O valor atribuído ao trabalho hodiernamente ganha cada vez mais a atenção dos operadores do direito, bem como da própria sociedade.
O processo de conscientização em relação aos direitos sociais é de suma importância para a efetiva concretização das garantias asseguradas na Constituição de República de 1988.
É de se notar que a CR/88 chamou para si muitas das realidades dos institutos do direito do trabalho, deste modo o Direito Constitucional avocou garantias como, por exemplo: de Irrenunciabilidade salarial, limites de jornada de trabalho, repouso, dentre outros direitos básicos consagrados na Lei Maior que protege o empregado.
Imprescindível é a importância das relações de trabalho na sociedade, uma vez que o homem descobre no seu labor a concretização da dignidade como pessoa humana.
Tanto é que o trabalho foi elevado à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito pelo constituinte originário (art., 1º, inciso IV CR/88).
Tal proteção atribuída ao trabalho faz lembrar-se da canção do saudoso Gonzaguinha:
“O homem se humilha se castram seus sonhos seu sonho é sua vida e vida é trabalho e sem seu trabalho, o homem não tem honra e sem honra, se morre, se mata…”
Com isso, temos que a integração da pessoa humana dentro de um contexto social e produtivo, sem distinção de qualquer natureza (art, 5º CR/88): sua valorização enquanto membro ativo e produtor de riquezas na sociedade atual representa, sem maior esforço, a autoafirmação do individuo perante a coletividade: ou seja, o emprego (trabalho) é o seu cartão de apresentação no ambiente social.
Tecidas estas breves considerações sobre a perspectiva constitucional das relações de trabalho, abordaremos o denominado “dumping social” entendido como agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas que geram um dano a toda a sociedade e constituem forma de precarização das relações de trabalho.
Nesse cenário, imperativo observar que o “dumping social” encontra previsão no Enunciado nº 04 da 1ª Jornada Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho:
“DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.
Pois bem.
Nesse contexto, verifica-se que restará caracterizado o “dumping social” quando a empresa burla a legislação trabalhista e acaba por obter vantagens indevidas (precarização dos direitos trabalhistas), através da redução do custo da produção, o que acarreta um maior lucro nas vendas. Logo, o “dumping social” representa uma prática prejudicial e condenável, haja vista configurar uma conduta desleal de comércio e de preço predatório (mão de obra barata e que não respeita os direitos mínimos assegurados), em prejuízo da dignidade da pessoa humana.
O cerne da questão que envolve aplicação de multa por “dumping social” reside quando o Magistrado aplica por iniciativa própria tal sanção, ou seja, não havendo na lide pedido expresso.
E mais, a condenação por “dumping social” não está prevista na legislação trabalhista, o que para muitos ofende o princípio da legalidade, bem como da reserva legal, lembrando apenas que conforme dito alhures a condenação é recomendada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) desde 2007.
Cumpre aqui mencionar o crescimento da interposição perante o TST dos recursos de revista referente à condenação “ex officio” por “dumping social”. Recentemente, houve o julgamento do seguinte recurso, cuja noticia foi veiculada no site do TST:
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) absolveu a CPM Braxis S. A., de Porto Alegre (RS), da condenação ao pagamento de indenização de R$ 200 mil por “dumping social”. A Turma entendeu que a condenação, fixada de ofício (sem que houvesse pedido explícito do trabalhador) pela 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre em R$ 400 mil e depois reduzida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), violou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa previstos na Constituição da República (Processo RR – 131000-62.5.04005) http://www.tst.jus.br/noticias//asset_publisher/89Dk/content/id/3870105.
Nessa toada, em que pese à iniciativa de alguns Magistrados de primeiro grau que ao identificarem indícios de prática empresarial que, no mínimo, afronta a legislação protetora do trabalho deixarem a inércia do Poder Judiciário para, da forma que melhor entender, condenar as empresas ao pagamento de indenização de indenização por “dumping social.”
Não é demais lembrar que vivemos sob a vigência do Estado Democrático de Direito, no qual, dentre as garantias constitucionais, determina o respeito ao principio do contraditório e da ampla defesa, assegurados no inciso LV do artigo 5º da CR/88, ocasião em que o devido processo legal não é respeitado, ao passo que a empresa não pode defender-se ainda na fase cognitiva quando há, de antemão, a aplicação ex officio do “dumping social”, prejudicando assim o afetado na lide de rechaçar as alegações iniciais.
Temos ainda que no campo infraconstitucional, a condenação “ex officio” por “dumping “social viola o artigo do 128 do Código de Processo Civil que estabelece:
Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.
Nesse cenário, o pedido estabelece limites objetivos da lide, os quais auxiliam o Julgador na busca da correta prestação jurisdicional e evitam assim a prolação de decisões extra, citra ou ultra petita, como ocorre nos casos onde a condenação é aplicada de oficio.
Cediço ainda que o pedido deve encontrar fundamento na causa de pedir, só podendo agir de oficio em matéria de ordem pública, e verifica-se que o pedido de indenização por “dumping social” não enquadra-se nesta hipótese.
Tenho por mim que constatadas irregularidades no processo, cabe ao MM Juiz, segundo o seu entendimento, determinar as providências que por bem entender devidas, mediante, a título de exemplos: expedição de ofícios às autoridades ou órgãos competentes, a fim de prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da Justiça (artigo 125, III, do CPC).
Mediante tais considerações, é preciso que se cumpram as normas estabelecidas em relação aos direitos sociais com o escopo de obter a realização prática do valor supremo da dignidade da pessoa humana, todavia, respeitando os limites da lide, eis que a indenização, a priori, deve ser requerida pelo ofendido, tendo em vista que os pedidos devem ser julgados de forma restritiva, consoante disposto no artigo 293 do CPC.
Tiago Maurício Mota – OAB/MG 135.399