os conceitos tradicionais de família, e de relações estritas entre os direitos e deveres  atribuídos ao homem e a mulher dentro da sociedade.

 Em toda a historia do mundo, durante muito tempo a mulher foi colocada em uma posição de submissão em relação aos poderes do homem, o que nos faz pensar que do ponto histórico quando se fala em “cultura do estupro” é relativamente fácil acreditar que realmente exista algo com tanto poder persuasivo. Auguste Comte foi um filosofo Frances que dedicou sua vida ao estudo social, e em toda a sua obra Comte acreditava que não é possível entender a sociedade estando dentro dela, por isso, para que se analise, e se obtenha uma conclusão exata sobre qualquer tema, se faz necessário observar o  crescimento social de longe para que se tenha um julgamento justo acerca do tema em questão.

Aprendemos que cultura é todo costume, o aprendizado, os gostos religiosos e crenças de um povo que é passado para a próxima geração. No Brasil, nossa construção ideológica nos relata fragmentos de dominação ao próximo, somos um povo que em tese aprendeu a ser dominado, pois passamos por um período escravista onde as mais intolerantes e inacreditáveis barbaridades foram feitas a homens e mulheres apenas pelo fato de serem tomados como “coisas” e assim, possuir um valor mercantil ao qual a veracidade psicológica de acreditar que um outro ser humano lhe pertencia e que por esse motivo deveria se submeter aos maus tratos e violência.

Ainda em tal resquício temporal, percebe-se claramente que os direitos do homem continuam a transcender  os direitos da mulher e que nesse mesmo contexto os direitos matrimoniais eram de consumação do casamento, no qual a “esposa” deveria honrar seu marido e deitar-se com ele para que assim, seus desejos e necessidades fossem satisfeitos.

É preciso entender que a sociedade evolui e assim como tal, os direitos e deveres mudam, pois com os acontecimentos históricos e estudos sociais, o homem aprende, e nos dias de hoje já não se tem mais a idéia de família como a algumas décadas atrás, pois os conceitos mudaram e a realidade social é outra. Um fato que não pode deixar de ser observado, é que em todo o mundo as sociedades são construídas com regras, que quando impostas ao sujeito em sociedade devem ser seguidas para que haja uma preservação do bem comum a todas as pessoas, e esse é o dever do estado.

A família é a base estrutural de toda a criação humana, os indivíduos recebem desde de pequenos importantes instruções durante seu processo de crescimento e aprendizado que os prepara para a vida e convívio social. É importante na medida em que possibilita a cada membro constituir-se como sujeito autônomo. É o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É a família que propicia os aportes afetivos e sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais.

As crianças adquirem muitos dos padrões de comportamento de seus pais, como atitudes e valores, através dos processos de imitação e identificação. Esse processo ocorre sem que os pais ensinem, ou tentem influenciar a criança, e ainda sem que a criança tenha a intenção de aprender. É o que chamamos popularmente de exemplo.

Podemos então pensar em como se tem perdido esses valores a medida que sucumbimos às exigências da vida moderna onde o convívio familiar se torna cada vez escasso. Hoje o que vemos são famílias reproduzindo de geração em geração, feridas imensas no coração de seus membros.

O direito brasileiro e também grande parte do direito em todo o mundo admite em sua formação fontes primarias para a construção de um convívio saudável, de todo o individuo em sociedade, de forma que admite-se que a cultura de um povo, tão como o seu costume sejam levados em consideração no momento em que se cria uma determinada lei para a proteção de cada individuo dentro da sociedade. Sílvio de Salvo Venosa em sua obra “Direito civil, Parte Geral volume 1, 4º edição” trata a cerca deste tema.

Fontes do Direito

 A expressão fontes do Direito tem dois sentidos: origem histórica ou diferentes maneiras de realização do Direito. Aqui, no sentido que ora interessa, temos o aspecto de fonte criadora do Direito. No início da evolução social, residia nos costumes a principal fonte. Posteriormente, a lei ganha foros de fonte principal. Sob esses dois aspectos, decorrem os dois principais sistemas atuais: o sistema do direito costumeiro do Common Law e o sistema romano-germânico, que é o nosso, dos quais nos ocuparemos mais detidamente a seguir. A lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei no 4.657, de 4-9-42), não é simplesmente uma introdução ao Código Civil, mas a todo ordenamento jurídico brasileiro; apresenta em seu art. 4o, como fontes de Direito: a lei, a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito. Continua em vigor mesmo perante o Código Civil de 2002 e com ele se harmoniza perfeitamente.”

No contexto acima percebemos as grandes realizações da transformação social, desde a formação da construção do individuo até a normatização de valores aplicados em sociedade, nos quais baseiam-se os institutos constitutivos de família e construção ideológica social. Essa representação é meramente explicativa para que se compreenda o verdadeiro motivador, o causador e até mesmo o ponto de start na indagação do que se chama “cultura de estupro”.

Fatos recentes trouxeram  discussões acerca deste fenômeno social, reproduzido a partir de características especificas do caráter pessoal de cada individuo, no qual existe uma sujeição objetiva de que pelos contextos históricos e por fatores biológicos todo o homem será um potencial estuprador, apenas pela característica de gênero masculino.

A emissora de radio/televisão “BBC” publicou em sua pagina oficial na internet uma entrevista com a psiquiatra Sahika Yuksel, em Istambul, para tentar entender como funciona a mente de um estuprador.

 

 BBC: Por que homens estupram? O que motiva um estuprador?

Sahika Yuksel: É completamente errado supor que homens estupram por causa de necessidades hormonais. Um homem na rua não estupra uma mulher de qualquer jeito. Sabendo que é algo impróprio, eles tendem a fazê-lo secretamente.

O estupro não é um ato sexual. É um ataque. Trata-se de vencer, de conseguir um objeto  e a mulher é objetificada neste caso. Trata-se de poder. E há também pessoas que sentem prazer com isso.

O estupro é considerado o comportamento mais grave (em relação a uma mulher), isso é verdade, mas não é o único tipo de agressão que os homens cometem.

Quando a violência psicológica, a violência física, a violência financeira, o desrespeito por direitos das mulheres e a discriminação são permitidos e normalizados, também ocorrem estupros.

BBC: A maneira como um homem é criado tem alguma relação com o fato de ele cometer agressão sexual na vida adulta?

Yuksel: As crianças são educadas de acordo com valores que atribuem mais poder aos homens na cultura. A mãe é ensinada a tratar seu marido de maneira diferente e a obedecer a sua dominação autoritária.

Portanto, ela espelha esse comportamento com seu filho e com sua filha. Sabemos que meninas cujas mães enfrentaram violência doméstica tendem a sofrer mais violência em seus próprios casamentos e relacionamentos.

Homens cujas mães apanharam de seus pais têm maior tendência a serem abusivos em seus próprios relacionamentos.

Meninos e meninas são definidos pela sociedade pelo fato de suas mães serem tratadas por seus pais como indivíduos de segunda classe.

Pode-se dizer que é um problema global e que é possível ver traços semelhantes dele em todo o mundo. Mas lutar contra isso é outra coisa.”

Entrevista com Shaika Yuksel (BBC, http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/190217_gch_mente_estuprador_aa_cc )

 

Não só no Brasil, mas em todo o mundo e todos os dias agressões sexuais são praticadas, pessoas de todas as idades e de diferentes lugares do mundo são violentadas de todas as formas como no caso do africano congolês (cidade do Congo)   Kazungu Ziwa de 53 anos, que teve sua casa invadida e foi brutalmente violentado, assim como outros casos que também tem se espalhado .

Noticia retirada da pagina do The New York TIMES  http://www.nytimes.com/2009/08/05/world/africa/05congo.html

 

O código penal brasileiro trata deste tema em seu artigo 213, titulo VI - dos crimes contra a dignidade sexual, capitulo I – Dos crimes contra a Liberdade sexual expondo que...

“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso...“

Terá neste aspecto uma pena de reclusão de 6 (seis) à 10 (dez) anos.

E  trás ainda...

“§ 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos..

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos..

            § 2o  Se da conduta resulta morte: 

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”

Esta colocação do código penal, dá não só um sentido à manifestação de violência cometida contra a integridade fisica do individuo, mas também a seus traços emocionais por tratar de temas referentes a dignidade da pessoa, dessa maneira, temos uma afirmação de que não só um crime que está descrito na tipicidade penal, mas um fato social problematizado na idealização de que a figura feminina é frágil e vitima exclusiva desta violência refletida na sociedade.

Nossa base familiar nos ensina o valor do respeito ao próximo, nos mostra como é importante não generalizar e a não ter preconceitos seja qual for  o motivo. É preciso concentrar forças onde o problema realmente existe, Estupro é um crime e não pode ser tratado como cultura, como algo relativamente aprovado pela sociedade, como algo comum a todos, é uma anomalia social, assim como todos os crimes existentes, assim como todos os problemas sociais existentes.

O constante crescimento social trás novas visões aos conceitos implementados e a sociedade está em constante processo evolutivo de modo que esses fatos sociais se repetem sempre e não tem como ser contidos, os problemas entre classes sociais e suas diferentes formas sempre existira, pois o direito ainda que eficiente, é lento e não acompanha a sociedade, fatos que eram considerados crimes a 20 (vinte) anos atrás, hoje já não são mais crimes ou deixaram de ter sua relevância social de tal maneira que se tornaram comuns e já não causam um efeito tão devastador quanto o de sua própria época.

Não somos ensinados a roubar, a matar ou e nem a nos envolver com nada que reflita na sociedade a imagem de uma pessoa ruim, de um ser humano que deve ter seu direito a liberdade restringido pois não se encontra apto a transitar no convívio social, de alguém que representa perigo ou grave ameaça a todos, muito pelo contrario, os padrões sociais nos moldam e nos fazem escolher caminhos de diferentes retratos sociais,e muitas vezes nos enganamos acreditando que não há oportunidade e que por isso temos que ser mais um produto da sociedade que será bem ou mau sucedido de acordo com o caminho escolhido para percorrer.

O estupro como qualquer outro crime é um reflexo do desequilíbrio mental, seja ele momentâneo, continuo ou apenas elevado por um forte sentimento momentâneo de raiva ou de tristeza, algo que faça com que a pessoa saia de seu estado natural e siga impulsos de auto preservação. De uma forma ou de outra não existe “cultura do estupro” em nossa sociedade e esse crime deve ser tratado pelo que é um “crime” de forma a ser contido e  evitado, deve ser entendido como um problema social, o qual seja, e que sempre se repetirá, pois advêm de uma característica psicológica e subjetiva de cada individuo.

 

 

  • estupro; cultura do estupro; tiago markes; culture

Tiago Oliveira - Correspondência Jurídico

Estudante de Direito - Salvador, BA


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