O fortuito interno é um conceito jurídico bastante utilizado no âmbito das relações de consumo. Trata-se em linhas gerais do dever dos empreendedores de arcarem com as avarias decorrentes da própria atividade desenvolvida que venham a trazer prejuízos inesperados para o consumidor. Também é possível entender o fortuito interno como sendo o contrário do instituto do fortuito externo, aquele em que o devedor não se responsabiliza por danos decorrentes de caso fortuito ou força maior, como consta no art. 393, CC/02. Assim, pensa-se que o termo pode ter surgido por empréstimo ao já utilizado no Código Civil para o âmbito do Direito do Consumidor. Fato é que o conceito já está bastante difundido, talvez motivado pelas demandas crescentes dos consumidores.
No caso dos serviços prestados por Companhias Aéreas, destaco julgados recentes para ilustrar o fortuito interno. Veremos em todos os casos que as circunstâncias são diversas, mas têm em comum se originarem de riscos restritos à atividade aeroportuária. Assim, é de se esperar nas relações de consumo o cumprimento integral do serviço, ressalvadas somente a força maior e o caso fortuito. Para reforçar essa expectativa, o Código de Defesa do Consumidor legitima a Responsabilidade Civil Objetiva, na qual, o dever de reparar o dano não depende de prova da culpa ou dolo do fornecedor.
O primeiro caso, é o processo nº 07199989720178070016, da competência da 2ª Turma Recursal do Juizado Especial do TJDFT. Nele, a Companhia Aérea foi condenada a indenizar danos morais e materiais decorrentes de ter recusado o embarque de um casal de passageiros que se atrasaram em virtude de procedimento de inspeção pessoal de bagagem. Essa inspeção seleciona de maneira aleatória alguns passageiros para nova revista, mesmo depois de terem passado pelo detector de metais. Em razão disso, quando o casal compareceu ao portão de embarque, foram informados que as portas da aeronave haviam se fechado e que não haveria mais possibilidade de embarque. Para embasar a condenação, entendeu o magistrado que a inspeção aleatória é um procedimento rotineiro em todos os aeroportos do país, e por isso a Companhia deveria tomar medidas de segurança para prestar o serviço ainda que seus passageiros se atrasassem por terem sido submetidos à inspeção. Desse modo, a atividade aeroportuária deve cobrir esse risco ao prestar o serviço, sem que seja repassado ao consumidor, eventuais prejuízos.
Outros casos envolvem também problemas de infraestrutura na pista de pouso e decolagem, gerando atrasos e até cancelamentos de vôos (processo nº 07092074020158070016, 2ª Turma Recursal Cível). Há também o caso em que houve perda de conexão em virtude de alteração na malha aérea por tráfego intenso de vôos (processo nº 07090167520188070020). Enfim, em todos os casos, a Companhia Aérea tem o dever de prever as avarias e tomar medidas para que o serviço seja prestado integralmente, ressalvado apenas os casos de força maior ou caso fortuito.
Interessante observar que o valor das indenizações tendem apenas a compensar os prejuízos causados pelo infortúnio. Isso porque a prudência nesses casos é altamente necessária, em razão da chamada indústria do dano moral. Nela, os danos morais são supervalorizados, de maneira a incutir no julgador um sentimento de empatia, que o impele a condenar a reparação em valores além ou aquém do necessário. Infelizmente, a prática reiterada disso fomenta mais ainda o descrédito na Justiça, já que mais uma vez, o consumidor é lesado, ou simplesmente abusa de seu direito usando do aparato do Estado. É necessário assim fazer cumprir o disposto no art. 6º do Código de Processo Civil, que impõe às partes, aos advogados e aos juízes o dever de colaborar para a obtenção da efetiva e justa solução do mérito.