A DUALIDADE DO INCISO XXVIII DO ARTIGO 7º. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DIANTE DA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR


31/03/2015 às 11h10
Por Sobania Advogados

Chrystian Sobania Wowk[1]

Ao iniciarmos o presente trabalho, destaquemos como essência e foco principal de nosso estudo, o Inciso XXVIII do Artigo 7°. da Constituição Federal:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. (grifo nosso)

Evidencie-se, de antemão, que essa primeira parte do dispositivo constitucional engloba a Previdência Social e seus encargos, conforme a Lei nº. 8.213/1991.

Neste sentido, Cláudia Vianna ressalta que nos “artigos 59 a 64, da Lei nº. 8.213/1991, o benefício de Auxílio-Doença requer a incapacidade laborativa do segurado por período superior a quinze dias, mas de forma temporária, ou seja, susceptível de recuperação ou reabilitação”. [2]

Com relação ao Auxílio-Acidente, a referida autora esclarece também que “corresponde a uma indenização mensal paga pela Previdência Social ao segurado empregado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de um acidente de qualquer natureza (acidente do trabalho ou não) resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho habitualmente exercido”. [3]

No mesmo sentido, Amauri Mascaro Nascimento, em sua obra, destaca que atualmente o benefício adota a Teoria do Risco Social, visto que “a indenização de acidente é paga, porque o infortúnio é um risco que deve ser suportado pela sociedade e não apenas pelo empregador. Com isso, foi possível a integração do acidente de trabalho no sistema da Previdência Social”. [4]

Destacou o referido autor que “o seguro é obrigatório, é pago pelo empregador sob forma de uma contribuição compulsória prevista pela legislação da seguridade social, recolhida mensalmente para a Previdência Social, com alíquotas variáveis, de acordo com o grau de risco da atividade da empresa”. [5]

O Decreto nº. 3.048/99, por sua vez, regulamentou os benefícios auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte do segurado empregado, além das doenças ocupacionais, sendo que estas estão presentes no artigo 20, incisos I e II da referida Lei.

Ainda no mesmo sentido, citam-se o artigo de Alexandre Rocha e Roberta De Biasio Pires esclarecendo que a Teoria Objetiva e a Teoria do Risco Social são próximas e, dessa forma, ocorreu a seguinte alteração na Lei nº. 8213/91:

Seguindo a tendência de uma abordagem coletiva das questões de Saúde e Segurança do Trabalho, o Congresso Nacional aprovou, recentemente, a Lei nº. 11.430, de 26 de dezembro de 2006, imprimindo a seguinte redação ao artigo 21-A da Lei nº. 8.213/1991 (que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social): A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. [6]

Claramente, vislumbramos ocorrer à inversão do ônus da prova e maior responsabilidade segundo o novo artigo, tendo o segurado o benefício automaticamente concedido. Concordamos com a proteção estatal, mas não em relação à ação indenizatória, segunda parte do inciso do dispositivo constitucional, pois, o referido deve constituir seu direito e, assim, não utilizar um mecanismo administrativo e sem uma perícia correta para comprovar a alegação pretendida, ocorrendo à dualidade de responsabilidade do empregador, título do presente trabalho.

Cesarino Júnior ressalta que “à coletividade interessa ter os trabalhadores protegidos para haver menos doenças, menos afastamentos do trabalho, ou seja, menor ônus a previdência social, que toda ela financia”. [7]

Ilustramos o trabalho com um estudo referente ao Direito comparado, ao destacar um artigo argentino que ressalta a seguridade social dos Estados Unidos, remetendo a aplicação na Argentina e suas vantagens, com exemplo de um sistema compensatório conforme transcrevemos:

Workers’ Compensation es um esquema de reparación que compensa a los trabajadores por los daños experimentados em el puesto de trabajo, generalmente sin culpa del trabajador. Los daños cubiertos por Workes’ Compensation son daños originados em el puesto de trabajo mientras el trabajador está desarrollando seus deberes laborales. El objetivo principal de Workes’ Compensation es asegurar que los empleados que sufren daños em su posto de trabajo reciben una determinada compensación monetaria sin necessidad de recurrir a um litigio judicial. Algunas leyes protegen a los empresarios y a los co-trabajadores limitando la cantidad que el empresario deberá pagarle a un trabajador que há sufrido dano. Este sistema proporciona uma compensación rápida y barata al trabajador porque para recibir conpensación por daños no necessita incurrir em litigios, que generalmente son costosos y largos.[8]

Traduzimos o pensamento do artigo desta forma:

Compensação Trabalhista é um esquema de reparação que compensa os mesmos por danos experimentados em seu posto de trabalho geralmente sem culpa do trabalhador. Os danos cobertos pela Compensação Trabalhista são danos originados no posto de trabalho em sua atividade laboral. O objetivo principal da Compensação Trabalhista é assegurar que os empregados que sofrem os danos no posto de trabalho recebam determinada compensação monetária sem a necessidade de recorrer a ação judicial. Algumas leis protegem os empresários e os trabalhadores limitando o valor que o empresário deverá pagar pelo dano sofrido pelo trabalhador. O sistema proporciona uma compensação rápida e barata ao trabalhador porque, para receber a indenização por danos, não necessita entrar com ações que geralmente são custosas e duradouras.

Sobre a ementa da legislação, título deste trabalho, Zeno Simm escreveu que “no Brasil o sistema de seguro foi denominado de previdência social, tanto pela legislação quanto pela doutrina, sendo que por algum tempo nesta expressão se compreendiam as ações não apenas do típico seguro social, como também de assistência médico-hospitalar e assistência social (...) a Constituição Federal de 1988 (...) inovou ao empregar a expressão seguridade social”. [9]

Caminhando neste sentido, após o NETP, (Nexo Técnico Epidemiológico), Sebastião de Oliveira, em sua obra, ressalta que “na avaliação das empresas em processo de negociação, os consultores especializados já estão avaliando a extensão do ‘passivo patológico’ acumulado, orientando e prevenindo os compradores interessados sobre os riscos envolvidos em eventuais ações indenizatórias”. [10]

Notamos a preocupação com o passivo, que começa a estabelecer condições nos assuntos econômicos das empresas, bem como nos custos que possam ser repassados aos consumidores, como forma ressarcitória de a empresa diminuir o prejuízo frente ao custo social de condenação nas ações indenizatórias, bem como nas ações regressivas do INSS à vista do custo do benefício acidentário ou auxílio-doença.

Esclarecemos que o Reclamante (beneficiário), no caso de pleitear uma indenização em ação (AIND’s), já teve o benefício deferido, requerendo ao nosso entender bis in idem, posto que a Previdência Social faça pedido regressivo ao empregador pelo dano ao trabalhador, a empresa terá o dever de adimplir a Previdência, sendo que esta sofrerá, em duplicidade, condenação.

Após o exposto na questão da primeira parte do dispositivo constitucional, tema deste trabalho, passamos agora a tratar da segunda parte do referido inciso, que ficou inserida, cumulativamente, com a responsabilidade civil de direito comum, quando houver dolo ou culpa do empregador na ocorrência do fato acidentário ou patológico. (destaque nosso)

Em relação ao inciso constitucional acima citado, Pablo Soltze Gagliano nos faz pensar sobre o seguinte ensinamento: “a partir do momento que a Carta Constitucional exigiu expressamente a comprovação de culpa ou dolo do empregador para impor-lhe a obrigação de indenizar, optou pelo núcleo necessário, fundado na responsabilidade subjetiva, do qual o legislador infraconstitucional não se poderia afastar”. [11] O autor continua esclarecendo que “uma lei ordinária não poderia simplesmente desconsiderar requisitos previamente delineados em norma constitucional, a qual, além de se situar em grau superior, serve como o seu próprio fundamento de validade”. [12] Afirma o mesmo autor que, ao final, remanesce o principio da culpa.

Neste tema, corrobora com a nossa tese Teresinha Saad, ao afirmar o seguinte: “alicerçada em expressa determinação constitucional, a matéria parece muita clara e simples. No entanto, não é. A Carta Magna incorporou em seu texto a cumulatividade das duas ações, já jurisprudencialmente consagradas, sobretudo, na Súmula 229 do STF”. [13] (destaque nosso)

Nessa mesma linha, a autora ainda acrescenta: ”a ocorrência de duas ações, todavia, envolve vários pressupostos, que deverão ser tomados em consideração. Dada à justa limitação da extensão dos trabalhos, restringir-nos-emos a alguns aspectos da culpa e à forma de cumularem-se as duas reparações, isto é, ao problema de compensabilidade”. [14]

Também destacamos o pensamento de Dallegrave Neto que aponta o seguinte: “confronto em três regras (artigo 927, parágrafo único do Código Civil e artigos 7º., XXVIII e 225, § 3º. da Constituição Federal) sistematizando que o artigo 7º. consiste em indenização pela empresa mediante comprovação de dolo ou culpa, o parágrafo único do art. 927 indenização independente de culpa (teoria objetiva) e o art. 225, § 3º. que também estabelece a responsabilidade objetiva”. [15]

O autor também evidencia que, em relação ao nexo causal, “é cediço que não haverá indenização sem a presença do dano, bem assim quando ausente o nexo causal entre o dano e a culpa (ou atividade de risco) do agente. Ambos elementos (dano e causalidade) são imprescindíveis tanto na responsabilidade civil contratual e aquiliana, quanto na responsabilidade subjetiva e objetiva”. [16] (destaques nossos)

Concordamos e ressaltamos, novamente, que na Constituição Federal, em seu artigo 7º., Inciso XXVIII, o trabalhador acometido da infortunística laboral tratada deve ser indenizado, mas conforme consta na premissa, como apontou Jayme Tortorello, “incorrer em dolo ou culpa” [17] nos remetendo à Teoria Subjetiva, não às Teorias Objetiva e do Risco Social, estas, em nosso entender, corretas, na via administrativa.

Pablo Gagliano também escreveu e, novamente fazemos como citação nossa, que os pressupostos da responsabilidade civil são: “conduta humana (positiva ou negativa); dano ou prejuízo; nexo de causalidade”. [18] O autor ainda ressaltou que “o elo etiológico, do liame, que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano”. [19] (destaque nosso)

Sebastião de Oliveira escreveu que “a vítima do acidente do trabalho postula indenização em face ao empregador ou ex-empregador, apresenta como causa de pedir o relato das lesões, danos ou perdas sofridas, indicando às repercussões na sua capacidade de trabalho (...) muitas sem respaldo convincente devendo o juiz autorizar a prova pericial para comprovação e averiguação do fato alegado”. [20]

Verificamos que, caso haja muitas reparações civis, em duplicidade com o benefício acidentário, as empresas podem ter problemas financeiros, gerando desemprego, sendo um problema social e econômico, devendo o juízo agir de acordo com cada caso.

De acordo com o presente trabalho, bem como dispõe a segunda parte do inciso XXVIII do artigo já citado tema deste, caberá indenização no caso de culpa ou dolo do empregador tão somente, sendo, em nosso entendimento, inconstitucional o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, bem como a Lei Acidentária em relação ao NTEP[21]; portanto, insere-se na Teoria Subjetiva, com a qual concordamos, pois difere do entendimento civilista do parágrafo único do referido artigo civil.

Ressaltamos que o NTEP está sendo discutido sua legalidade através de uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), no Supremo Tribunal Federal (STF) sob nº. 3931, esta ainda sem data para julgamento. Deve-se aguardar, conseqüentemente, uma decisão da Corte para que se possa ter um melhor posicionamento sobre o assunto.

No caso de se conceder o benefício (auxílio-doença e/ou auxílio-acidente) ao trabalhador, entendemos o fato como correto, devido à função social, à responsabilização objetiva e pelo risco social, mas não na ação indenizatória, ação individual e com aspectos do direito comum, devendo ser subjetiva a lide, comprovando o nexo causal, a culpa e/ou dolo e o dano causado ao agente.

Sendo assim, fica nítida a dualidade do referido inciso, evidenciando-se que a responsabilização deve ser de acordo com o disposto em cada uma das duas partes, mas não ocorrendo o bis in idem, devendo ter a correta responsabilização indenizatória, caso fiquem comprovados a culpa e o dolo do empregador, através do devido processo legal e o ônus probatório do Autor, e devendo ser compensados quaisquer valores já pagos pelo benefício (auxílio-doença e/ou auxílio-acidente) ao referido pelo INSS.

[1] Advogado, Formado em Direito em 2008/PUC-PR.

[2] VIANNA, Claudia Salles Vieira. A relação de emprego e os impactos decorrentes dos benefícios previdenciários. São Paulo: LTr, 2007, p. 62.

[3] Ibidem, p.109.

[4] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 33a. Ed., São Paulo: LTr, 2006, p. 331.

[5] Ibidem, p.331.

[6] MENEZES, Wagner. Estudos de Direito Internacional: anais do 5º. Congresso de Direito Internacional.Novas “Tendências em Matéria de Saúde e Segurança no Trabalho” ROCHA, Alexandre Euclides e PIRES, Roberta De Biasio., Vol. IX., Curitiba: Juruá, 2007, p. 77

[7] CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito Social: Teoria Geral do Direito Social, Direito Contratual do Trabalho, Direito Protecionista do trabalho. 2ª. Ed., São Paulo: LTr, 1993, p. /332.

[8] KUGLER, Viviana. Análisis económico del derecho. “Quién debe pagar el coste de los accidente de trabajo? La coordinación de la Seguridad Social y el derecho de daños desde uma perspectiva económica”. Buenos Aires: Heliasta, 2006, pp. 107/137.

[9] SIMM, Zeno. Os Direitos Fundamentais e a Seguridade Social. São Paulo: LTr, 2005, p. 99.

[10] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidentes do Trabalho ou Doença Ocupacional. 3ª. ed. ver., São Paulo: LTr, 2005, p. 223.

[11] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. 4ª. ed., Rev., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 245.

[12] Ibidem, p. 245.

[13] SAAD, Teresinha Lorena Pohlmann. Responsabilidade Civil da empresa nos acidentes de trabalho. 2ª. ed., São Paulo: LTr, 1995, p. 232.

[14] Ibidem, p. 233.

[15] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 181.

[16] IIbidem, p.150.

[17] TORTORELLO, Jayme Aparecido. Acidentes do Trabalho: Teoria e Prática. 2a. Ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 7.

[18] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. 4ª. ed. Rev., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 23.

[19] Ibidem, p. 85.

[20] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidentes do Trabalho ou Doença Ocupacional. 3ª. ed. ver., São Paulo: LTr, 2005, p. 284.

[21] Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. (Incluído pela Lei nº. 11.430, de 2006). § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº. 11.430, de 2006).

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