SUPREMACIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO E A POSSÍVEL REFORMA TRABALHISTA.
Junto com a alteração do cargo de Presidente da República, e frente à crise econômico financeira vivenciada em nosso país, um tema tem novamente ganhado grande destaque, qual seja, a reforma trabalhista e, com ela o debate sobre a prevalência do negociado sobre o legislado, onde ainda não há unanimidade quanto à sua aceitação.
Embora haja grande discussão junto ao órgão superior do Poder Judiciário Trabalhista, aparentemente o tema apresenta-se solucionado definitivamente junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Dois julgados proferidos pelo STF ganharam destaque, o primeiro conhecido como caso “BESC”, RE 590.415, onde o órgão superior se manifestou favorável ao plano de demissão incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com a participação dos empregados, bem como, reformou o entendimento do Tribunal Superior Trabalhista (TST). Vale ressaltar, que o presente caso ao ser julgado pelo TST, também contou com a divergência entre seus Ministros.
Conforme se depreende do entendimento do STF, além de existir a possibilidade de escolha pelo empregado sobre a adesão ou não ao plano, tal instrumento previa vantagens aos trabalhadores, assim, não violaria o disposto no Art. 477, §2º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Esclarece ainda no julgamento, que através do reconhecimento de acordos e convenções coletivas, permite-se que os trabalhadores contribuam para a formulação de normas que regerão sua própria vida.
Com isto, surgem duas grandes questões: os acordos e convenções não violaram garantias mínimas, ou até mesmo precarizaram a trabalho exercido? Aqueles que se colocaram na representação dos trabalhadores, buscaram seus interesses e pactuaram tais acordos garantindo-se seus direitos? Todo cuidado é pouco quando os trabalhadores abrem mão de certos direitos, na busca daqueles que visam seus interesses, pois, em muitos casos não se respeitam ao menos o mínimo já consolidado.
Mais recentemente, o STF ao julgar o RE 895.759, reformou a sentença que condenou a empresa Usina Central Olho D’água S/A ao pagamento de horas in itinere e dos respectivos reflexos salariais, esclarecendo que o acordo coletivo embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens, assim, não extrapolando os limites da razoabilidade.
Em referência ao presente tema, muitos defendem ser de extrema necessidade a flexibilização das leis do Direito do Trabalho, dando ampla liberdade para as partes da relação contratual estabelecerem seus próprios parâmetros para a o contrato. Por outro lado, há aqueles que defendem que a prevalência do negociado sobre o legislado poderá acarretar em diminuição dos direitos trabalhistas, frustrando assim os direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo da evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil.
Por certo que a legislação deve se adaptar a evolução humana, onde atualmente carece de uma devida modernização, porém, desde que respeitadas garantias mínimas e direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, bem como, fruto de conquista dos trabalhadores consagradas na CLT, sem mitigar seus direitos.
Vale ressaltar, porém, que a modernização ocorreu e sempre esteve presente quando se trata de legislação trabalhista, a exemplo da lei do trabalho temporário (Lei n.º 6.019/74), a evolução para a chamada terceirização, dentre outros institutos que em muito já implicaram em mudanças drásticas a relação de trabalho e ao trabalhador. Contudo, não se pode afastar, ou mesmo impedir que o Estado interfira nas relações de trabalho, onde este sempre estará presente para que as garantias mínimas sejam respeitadas, evitando-se a precarização do trabalho.
Nos países europeus onde tal flexibilização já atingiu um grau mais elevado, o Estado ainda se mantém presente, o que de fato não deve ser diferente em nosso país, onde ainda devemos evoluir na questão sindical, para que assim haja maior efetividade na representação da classe trabalhadora, visando a sua proteção.
É notório ainda, que em países estrangeiros, o sindicalismo se apresenta mais forte e eficaz daquele vivenciado no Brasil, onde por diversas vezes nos deparamos com convenções e acordos coletivos que precarizam as condições de trabalho, não se respeitando a dignidade do trabalhador.
Porém, ainda que haja acordos e convenções que em certos pontos prejudiquem a relação de trabalho e a dignidade do trabalhador, há também certos direitos que foram incorporados a Constituição Federal, bem como, a legislação trabalhista, sendo frutos destes acordos e que se estenderam a todos os trabalhadores, a exemplo do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.
Assim, fora editado o Projeto de Lei n.º 5.483/2001, o qual visa alterar o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho, buscando a prevalência das condições de trabalho avençadas em convenção ou acordo coletivo de trabalho sobre os direitos garantidos em Lei, sob a concepção de que a flexibilização trará um crescimento na contratação de trabalhadores, bem como, consequentemente, a diminuição do desemprego. Porém, os países que já adotaram esta concepção não apresentaram um aumento significativo de empregos, ou seja, não há que se falar que somente com flexibilização e a mudança na legislação isto poderá ocorrer.
Ocorre que, ainda que as partes dos acordos e convenções coletivas estivessem de acordo com a supressão de direitos trabalhistas, poderá assim, como já supramencionado, restringir ou até mesmo extinguir certos direitos conquistados, onde de fato os acordos já evoluíram demasiadamente nesse sentido, havendo supressão de intervalos, aumento da hora noturna, redução de períodos de estabilidade, etc.
Contudo, diante dos Acordos e Convenções Coletivas que violam garantias mínimas, a CLT protege aos trabalhadores em seu art. 9º, dispondo que será nulo e de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a Lei, bem como, o art. 623 dispões que será nula de pleno direito disposições de Convenções e Acordos que ação das Leis do Trabalho determina que direta ou indiretamente, contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômico-financeira do Governo ou concernente à política salarial vigente, não produzindo quaisquer efeitos.
Assim, a CLT já garante a supremacia da Lei sobre os Acordos e Convenções, onde o primeiro dispositivo mencionado positiva o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e o segundo estabelece a necessária submissão dos acordos/convenções coletivas à lei.
Portanto, podemos concluir que deve haver sempre a busca pelas garantias mínimas de proteção ao trabalhador, onde a supressão de direitos em face de certos benefícios jamais podem extrapolar o garantido pela Constituição Federal e a CLT, devendo haver uma maior proteção por parte daqueles que representam a classe, fortalecendo os sindicatos.