INTRODUÇÃO
A racionalidade na tomada de decisões trazida pela economia clássica, levaram a formulações de políticas baseadas em situações onde inexistia o questionamento da racionalidade do cidadão. Para os clássicos os indivíduos eram totalmente racionais nas decisões que impactavam na sua vida e na vida da coletividade. (ARAUJO,1988)
As ciências comportamentais, que no transcorrer deste trabalho daremos ênfase estudam a racionalidade humana e suas limitações e como as falhas na racionalidade podem interferir nas escolhas de cada pessoa, assim como as alterações e as implicações da mudança no paradigma da racionalidade, aplicados as políticas públicas.
Ao demonstrar a possibilidade da aplicação da economia comportamental e do seu preceito de que nem sempre a tomada de decisão é baseada na racionalidade humana.
A economia comportamental será analisada como uma ferramenta catalizadora dos resultados das políticas públicas uma vez que a busca de eficiência do Estado com soluções eficientes e de com baixos custos é um objetivo almejado pelas nações.
Através do entendimento de como funciona a tomada de decisão final, alterações importantes podem ser realizadas em empresas públicas, na legislação especifica e em agências reguladoras.
Desenvolvimento
As políticas públicas envolvem um conjunto de etapas que abrangem a formulação, implementação e a avaliação. Após a identificação do problema ele será incluído na agenda pública para a busca de uma solução. Escolhida a alternativa, toma-se a decisão, realiza-se o planejamento de todas as ações envolvidas e começa-se a implementação, compreendendo vários eventos e atividades para dar continuidade às diretrizes definidas anteriormente. Relevante para a implementação é saber em que medida os objetivos foram atendidos e se há impactos não previstos. (ÁVILA,2015)
Durante a implementação, cabe o monitoramento para apreciar os processos adotados e os resultados preliminares e, ao final do ciclo, uma avaliação para julgar os resultados da política e subsidiar as decisões dos gestores para os ajustes necessários. (ÁVILA,2015)
A racionalidade foi por muito tempo pressuposto para a formulação de diversas políticas. Dan Ariely, professor de economia comportamental do Media Laboratory do MIT, explica que as pessoas não são racionais na sua tomada de decisão, que os indivíduos se baseiam em suas crenças, suas tendências pré-existentes, normalmente decidem rapidamente e tem dificuldade de conciliar interesses de curto e de longo prazo. (ARIELY,2008)
Corrobora com este pensamento, Daniel Kahneman, ele explica a tomada de decisão através de um o sistema dual de pensamento. Ele aponta que todos possuímos dois sistemas de pensamento. O sistema 1, que opera de forma automática e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço, de forma intuitiva e o sistema 2, que é mais lento e mais racional, que se utiliza por exemplo para cálculos elaborados. Foi observado que a maior parte das decisões das pessoas são tomadas baseados no sistema 1. (ARIELY,2008)
Em 2008, Cass Sunstein e Richard Thaler, trouxeram para o campo das políticas públicas os preceitos da economia comportamental. A intervenção através dos empurrõezinhos, que foi o novo conceito trazido por eles, seria primeiramente justificada através da alegação que a complexidade de situações dos tempos atuais, impossibilitaria uma tomada de decisão ótima em todos os âmbitos e através do “nudge[1]”, as políticas públicas poderiam direcionar os cidadãos às decisões que eles mesmos considerariam ótimas sem retirar sua liberdade de escolha.
Este seria um de paternalismo libertário, onde os vieses cognitivos distorcidos que levariam a uma escolha não adequada seriam neutralizados ou minimizados. (DWORKIN, 1986)
A economia comportamental utiliza os conceitos de heurísticas como atalhos para a tomada de decisão e os vieses os erros decorrentes das heurísticas.
Porém as heurísticas podem induzir a erros de percepção, avaliação e julgamento que escapam à racionalidade ou estão em desacordo com a teoria da estatística. Esses erros ocorrem de forma sistemática e previsível, em determinadas circunstâncias, e são chamados de vieses cognitivos. (KAHNEMAN,2002)
A heurística da disponibilidade onde os indivíduos formam e julgam a probabilidade de um evento de acordo com a facilidade de que os exemplos vêm a sua mente. Por exemplo: Calcular a probabilidade de um jovem ter problemas cardíacos recordando os casos que já aconteceram com seus conhecidos ou de determinado investimento não ser seguro, baseado em um parente que perdeu suas economias neste tipo de investimento. (KAHNEMAN,2002)
A heurística da representatividade, onde os indivíduos avaliam a probabilidade de um evento “B” pelo nível em que um evento “A” se parece com o evento de “B” em outras palavras, representatividade é a tendência em utilizar estereótipos para realizar julgamentos. Neste caso também são utilizadas informações prontamente disponíveis na memória. Por exemplo, uma criança que seja muito organizada e quieta, não seria estimulada a funções que exijam dinamismo, ou seja, ela seria motivada a ser um bibliotecário, músico, poeta, nunca a ser um jogador de futebol ou um líder sindical. (KAHNEMAN,2002)
A heurística da ancoragem, como o próprio nome já determina, os indivíduos utilizam como uma âncora uma informação recebida recentemente. Utilizam esta referência para fazer uma estimativa ou tomar uma decisão. (KAHNEMAN,2002)
A heurística do afeto é aquela determinada pelas simpatias e antipatias e estas determinarem as crenças acerca do mundo. Por exemplo, uma pessoa que antipatiza com carne vermelha, energia nuclear, tatuagens ou motocicletas, provavelmente supervaloriza os riscos e despreza os benefícios destas ilustrações. Em outras palavras, a heurística do afeto está relacionada com as qualidades “bom” ou “ruim” que atribuímos a certas experiências, com ou sem consciência. (KAHNEMAN,2002)
Os vieses cognitivos que são os erros de conduta decorrentes das heurísticas, eles são os direcionadores da tomada de decisão irracional. Os vieses distorcem a realidade e alteram a capacidade na tomada de decisão racional. Os vieses decorrem de uma visão incompleta da situação e coíbem a tomada de decisão ótima. (KAHNEMAN,2002)
O viés do otimismo, se tem a tendência a superestimar a ocorrência de eventos positivos, ele induz a uma descrença em dados estatísticos e situações reais de risco, o indivíduo se posiciona de forma imprudente em relação a atitudes presentes, como por exemplo os fumantes que acreditam que nunca terão câncer, embora as estatísticas apontem para isso.
O viés do status quo e ou da inércia reflete a aversão humana à mudança, as pessoas preferem manter seu estado atual, mesmo se uma alteração pudesse lhe trazer mais bem-estar, manter o status quo significa não fazer nada, ou simplesmente deixar as coisas como estão. Muitas empresas americanas passaram a inscrever seus funcionários em programas de poupança automática, com a opção de deixarem o programa se assim desejassem, em vez de deixar a critério deles se inscreverem caso desejassem. (KAHNEMAN,2002)
No viés do presente, os indivíduos são predispostos a preferir um benefício presente a adiar a satisfação, ainda que esta seja maior no futuro, este viés afeta fortemente a questão da poupança para a aposentadoria por exemplo, pois o indivíduo prefere o deleite presente. (ÁVILA,2015)
O viés da aversão a perdas ocorre quando os indivíduos possuem um medo maior de perder do que uma vontade de ganhar. (KAHNEMAN,2002)
O resultado dos vieses cognitivos se tem o que Sunstein chama de arquitetura de escolhas. As escolhas se dão em um ambiente estruturado onde há uma “arquitetura” de escolha, consciente ou inconsciente. Como a escolha está sempre (de uma forma ou de outra) estruturada, ou seja, alinhada com um viés, não se pode evitar esse efeito. Nesse sentido, a “arquitetura de escolha” não pode ser evitada, porém a arquitetura de escolhas pode ser alterada, buscando alterar o resultado negativo que determinado viés desencadearia. Ao sugestionar pensamentos que levem a alteração dada arquitetura de escolhas, dos indivíduos, poderá ser gerado um grau de eficiência maior e um resultado ótimo na coletividade. (THALER; SUNSTEIN,2008)
A busca pelas alterações da arquitetura das escolhas, tem impulsionado muitas políticas públicas em diversos governos como o do Reino Unido, Alemanha, Austrália, Canadá, Peru e Catar onde se criaram departamentos e programas para promover empurrões que beneficiem a população e alterem a escolha individual para a melhor escolha possível. (BEHAVIOURAL INSIGHTS, 2020)
O governo britânico, criou o Behavioural Insights Team, conhecido também como Nudge Unit, sua função principal é testar as novas diretrizes das políticas públicas, para verificar se as mesmas estão atingindo os seus objetivos. Outro fato que ressalta a importância do tema nos programas governamentais constitui-se a publicação de um conjunto de normas constantes na Executive Order 13.707, de 15/09/2015, emitida pelo presidente Barack Obama, que cria diretrizes para os órgãos públicos utilizarem o enfoque comportamental nas políticas públicas. (BEHAVIOURAL INSIGHTS, 2020)
No Brasil, os estudos estão dando seus primeiros passos e vem ganhando espaço a cada dia, a metodologia já aparece em políticas nacionais ainda de forma incipiente, porém com grandes perspectivas. O NudgeRio é a pioneira, sendo a primeira unidade Nudge do Brasil, é uma unidade do Instituto da Fundação Joao Goulart, cuja missão é disseminar o conceito e realizar projetos de baseados em insights comportamentais, principalmente com a metodologia dos nudges nos órgãos da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, com intuito de aumentar a efetividade de iniciativa e políticas públicas, beneficiando o cidadão. (FUNDAÇÃO JOÃO GOULART, 2020)
Um dos projetos analisados pela pesquisa foi o incentivo a matrícula online para os alunos da rede pública municipal da cidade do Rio de Janeiro. Foram enviados e-mails utilizando uma abordagem da economia comportamental.
A heurística utilizada na primeira mensagem foi da reciprocidade, o texto era “Experimente! Clique no link acima ou copie e cole na sua barra de ferramentas do seu navegador!" A segunda mensagem utilizou a heurística da escassez/competição, trazia o texto, "Pelo site, você tem as mesmas opções de escolas e não precisa enfrentar fila nas Coordenadorias de Educação! Lembre-se que enquanto você está na fila para inscrever seu (sua) filho (a), outras pessoas já realizaram a inscrição em menos tempo e com muito mais conforto pela internet." E a terceira mensagem trazia a heurística de norma social, com o texto "Você sabia que cada vez mais pessoas fazem matrícula de seus (suas) filhos (as) nas Escolas da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro pelo site? Em 2015 foram mais de 130 mil pessoas. Este ano, estimamos que muitos mais farão a inscrição pelo www.matricula.rio, com mais facilidade e economizando tempo. Não fique fora dessa e utilize o site para matricular seu (sua) filho (a)!" (FUNDAÇÃO JOÃO GOULART, 2020)
O resultado apresentado com a utilização do nudge na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, foram que o número passou de 91.844 inscritos online anteriormente para 169.483 matrículas online, sendo 58.581 apenas para Creche. A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro não atribui este resultado apenas ao projeto, tendo também a influências de outras variáveis. Porém apurando os dados dos grupos de tratamento que receberam as mensagens, com o grupo que não recebeu nenhuma mensagem temos uma efetividade de 55%. (FUNDAÇÃO JOÃO GOULART, 2020)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entendimento de que as pessoas são totalmente racionais refletiu durante muito tempo sobre o campo das políticas públicas. A Economia Comportamental ao confrontar o paradigma da racionalidade de forma argumentativa e empírica através dos experimentos demonstra que a tomada de decisão, ao contrário de ser racional, é cercado dos mais diversos fatores que influenciam as escolhas dos indivíduos.
Pequenas alterações na forma como os incentivos são apresentados às pessoas podem conduzir as ações governamentais a melhores resultados. Os “nudges” surgem como uma importante ferramenta a partir da Economia Comportamental, uma vez que serão o neutralizador das escolhas não boas.
Acredita-se com base nesta análise que através da admissibilidade de racionalidade limitada e a interferência branda do Estado na escolha individual, possam colaborar com uma análise de novas diretrizes para as políticas públicas.
PALAVRAS CHAVES
Políticas públicas, insight comportamental, economia comportamental.
[1] Empurrão, impulso. (Tradução livre)