Direito Penal do Ambiente: o reforço necessário


20/01/2015 às 15h12
Por Dra. Stephanie Ribeiro

A degradação do ambiente é um dos maiores problemas da sociedade moderna. Com o desenvolvimento industrial e tecnológico, a urbanização desenfreada, a explosão demográfica e a sociedade de consumo, fez-se necessária a introdução de um mecanismo robusto, capaz de coibir e punir a ocorrência de lesões a esse bem tão importante. Assim surgiu o direto penal do ambiente.

Segundo Ricardo Andreucci (2011, p.41) "Cabe ao direito penal selecionar as condutas humanas consideradas lesivas à coletividade, transformando-as em modelos de comportamento proibidos, denominados crimes, e estabelecendo punições para quem os infringir, chamadas sanções penais".

Não há dúvida que a conduta que lesa o ambiente, consequentemente lesa a sociedade, uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é “direito metaindividual ou macrossocial, de cunho difuso” (PRADO, 2013, p.78).

Os direitos metaindividuais ou transindividuais são aqueles que ultrapassam a esfera do indivíduo, visando à proteção de um número maior de pessoas, abrangendo os direitos difusos e coletivos. O Código de Defesa do Consumidor encarregou-se de conceituá-los, e definiu os de cunho difuso como "Art.81.I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;"

Apesar do direito criminal ambiental ser uma ramificação do direito penal, ou seja, não existir como ciência jurídica autônoma, os diplomas e conceitos clássicos dos direitos material e processual ordinários não são necessariamente coincidentes, justamente pelo surgimento de novos bens jurídicos de natureza metaindividual, o que demanda uma nova visão por parte do direito criminal para atender de forma efetiva a tutela dos direitos difusos (FIORILLO; CONTE, 2012).

Há ainda o caráter sui generis do direito penal ambiental, tendo em vista que vem reforçar os princípios administrativos do direito ambiental.

Evidente esse caráter quando analisamos o princípio preventivo, segundo o qual o direito ambiental deve “sempre que possível, buscar a prevenção, pois remediar normalmente não é possível, dada à natureza irreversível dos danos ambientais” (AMADO, 2013, p.57).

Na mesma vertente vem o direito penal ambiental, tipificando as condutas de forma a evitar danos irrecuperáveis que tornariam inócua a tutela criminal, com a previsão, principalmente, de crimes de perigo abstrato e de mera conduta.

Cumpre destacar que, em termos históricos, a preocupação com o ambiente é relativamente recente no mundo, sendo que as leis mais rígidas sobre o tema apenas surgiram a partir da década de 60, e as Constituições Federais da maioria dos países somente passaram a tratar expressamente do meio ambiente como direito fundamental após 1970.

Vale lembrar que esse direito fundamental integra os direitos humanos de 3ª geração, marcados por uma alteração na sociedade que passou a se preocupar com o “preservacionismo ambiental” (LENZA, 2010, p.740).

No Brasil, apenas com a promulgação da Carta Magna de 1988, notadamente inspirada pela Constituição Espanhola, o direito fundamental relativo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi previsto de forma expressa: "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.".

É cediço que esse é um direito-dever social e não apenas um direito, e enquanto direto-dever a Constituição Federal e ordenamento jurídico determinam a todos uma postura voltada à defesa dos recursos ambientais, isso porque o objeto da proteção efetiva do direito ambiental é a vida humana.

Diante disso, a própria Lei Suprema viabilizou essa defesa através da aplicação de sanções penais e administrativas ao sujeito, pessoa física ou jurídica, que cause lesão ao meio ambiente, independente da sanção civil: "§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

Evidente que tal preceito impositivo vincula o legislador ordinário, tanto na escolha dos bens jurídicos, como na forma de atuação da política criminal (FIORILLO; CONTE, 2012). Assim, o legislador constituinte não deixou ao arbítrio do legislador ordinário a escolha em punir ou não as lesões contra o ambiente, sendo o supracitado parágrafo um verdadeiro “mandato expresso de criminalização”. (PRADO, 2013, p. 79)

Cumpre observar que o direito penal possui caráter fragmentário, não protegendo todos os bens jurídicos, apenas aqueles de maior relevância para a sociedade, “para ser legítima a tutela penal, é necessário que o bem seja digno dessa proteção, e que a lesão ou ameaça efetivamente mereça uma sanção penal” (FIORILLO; CONTE, 2012, p.19)

Também não se justifica a intervenção penal quando o ilícito possa ser eficazmente combatido por outros ramos do Direito, atuando somente em ultima ratio. (ANDREUCCI, 2011).

Observando esses dois princípios, o da fragmentariedade e o da intervenção mínima, fica clara a importância dada pelo legislador constituinte ao ambiente, e isso se faz legítimo, tendo em vista que o referido bem jurídico tem relação direta com a dignidade da pessoa humana e com a vida.

Outra inovação da nossa Carta Magna foi à responsabilização penal da pessoa jurídica, tema que ainda nos tempos atuais causa polêmica entre os mais importantes doutrinadores.

Posição mais antiga, porém defendida até hoje, é a que entende pela irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, uma vez que esta é uma ficção jurídica (societas delinquere non potest), assim “os crimes praticados no âmbito da pessoa jurídica só podem ser imputados criminalmente às pessoas naturais na qualidade de autores ou partícipes” (PRADO, 2013, p. 134).

Segundo essa corrente, apenas o homem (pessoa física) teria capacidade penal ativa, ou seja, somente os dirigentes seriam penalmente responsáveis pelo ilícito, sendo aplicada a empresa as sanções compatíveis com sua natureza.

Esse posicionamento pode ser explicado através do conceito analítico de crime, que o define, segundo a corrente tripartida, como fato típico, antijurídico e culpável, sendo um dos elementos do fato típico a conduta, algo necessariamente humano. Assim, pessoa jurídica por si não pratica conduta, não podendo cometer crime, já que não há fato típico.

Em sentido contrário, há quem defenda a responsabilidade penal da pessoa jurídica, uma vez que “configura expresso e inquestionável mandamento constitucional, ainda que não se enquadre nos institutos clássicos do direito penal” (FIORILLO; CONTE, 2012, fls.31).

A lei de crimes ambientais (lei n.o 9.605/98) reafirma a Constituição ao prever sanções penais as pessoas jurídicas que violem seus preceitos incriminadores: "Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade."[1]

Esse posicionamento mais atual baseia-se na responsabilidade reflexa, por ricochete, indireta ou por dupla imputação, segundo a qual a pessoa física age em nome e no interesse da pessoa jurídica, assim as ações e omissões praticadas por aquela serão consideradas desempenhadas por esta. Dessa forma, nas decisões do representante encontra-se a conduta necessária para a responsabilização penal da empresa.

Tal teoria tem sido acolhida por nossos tribunais em crimes praticados por pessoa jurídica em concurso necessário com pessoa física:

Processo penal. Recurso especial. Crimes contra o meio ambiente. Denuncia rejeitada pelo E. Tribunal a quo. Sistema ou teoria da dupla imputação. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu beneficio, uma vez que “não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio” (STJ, Resp n.889528- SC, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 17/04/2007).

Importante mencionar a discussão atual sobre a possibilidade ou não de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica de direito público.

Parte da doutrina é favorável a essa responsabilização, sendo justificado esse posicionamento através da literalidade do artigo 225 da Constituição Federal, o qual não faz qualquer diferenciação entre as pessoas jurídicas existentes.

Entretanto, a esmagadora maioria entende que a responsabilidade penal apenas alcança pessoas jurídicas de direito privado, por diversas razões, dentre elas encontra-se a relacionada às sanções previstas pela lei de crimes ambientais.

Segundo essa corrente doutrinária, duas das sanções previstas pela lei de crimes ambientais são incompatíveis com a pessoa jurídica de direito público: a prestação de serviço à comunidade, sendo sempre um dever do Estado; e as penas restritivas de direitos, uma vez que não se pode cercear a atuação do Estado, sendo que este age por dever constitucional e não por mero direito. (Informação verbal)[2]

É imprescindível a analise, ainda que sucinta, da Lei n.o 9.605/1998, tendo em vista ter sido esta a regulamentar o disposto no §3º, artigo 225 da Constituição Federal de 1988.

A referida lei, proposta pelo governo, foi aprovada em regime de urgência pelo Poder Legislativo após 7 anos de tramitação do Congresso Nacional, diante da necessidade de uma proteção penal uniforme, clara e ordenada, além de atender as reclamações constantes da sociedade quanto a uma maior proteção do ambiente (PRADO, 2013).

A lei 9.605/98, atualmente, é o núcleo da tutela penal do meio ambiente, tendo em vista que revogou quase todos os tipos do Código Penal, bem como legislação extravagante relativa ao meio ambiente (AMADO, 2012).

Convém ressaltar que a lei de crimes ambientais tem natureza híbrida, tratando de assuntos no âmbito penal, administrativo e internacional.

Quanto aos temas tratados na esfera criminal, merece destaque, além da responsabilidade penal da pessoa jurídica, já anteriormente abordado, a figura do garantidor, conforme parte final do artigo 2º da supracitada lei: "Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la." (grifo nosso)

Assim, se uma das pessoas mencionadas no referido artigo, ciente da ocorrência de um crime ambiental material, permanecer inerte, não impedindo sua ocorrência, quando podia fazê-lo, responderá de forma comissiva pela omissão. Esse artigo assemelha-se ao artigo 13, § 2o do Código Penal.

Nesse sentido, há inclusive julgados do STJ:

"Processo penal. Habeas corpus. Inundação e crime ambiental. Trancamento da ação penal. Ausência de justa causa. Ocorrência. Delitos omissivos. Garante. Artigo 13, §2º, do Código Penal. Requisitos objetivos e subjetivos. Não preenchimento. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida.

1.Para que um agente seja sujeito ativo de delito omissivo, alem dos elementos objetivos do próprio tipo penal, necessário se faz o preenchimento dos elementos contidos no artigo 13 do Código Penal: a situação típica ou de perigo para o bem jurídico, o poder de agir e a posição de garantidor.

2.Ausente um dos elementos indispensáveis para caracterizar um agente sujeito ativo de delito omissivo- poder de agir-, previsto no artigo 13 do Código de Penal, falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, me face da atipicidade da conduta.

3.Ordem concedida (HC 94.543, de 17.09.2009)"

No mais, a lei em questão se divide em duas partes: parte geral, trazendo normas penais e processuais penais gerais; e parte especial, referente a infrações penais ambientais em espécie.

Quanto aos crimes em espécie três observações merecem destaque: primeiramente, boa parte dos delitos é de menor potencial ofensivo, existindo figuras culposas, inclusive. Segundamente, a coletividade sempre será sujeito passivo dos crimes ambientais. E, por fim, existem crimes de dano e de perigo, sendo estes privilegiados, diante do princípio da prevenção, como já mencionado.

A lei em questão foi um avanço no ordenamento jurídico brasileiro em muitos aspectos, porém não há como negar que possui falhas.

A priori, pode-se destacar o seu “caráter altamente criminalizador” (PRADO, 2013, p.164), dessa forma, comportamentos que poderiam ser tratados como infrações administrativas, são descritos pela lei como crime, o que violaria o princípio da intervenção mínima.[3]

Outra crítica mencionada pelo grande doutrinador Luis Regis Prado (2013, p.165) é a utilização de “conceitos amplos e indeterminados- muitas vezes eivados de impropriedades técnicas, linguísticas e lógicas- permeados por cláusulas valorativas e, frequentemente, vazados em normas penais em branco.”.

Normas penais em branco, ou imperfeitas, são aquelas que possuem sanção determinada, porém seu conteúdo é indeterminado, assim, para que sejam executadas dependem do complemento de outras normas jurídicas ou atos administrativos.

Segundo o referido doutrinador a edição de normas penais em branco de forma arbitrária, não se definindo limites precisos, poderia ofender, inclusive, o princípio da legalidade, devendo haver um mínimo de exatidão na elaboração da norma penal, de forma que a torne clara, com seus elementos devidamente descritos e com todas suas consequências demonstradas de plano (PRADO, 2013).

Falhas à parte, não há como negar que a legislação em vigor trouxe avanços nunca antes vistos no direito brasileiro, tendo em vista que as anteriores leis incriminadoras eram esparsas, de difícil acesso e compreensão.

Após anos de destruição desenfreada, a humanidade tomou consciência da fragilidade do meio ambiente e de sua interdependência com a vida, e, em um período relativamente curto, evoluiu consideravelmente no campo jurídico, sendo o direito penal do ambiente um importante aliado da sociedade no objetivo da preservação e da obtenção de um desenvolvimento sustentável.

  • Direito Ambiental
  • Direito Penal Ambiental
  • Direito
  • Penal
  • Direito Criminal Ambiental

Referências

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito Ambiental Esquematizado. São Paulo: Método: 2013.

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva: 2011.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; CONTE, Christiany Pegorari. Crimes Ambientais. São Paulo: Saraiva: 2012.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva: 2010.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2013.

[1]São três os requisitos para que haja responsabilização penal da pessoa jurídica: dano ambiental; decorrente de decisão do representante legal ou contratual da empresa; vantagem ou benefício para a pessoa jurídica.

[2] Aula proferida por Motauri Ciocchetti de Souza, Curso Carreiras Jurídicas, Marcato, em São Paulo, novembro de 2011.

[3] Ex.: Lei n.o9.605/98, art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.  Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.


Dra. Stephanie Ribeiro

Bacharel em Direito - Barueri, SP


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