1 INTRODUÇÃO:
Na data de 07 de agosto de 2006 o Presidente da República sancionou a Lei nº. 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha, a fim de reprimir e previnir a violência doméstica sofrida pelas mulheres.
Um dos institutos mais importantes para o combate à violência doméstica foram as medidas protetivas de urgência instituídas pela referida lei.
Ocorre que a Lei Maria da Penha não logrou êxito em esclarecer a natureza jurídica deste instituto, de modo que, desde a edição desta lei, muito se discute na doutrina, com reflexos na jurisprudência, acerca da natureza jurídica de suas medidas protetivas.
Há autores que defendem a natureza jurídica de medidas cautelares processuais penais, outros que sustentam a tese de que são medidas cautelares de natureza processual civil e, ainda, há aqueles que defendem a natureza jurídica de tutela inibitória.
A definição da natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha é de suma importância, pois gera implicações práticas de grande relevância, tais como, a câmara competente para apreciar o recurso cabível contra decisão que concede ou denega as medidas protetivas, se cível ou criminal, assim como as consequências do descumprimento da ordem.
Para a confecção deste artigo a metodologia utilizada foi a pesquisa jurisprudencial e bibliográfica, através da leitura de livros, artigos e enuniados jurisprudências.
Pretende-se com o desenvolvimento do presente artigo analisar, através de pesquisas bibliográficas, a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei nº. 11.340/06, contribuindo-se, ainda que modestamente, para a elucidação da questão.
2 LEI MARIA DA PENHA:
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:
O poder que o sexo masculino exerce sobre o feminino está além dos séculos, remonta os primórdios da humanidade, ainda quando o ser humano vivia nas cavernas.
Dos primórdios da humanidade até o presente, o poder exercido pelo homem sobre a mulher é latente, nas sociedades primitivas o homem era o responsável por caçar e prover alimentos ao seu núcleo familiar, enquanto a mulher era a responsável pela criação dos filhos, organização do lar e sobretudo, pela reprodução.
A etimologia da palavra patriarcado remonta a importância atribuída afigura masculina na sociedade ocidental, derivada do grego pater, reflete a ideia da jurisdição exercida por um patriarca sobre determinado território.
O patriarca, figura bíblica que remonta ao antigo testamento, era aquele incubido do exercício daquele poder que até pouco tempo atrás se chamava pátrio poder. Tal poder exorbitava a esfera pública da administração de um território, pois o patriarca era também o chefe da vida privada, exercendo o pátrio poder sobre seus filhos e mulher.
Em apertada síntese, pode-se afirmar que este paradigma cultural persistiu e foi dominante até o final do século XIX e início do século XX, onde surgiu o movimento social denominado feminismo.
Com o advento do referido movimento, alterou-se perspectivas predominantes em diversas áreas da sociedade ocidental, desde a cultura ao Direito, sendo que na seara do Direito pode-se citar exemplificativamente conquistas como o sufrágio universal, direitos trabalhistas, o direito à autonomia e integridade do corpo e direitos reprodutivos, tais como contracepção e cuidados pré-natais de qualidade.
Não obstante as conquistas susomencionadas, a mulher continuou a ser vítima do persistente paradigma patriarcal, entretanto, de modo velado, no lar, e em geral em todos os ambientes sociais, a mulher padece com toda a sorte de exterioriazação de violência, desde a psicológica à física; a título de exemplo vale mencionar o caso da vítima que deu nome a Lei nº. 11.340/06, Maria da Penha, vítima de duas tentativas de homicídio da autoria de seu marido.
A violência contra a mulher tornou-se um problema tão grande que a comunidade internacional atentou-se para a necessidade de se criar políticas e mecanismos legais aptos a coibir todas as formas de violência contra o gênero feminino, assunto a ser abordado no próximo capítulo.
2.2 CONTEXTO HISTÓRICO DA LEI Nº. 11.340/06:
O problema da violência contra o gênero feminimo tornou-se um tema reiteradamente abordado pela comunidade internacional, razão pela qual, na tentativa de eliminá-lo, entendeu-se por bem criar diversos instrumentos internacionais, tais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), Plano de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995), Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, além de outros instrumentos de Direitos Humanos, valendo ressaltar que o Estado Brasileiro é signatário de todos os instrumentos retromencionados.
No tocante ao processo legislativo brasileiro que culminou com a promulgação da Lei nº. 11.340/06, pode-se dizer que o mesmo efetivamente se iniciou devido a determinação exarada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em virtude da grave denúncia recebida pelo órgão, referente à impunidade dos crimes de tentativa de homicídio cometidos em desfavor da farmacêutica cearense Maria da Penha, que ficou paraplégica em razão da bestialidade da violência praticada por seu marido.
Após o reconhecimento da omissão do Estado Brasileiro, com a consequente determinação para que fosse editada lei versando sobre o tema da violência doméstica, organizações não-governamentais internacionais reuniram-se sob a forma de consórcio e elaboraram um anteprojeto de lei visando combater a violência doméstica e familiar contra o gênero feminino.
Em meados de março de 2004, o referido anteprojeto foi apresentado à Secretaria de Políticias para as Mulheres da Presidência da República, que por sua vez instituiu, através do Decreto nº. 5.030/04, o Grupo de Trabalho Interministerial, encarregando-o da elaboração de um projeto de lei versando sobre mecanismos de combate e prevenção à violência doméstica.
Após debates realizados com a sociedade civil, o Poder Executivo submeteu ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº. 4.559/2004, que sofreu diversas alterações, ultimando na Lei nº. 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha.
A Lei Maria da Penha representa um grande avanço no combate a violência contra o gênero feminimo, pois além de terem sido reconhecidos diversos direitos e prerrogativas à mulher, a referida lei inovou com a criação das chamadas medidas protetivas de urgência, conforme se verá no capítulo seguinte.
2.3 INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI:
A Lei nº. 11.340/06 inovou em muitos aspectos, criando diversos mecanismos aptos a coibir e previnir a violência doméstica contra a mulher, promovendo a igualdade material entre os gêneros.
Além de a referida lei ter imposto ao poder público o dever de promover políticas públicas para garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas, também definiu o conceito de violência doméstica, bem como as formas de exteriorização da mesma.
Indo além, a Lei Maria da Penha instituiu os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal para apreciar casos envolvendo violência doméstica, e ainda disciplinou um procedimento próprio durante a fase do atendimento da vítima de violência doméstica perante a Autoridade policial; desta forma, aos processos envolvendo casos de violência doméstica aplicam-se regras processuais especiais em um Juízo próprio.
A Central de Atendimento à Mulher, serviço prestado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República registrou, no ano de 2013, o total de 532.711 (quinhentas e trinta e duas mil e setecentas e onze) denuncias de violência doméstica; se somado ao total de registros desde a criação do serviço que ocorreu em 2005, obtem-se o total de 3,6 (três milhões e seiscentas mil) denuncias.
Dentre todas as inovações trazidas pela Lei nº. 11.340/06, sem dúvida a mais importante foi a criação das chamadas medidas protetivas de urgência.
Postergando a análise acerca da natureza jurídica do instituto para o respectivo capítulo, vale salientar que as medidas protetivas de urgência são instrumentos jurídicos aptos a fazer com que seja diminuido o número alarmante de casos envolvendo violência contra o gênero feminino.
3- DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
3.1 O PROCESSO CAUTELAR:
Comumente se define o processo cautelar como sendo um terceiro gênero de processo, sendo os outros dois gêneros o processo de conhecimento e o de execução, respectivamente.
Adotando uma classificação diversa, Alexandre Câmara (2013, p. 07) expõe que: na verdade, o processo cautelar, como se poderá ver, é um segundo gênero de processo, colocando-se em posição oposta à ocupada, em conjunto, pelos processos cognitivos e executivo (e ao processo sincrético, formado pela fusão de um módulo cognitivo e um executivo). Isso porque esses dois tipos de processo podem ser reunidos num único gênero: o dos processos satisfativos, assim entendidos aqueles processos em que o desfecho final normal é capaz de permitir a realização do direito material.
Desta forma, têm-se o gênero dos processos satisfativos, onde encontram-se as espécies de processo de conhecimento e de execução, sendo o processo cautelar um gênero a parte, pois este não se destina a satisfazer o direito material.
Independentemente da classificação adotada, pode-se definir o processo cautelar como o processo que tem por finalidade assegurar a efetividade do provimento juridiscional a ser produzido em outro processo (CÂMARA, 2013, p. 09).
O processo cautelar é necessário para proteger a efetividade do próprio processo contra as adversidades provocadas pelo decurso do tempo, razão pela qual é comumente dito ser o mesmo instrumento do instrumento.
Conforme exposto acima, o processo cautelar é caracterizado por seu um processo não satisfativo, de modo que se há pretensão de satisfazer o direito material antecipadamente devido a riscos para o mesmo, o instituto jurídico adequado será o da antecipação dos efeitos da tutela.
Marcellus Polastri (2014, p. 61) afirma que “o processo cautelar é a relação jurídica processual, dotada de um procedimento próprio, da qual se obtêm medidas cautelares”
3.2- MEDIDAS CAUTELARES
As medidas cautelares são instrumentos capazes de assegurar a efetividade do provimento jurisdicional futuro, normalmente deferidas na sentença cautelar proferida no final do respectivo processo cautelar.
Não obstante, as medidas cautelares muitas vezes são deferidas no bojo de uma ação de conhecimento ou de execução, de forma incidental, alheias, portanto, dos autos do processo cautelar, a título de exemplo, pode-se citar o permissivo legal previsto no art. 7º, inciso III da Lei nº. 12.016/2009, conhecida como lei do mandado de segurança, onde permite-se o deferimento de medida cautelar para suspender a eficácia do ato atacado.
As medidas cautelares se diferenciam de outros provimentos jurisdicionais devido as seguintes características: instrumentalidade hipotética, temporariedade, revogabilidade, modificabilidade e fungibilidade (CÂMARA, 2013. p. 26)
As medidas cautelares referem-se sempre a um provimento jurisdicional futuro que tem a sua eficácia ameçada em decorrência das adversidades provocadas pelo transcurso do tempo, são elas os instrumentos utilizdo para garantir a efetividade do mesmo.
Tais medidas podem ser revogadas ou modificadas, de ofício ou a requerimento das partes, conforme dispõe o art. 805 do Código de Processo Civil, valendo salientar, ainda, que são temporárias, pois têm duração limitada no tempo, ainda que não venham a ser substituídas por outra coisa (CÂMARA, 2013. p. 28).
Por fim, vale ressaltar que para o deferimento de qualquer medida cautelar é necessário a existência simultânea de dois requisitos, quais sejam, fumus boni iuris e periculum in mora.
fumus boni iuris siginifica, em um juízo de cognição sumária, a probabilidade da existência do direito alegado, enquanto que o periculum in mora significa as ameças que o provimento jurisdicional futuro encontra-se exposto devido as adversidades provocadas pelo transcurso do tempo.
3.3- DA TUTELA INIBITÓRIA:
Conceitua-se como tutela inibitória aquela que tem por fim impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. (MARINONI, 2012. p. 32), desta forma, tutela-se o ilícito que pode vir a ser praticado, prosseguir-se ou repetir-se, o ato ilícito já praticado e cuja a repetição ou continuação não se teme é objeto da clássica tutela ressarcitória.
A tutela inibitória visa previnir ou minimizar os efeitos de uma situação que poderá causar ou já está causando danos, atuando com objetivo diverso da tutela ressarcitória, que visa tão somente reparar os danos já causados.
A tutela inibitória é caracterizada, segundo Luiz Guilherme Marinoni (2014, p. 34):
“Por ser voltado para o futuro, independentemente de estar sendo dirigida a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Note-se, com efeito, que a inibitória, ainda que empenhada apenas em fazer cessar o ilícito ou a impedir a sua repetição, não perde a sua natureza preventiva, pois não tem por fim reintegrar ou reparar o direito violado”
Processualmente, a ação inibitória basicamente funciona através de uma decisão ou sentença apta a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, tendo por fundamento normativo-processual os artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor (MARINONI, 2014, p. 34).
A tutela inibitória poderá ser individual ou coletiva, tendo por objeto a proteção de direitos de primeira, segunda ou terceira geração, não sendo destinada somente para a proteção de direitos patrimoniais, neste sentido expõe Luiz Guilherme Marinoni (2014, p. 67):
“A situação pode ser mais grave quando se pensa nos direitos que não podem ser tutelados de forma adequada através do ressarcimento em pecúnia e, principalmente, nos direitos não patrimoniais. Não viabilizar a tutela inibitória quando em jogo direitos não patrimoniais é admitir a expropriação desses direitos, transformando-se o direito ao bem em direito ao ressarcimento ou, em outras palavras, em simples pecúnia. Tal possibilidade, como é óbvio, está muito distante das Constituições fundadas na dignidade do homem e preocupadas em propiciar a sua inserção em uma sociedade mais justa.”
A Constituição Federal de 1988 consagra uma série de direitos, dentre eles i) a inviolabilidade da vida privada, bem como da honra, imagem, sendo assegurada a indenização por danos materiais ou morais decorrente da sua violação (art. 5º, X); ii) a inviolabilidade do sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas (art.5º, XII); iii) a proteção do direito autoral (art. 5º, XVII); iv) a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII); v) direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput), dentre outros (MARINONI, 2014, p. 67).
Marinoni (2014, p. 68) expõe, ainda, que:
“Supõe-se, como é óbvio, que tais direitos devam ser efetivamente tutelados, até mesmo porque a falta de efetividade da tutela jurisdicional implica a existência de um ordenamento jurídico incompleto. A existência do direito material – em nível de efetividade – depende da efetividade do próprio processo. Sem um direito processual capaz de garantir uma tutela jurisdicional efetiva e adequada não há um ordenamento que possa ser qualificado como jurídico. O Estado, ao proibir a autotutela privada e assumir o monopólio da jurisdição, assumiu também o dever de tutelar de forma efetiva todas as situações conflitivas concretas; o Estado, portanto, não pode deixar de dar resposta adequada aos direitos por ele mesmo proclamados.”
No ordenamento jurídico brasileiro ainda inexiste legislação especial disciplinando a tutela inibitória, porém, vale ressaltar que o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Quanto ao procedimento a ser obedecido na eventual propositura da ação inibitória, preleciona Marinoni (2014, p. 98) que:
“Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC constituem as fontes de vários instrumentos processuais necessários para a efetividade da concessão de diversas espécies de tutelas. A possibilidade de ser criar um aparato técnico (um procedimento) através da conjugação destes instrumentos, permite conceber ações adequadas a prestação de várias tutelas, entre elas a inibitória.
Estes artigos, em outras palavras, instituem apenas técnicas processuais adequadas. Não devem ser vistos como fundamento substancial da tutela inibitória ou mesmo da tutela das obrigações de fazer e de não fazer, mas sim como as normas de natureza processual que, seguindo a orientação consubstanciada no art. 5.º, XXXV da CF/1988, estabeleceram os instrumentos necessários para que o direito à tutela pudesse ser efetivamente exercido.,
Desta forma, tendo em vista a inexistência de regras processuais expressas sobre a matéria, aplicam-se, na inexistência de legislação especial, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.
3.4- DA NATUREZA JURÍDICA:
A natureza jurídica de um instituto, conforme expõe Maria Helena Diniz (1998, p. 337) consiste no “significado último dos institutos jurídicos, sendo a afinidade que um instituto tem em diversos pontos com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação.”
Superada a breve exposição acerca das duas categorias jurídicas em que a doutrina mais se controverte para enquadrar o instituto jurídico das medidas protetivas de urgência da Lei nº. 11.340/06, doravante será realizada a análise acerca da questão a qual se propõe o presente trabalho de conclusão de curso.
Conforme exposto, a tutela cautelar visa garantir a efetividade do provimento jurisdicional futuro, assim, ao ser concedida a medida protetiva de urgência – sendo ela uma medida cautelar – será vinculada ao referido provimento jurisdicional futuro, e apresentará todas as demais características das medidas cautelares.
Neste sentido, a Defensora Pública Julia Maria Seixas Bechara (BECHARA, 2010) defende:
“Com efeito, como cautelar, a protetiva deveria fazer referência a um processo principal, conforme artigo 796 do Código de Processo Civil. Para alguns, é possível que se entenda que o principal é o processo criminal. Todavia, essa vinculação traria os inconvenientes acima apontados, em especial a desproteção da mulher em caso de retratação da representação, ou a manutenção dessa para garantia de vigência da ordem. Ademais, não se pode admitir que medida de natureza cível vincule-se a processo principal de caráter criminal.
Para outros, então, principal seria o processo a ser ajuizado na vara de família, como o de divórcio, o de reconhecimento e dissolução de união estável, o de alimentos. Ainda que tal entendimento seja compatível com a natureza cível da protetiva, é certo que essa não guarda o traço da referibilidade àquelas demandas. A proibição de contato do ofensor com a vítima não seria instrumento de sucesso da ação de alimentos, para se dar um exemplo. No mais, há casos em que vítima e ofensor não têm pendências judiciais a serem resolvidas, como na violência entre irmão e irmã ou entre namorados.
Outro problema diz com o prazo de cessação da eficácia da tutela, nos termos do artigo 808 do referido diploma legal. Assim, uma vez deferida a protetiva, a vítima teria o lapso de trinta dias para ajuizamento do processo principal, sob pena de perda da eficácia da ordem.
Tal conseqüência, por demais gravosa, vai de encontro à razão de existência das próprias medidas protetivas. Se, de um lado, se constatam dificuldades para o ajuizamento das demandas, como o acesso à célere assistência jurídica, a obtenção de documentos necessários à propositura da ação ou mesmo a instabilidade emocional, de outro lado é possível que sequer exista a necessidade de outro feito, como mencionado anteriormente.
De tal modo, a exigência de futura propositura de ação significaria nova desproteção à vítima, em atendimento a formalismo incompatível com o mecanismo de solicitação da ordem.
Isso posto, conclui-se que a medida protetiva, porque autônoma e satisfativa, não é tutela de natureza cautelar, mas sim tutela inibitória.”
Lado outro, vale salientar que em que pese as medidas protetivas de urgência tramitarem junto às varas criminais, isto por si só não lhe conferem a natureza jurídica de medidas cautelares processuais penais, pois nos termos do art. 14 da Lei nº. 11.340/06 “Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.”
Assim, percebe-se que enquanto não forem instalados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a vara criminal detém uma competência híbrida, cível e penal.
Em artigo publicado na biblioteca eletrônica da Associação Mineira do Ministério Público, o Promotor de Justiça Mario Antônio Conceição defende (CONCEIÇÃO, 2012) que:
“A existência de uma infração penal, portanto, não é requisito para o deferimento de MPU, pois existem condutas previstas no art. 7º da Lei Maria da Penha, p.ex, violência psicológica que não se esgotam nos tipos penais previstos na legislação penal, p.ex, ameaça, constrangimento e etc.”
“A MPU deve ser compreendida como direito de ação como nova tutela inibitória, a ser processada conforme o rito do artigo 273 c/c artigo 461, parágrafo 5º , do CPC, que pode inclusive resultar em provimento de natureza mandamental.”
“A solução assegura que eventual decisão interlocutória proferida nessa espécie de rito seja atacada através de agravo, art. 522, o que não seria possível na hipótese de submetê-la ao rito do processo penal dado ao rol taxativo do recurso em sentido estrito.”
“As medidas protetivas ainda que sejam proferidas por juiz criminal são instrumentos essencialmente cíveis. Elas são meios de que dispõe o juízo da violência doméstica que exerce uma sorte de competência mista ou híbrida (criminal e cível) para atingir a finalidade prevista na Lei Maria da Penha, qual seja, proteger a vítima-mulher que esteja em situação de perigo potencial ou iminente.”
A Lei nº. 11.340/06, no §4º do art. 22, que dispõe acerca das medidas protetivas de urgência, preleciona que “aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil)”.
Desta forma, percebe-se que a efetivação das medidas protetivas de urgência, por disposição expressa da mencionada lei, se dá exatamente através do artigo do qual Luiz Guilherme Marinoni, conforme exposto anteriormente, defende que se processam os procedimentos de tutela inibitória.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Nº 1.419.421 - GO (2013⁄0355585-8), da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, asseverou que:
“Ora, parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas.
Vale dizer, franquear a via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha, pode evitar um mal maior, sem necessidade deposterior intervenção penal nas relações intrafamiliares.
Na verdade, a Lei Maria da Penha, ao definir violência doméstica contra a mulher e suas diversas formas, enumera, exemplificadamente, espécies de danos que nem sempre se acomodam na categoria de bem jurídico tutelável pelo direito penal, como o sofrimento psicológico, o dano moral, a diminuição da autoestima, manipulação, vigilância constante, retenção de objetos pessoais, entre outras formas de violência (arts. 5º e 7º).
Nesse sentido, confira-se a lição de Maria Berenice Dias sobre o tema:
A violência doméstica normatizada pela Lei Maria da Penha não guardacorrespondência com qualquer delito tipificado no Código Penal. A Lei primeiro identifica as ações que configuram violência doméstica ou familiar contra a mulher (art. 5º): qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Depois define os espaços onde o agir configura violência doméstica (art. 5º, I, II e III): no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação de afeto. Finalmente, de modo didático e bastante minucioso, são descritas as condutas que configuram violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral.
As formas de violência elencadas deixam evidente a ausência de conteúdo exclusivamente criminal no agir do agressor. A simples leitura das hipóteses previstas na Lei mostra que nem todas as ações identificadas como violência doméstica correspondem a delitos. Configuram um ato ilícito, pouco importa se ilícito penal ou civil. [...]
Assim, é possível afirmar que a Lei Maria da Penha considera violência doméstica as ações que descreve (art. 7º) quando levadas a efeito no âmbito das relações familiares ou afetivas (art. 5º). Essas condutas, mesmo que sejam reconhecidas como violência doméstica, nem por isso tipificam delitos com possibilidade de desencadear uma ação penal.
[...]
Este é o verdadeiro alcance da Lei Maria da Penha. Conceitua a violência doméstica divorciada da prática delitiva e não inibe a proteção da vítima e nem impede a atuação da autoridade policial e nem a concessão das medidas protetivas pelo juiz”
No tocante a questão da prisão preventiva por descumprimento das medidas protetivas de urgência, expõe (BECHARA, 2010) que:
“A Lei Maria da Penha alterou a redação do artigo 313 do Código de Processo Penal para possibilitar a decretação da prisão preventiva como garantia da execução das medidas protetivas de urgência se o fato envolver violência doméstica e familiar contra a mulher.
A abertura tem possibilitado casos aberrantes de prisão preventiva duradoura decretada no bojo de termo circunstanciado instaurado para apuração de contravenção penal ou de inquérito versando sobre crime cuja pena máxima jamais levaria ao cumprimento da sanção em regime fechado.
A inclusão é absurda e fere os mais primordiais princípios do sistema de garantias individuais previsto na Constituição Federal, não encontrando amparo sequer nos tratados internacionais que versam sobre violência doméstica.
Visto que são as protetivas medidas de natureza cível, a previsão de prisão para garantia de sua execução nada mais é do que nova hipótese de prisão civil.”
Em que pese tais argumentos, vale salientar que a prisão preventiva como forma de assegurar a efetividade das medidas protetivas de urgência não foi editada pela Lei nº. 11.340/06, mas sim pela Lei nº. 12.403/11.
A Lei nº. 12.403/11 acrescentou no rol do artigo 313 do Código de Processo Penal mais esta hipótese de prisão preventiva, sendo verdadeira medida cautelar processual penal.
Assim, para que haja a decretação de tal preventiva, deve-se preencher os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, dispensando o preenchimento simultâneo de todas as hipóteses traçadas no artigo 313, incisos II e III, também do Código de Processo Penal.
O descumprimento das medidas protetivas leva a parte descumpridora como incurso no crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal, de modo que o decreto de prisão preventiva, se presentes os requisitos do art. 312 c/c art. 313, III do Código de Processo Penal, será para garantir a ordem pública, impedindo que a mulher seja novamente vítima de novas formas de violência doméstica por parte do agressor, e que este continue reiteradamente rompendo com o contrato social do Estado Democrático de Direito, descumprindo seus comandos judiciais.
Não obstante, tal medida extrema deve ser analisada com cautela pelo órgão julgador, e o decreto de prisão preventiva não exclui o processamento de execução das medidas protetivas de urgência através da forma estabelecida no §4º do art. 22 da Lei nº. 11.340/06.
Por fim, destaca-se a existência de diversos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reconhecendo a natureza jurídica do instituto das medidas protetivas de urgência como tutela inibitória, conforme se abaixo:
APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA - MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA - NATUREZA EXCEPCIONAL E CAUTELAR - INEXISTÊNCIA DE PROCEDIMENTO CRIMINAL INSTAURADO A FIM DE SE APURAR O ILÍCITO - NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO MAIS EVIDENCIADA. - O longo lapso temporal decorrido desde o termo de requerimento das medidas protetivas requeridas, aliado à inexistência de procedimento criminal a fim de se apurar a prática do ilícito, demonstra ser inconcebível o deferimento das medidas, que tem caráter emergencial, visando atender a uma necessidade de segurança. V.V. - APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA - CRIME DE AMEAÇA PRATICADO NO ÂMBITO DOMÉSTICO - MEDIDAS PROTETIVAS REQUERIDAS PELA VÍTIMA - INDEFERIMENTO PELO JUÍZO PRIMEVO - NATUREZA JURÍDICA DE TUTELA INIBITÓRIA - AUTONOMIA E SATISFATIVIDADE - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1. Em virtude do caráter protetivo da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), há que se conferir às medidas protetivas previstas no art. 22, a natureza jurídica de tutela inibitória, vez que categorizá-las como tutela cautelar equivale a esvaziar teleologicamente a lei, bem como prorrogar indefinidamente a situação de vulnerabilidade e desproteção da mulher. 2. O art. 22 da referida Lei condicionou a concessão das medidas protetivas tão somente à existência da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, não fazendo qualquer menção à necessidade da existência de um inquérito policial ou um processo criminal em curs (TJ-MG - APR: 10024110019437001 MG , Relator: Silas Vieira, Data de Julgamento: 04/02/2014, Câmaras Criminais / 1ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 14/02/2014)
APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - AMEAÇA - MEDIDAS PROTETIVAS POSTULADAS (E DEFERIDAS) EM FAVOR DA VÍTIMA - REVOGAÇÃO POSTERIOR - EXTINÇÃO DO FEITO - REFORMA DA DECISÃO - DESACABIMENTO - RECURSO MINISTERIAL NÃO PROVIDO. - As medidas protetivas de urgência, deferidas no âmbito da Lei Maria da Penha, têm natureza jurídica autônoma e satisfativa, de tutela inibitória e não cautelar, sendo, cabíveis enquanto houver lesão ou ameaça de violação à integridade física e psicológica da vítima, sendo que, cessada a situação de violência, a revogação se mostra plenamente justificável, uma vez devem produzir efeitos enquanto perdurar a situação de perigo que ensejou o requerimento de proteção do Estado (TJ-MG - APR: 10024096097845001 MG , Relator: Kárin Emmerich, Data de Julgamento: 29/04/2014, Câmaras Criminais / 1ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 09/05/2014)
APELAÇÃO CRIMINAL. LEI MARIA DA PENHA. INDEFERIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. POSSIBILIDADE. VÍTIMA NÃO INTIMADA POR ESTAR EM LOCAL INCERTO E QUE NÃO SE MANIFESTOU SOBRE A NECESSIDADE DAS MEDIDAS. PRESUNÇÃO DE ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. - As medidas protetivas de urgência deferidas no âmbito da Lei Maria da Penha têm natureza jurídica autônoma e satisfativa, de tutela inibitória cível, e, não, cautelar. Portanto, devem produzir efeitos enquanto existir a situação de perigo que embasou a ordem. No entanto, se a suposta vítima desaparece, impossibilitando ser intimada e não se manifesta acerca da necessidade das medidas, presume-se que cessou a situação de violência doméstica, impondo-se a manutenção da decisão que indeferiu as medidas protetivas em face do suposto agressor. - Recurso ministerial improvido. (TJ-MG - APR: 10024120688387001 MG , Relator: Doorgal Andrada, Data de Julgamento: 04/12/2013, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 10/12/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL. LEI MARIA DA PENHA. REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. VÍTIMA REGULARMENTE INTIMADA, QUE SE MANIFESTOU SOBRE A NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DAS MEDIDAS. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. - As medidas protetivas de urgência deferidas no âmbito da Lei Maria da Penha têm natureza jurídica autônoma e satisfativa, de tutela inibitória cível, e, não, cautelar. Portanto, devem produzir efeitos enquanto existir a situação de perigo que embasou a ordem. Se a vítima, devidamente intimada, se manifesta acerca da necessidade de manutenção das medidas, presume-se que cessou a situação de violência doméstica, impondo-se a manutenção da decisão que revogou as medidas protetivas impostas ao suposto agressor. - Recurso ministerial provido (TJ-MG - APR: 10024077898625001 MG , Relator: Doorgal Andrada, Data de Julgamento: 28/08/2013, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 04/09/2013)
APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI 11.340/06 - CONHECIMENTO DO APELO COMO AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE - INDEFERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS - FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA - MANUTENÇÃO DA DECISÃO PRIMEVA - RECURSO NÃO PROVIDO - HONORÁRIOS DO DEFENSOR DATIVO - FIXAÇÃO DE OFÍCIO - ATUAÇÃO NA SEGUNDA INSTÂNCIA - NECESSIDADE. - O deferimento de medidas protetivas de urgência não está condicionado a um processo principal, uma vez que elas podem ser pedidas pela ofendida, aplicadas isolada ou cumulativamente, substituídas, revogadas e revistas a qualquer tempo, sempre que os direitos reconhecidos na Lei 11.340/2006 forem ameaçados ou violados (art. 19, § 2º, da mesma Lei). - Encontrando-se o feito em fase inicial e não havendo maior comprovação da violência noticiada, temerária é a adoção das medidas de proteção requeridas. - Os honorários do dativo referentes à interposição da apelação em favor do acusado devem ser fixados, ainda que não requeridos expressamente. V.V. APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA - AMEAÇA - MEDIDAS PROTETIVAS REQUERIDAS - MANIFESTO INTERESSE EM REPRESENTAR CONTRA O AGRESSOR - INDEFERIMENTO PELO MAGISTRADO A QUO - NATUREZA JURÍDICA DE TUTELA INIBITÓRIA - AUTONOMIA E SATISFATIVIDADE - RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. - As alegações da vítima são suficientes para balizar o fumus boni iuris e o periculum in mora, razão pela qual não há como chancelar a ingerência estatal na esfera volitiva privada e, consequentemente, negar à vítima a proteção almejada. - Em virtude do caráter protetivo da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), há que se conferir às medidas protetivas previstas no art. 22, a natureza jurídica de tutela inibitória, vez que categorizá-las como tutela cautelar equivale a esvaziar teleologicamente a lei, bem como protrair indefinidamente a situação de vulnerabilidade e desproteção da mulher. - A de speito de se imaginar que o decurso do tempo conduz à inferência de que as agressões, em tese, tenham cessado, não cabe a esta instância recursal decidir contrariamente à pretensão da mulher com respaldo apenas no lapso temporal transcorrido (TJ-MG - APR: 10024113479653001 MG , Relator: Flávio Leite, Data de Julgamento: 18/02/2014, Câmaras Criminais / 1ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 28/02/2014)
Desta forma, conforme detalhadamente exposto nas considerações finais do presente trabalho de conclusão de curso, as medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº. 11.340/06 detém natureza jurídica de tutela inibitória, e se processam na forma do art. 461 do Código de Processo Penal, sem prejuízo de eventual decreto de prisão preventiva, visando garantir a efetividade do provimento jurisdicional futuro de natureza penal.
O decreto de prisão preventiva é verdadeira medida cautelar processual penal autônoma, e não deve ser confundida com as medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº. 11.340/06.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Conforme exposto, as medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº. 11.340/06 detém a natureza jurídica de tutela inibitória, uma vez que as formas de violência previstas no art. 7º da referida lei nem sempre se esgotam nas estreitas definições dos tipos penais, razão pela qual negar esta natureza jurídica a tal instituto seria lhe esvaziar teleologicamente, deixando a mulher vítima de violência doméstica desamparada.
Comparando-se as característias das medidas cautelares com as características das medidas protetivas de urgência, sob a ótica teleológica da Lei nº. 11.340/06, é notável a incompatibilidade, ao passo que se comparada com as característica da tutela inibitória, notória é a afinidade.
A tutela inibitória, ao contrário da tutela ressarcitória, visa previnir a ocorrência do ilícito ou situação de risco, seja individual ou coletivo, e buscando alcançar tal finilidade, foram editadas legislações especiais como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, bem como o Código de Defesa do Consumidor, prevendo os dois primeiros diplomas legais medidas protetivas de caráter eminentemente inibitório, a fim de previnir ou superar a situação de risco individual, enquanto o último diploma prevê uma série de medidas também de eminente caráter inibitório, a fim de previnir ou reprimir ilícitos, resguardando diversos bens jurídicos da coletividade.
As medidas protetivas de urgência da Lei nº. 11.340/06, de forma semelhante as medidas protetivas previstas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no Estatuto do Idoso, têm natureza jurídica de tutela inibitória, e desenvolvem-se normalmente no bojo de um processo de jurisdição voluntária, tendo em vista o cenário de incapacidade para os atos da vida cível que perneia a infância e a velhice, contudo, o processo pode se tornar de jurisdição contenciosa, assim como ocorre nos autos de um processo de interdição o qual o interditando contesta.
De qualquer forma, a natureza da jurisdição nã;o afeta a natureza jurídica de tutela inibitória que detém o instituto das medidas protetivas de urgência da lei Maria da Penha.