(Senhor do Bonfim, Bahia, 16 de julho de 2016)
*Josemar Santana
A condução de veículos por pessoas que estão fazendo uso de bebida alcoólica ou de outra substância psicoativa que determine a dependência está tipificada no CTB (Código de Trânsito Brasileiro) como infração gravíssima e faz parte das 415 infrações previstas no Capítulo XV do CTB.
É preciso, então, compreender o que significa infração, definida no CTB, o que se encontra no artigo 161, com a seguinte redação:
“Art.161. Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX”
Também encontramos no Anexo I, do CTB, a seguinte definição de infração:
“inobservância a qualquer preceito da legislação de trânsito, às normas emanadas do Código de Trânsito, do Conselho Nacional de Trânsito e a regulamentação estabelecida pelo órgão ou entidade executiva do trânsito”.
Como se vê, a violação de qualquer regra prevista no Capítulo XV do CTB impõe a punição com as penalidades previstas no Capítulo XVI, além da possibilidade de aplicação de medidas administrativas previstas no Capítulo XVII, conceituando de maneira mais apropriada a definição de infração de trânsito.
Objetivando proteger a vida humana, a legislação de trânsito destacou a conduta de dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa que determine dependência, dando redação específica ao assunto, conforme disposto no artigo 165 do CTB, a seguir reproduzido:
“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008).
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012).
Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no §4º do art. 270 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – do Código de Trânsito Brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012).
Parágrafo único – Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de 12 (doze) meses.”
Diante disso, a questão é: como deve ser comprovado que o condutor está dirigindo sob a influência de bebida alcoólica ou de outras substâncias psicoativas que causem dependência física ou química?
O próprio CTB cuida de regulamentar o procedimento de comprovação da conduta do motorista, dispondo no art. 277 o seguinte:
“Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.
§2º. A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas”.
Observe-se que o CTB deixa clara a necessidade de ser comprovada a ingestão de substâncias psicoativas que determinem a dependência, mas não se aprofundou de forma suficiente para especificar quais seriam as medidas de comprovação, como adverte o advogado do DETRAN do Espírito Santo, Paulo André Cirino, em artigo escrito e publicado em dezembro de 2014, sob o título “A recusa ao bafômetro e a Portaria n° 217 do DENATRAN: é o fim do problema?”
Aí é que entram as resoluções disciplinadoras do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), órgão autorizado pelo CTB, para dispor “sobre os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes de fiscalização do consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, para aplicação do disposto nos arts. 165, 276, 277 e 306 do CTB”, como ensina Paulo André Cirino, no artigo citado.
O CONTRAN, portanto, editou a Resolução n° 432 de 2013, estabelecendo no art. 3º, o seguinte:
“Art. 3º. A confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência dar-se-á por meio de, pelo menos, um dos seguintes procedimentos a serem realizados no condutor de veículo automotor”.
Esses procedimentos são: exame de sangue (inciso I); exames realizados por laboratórios, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência (inciso II); teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro) (inciso III); verificação de sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor (inciso IV).
E o parágrafo 1º acrescenta a “prova testemunhal, imagem, vídeo ou qualquer outro meio de prova em direito admitido”, ampliando os procedimentos expressos nos incisos de I a IV do art. 3º da Resolução 432/13, do Contran.
Segundo Paulo André Cirino, “a redação do art. 3º da Resolução 432/13 é o principal argumento dos que advogam a causa de que o auto de infração lavrado em virtude da conduta do art. 165 do CTB só é válido se apresentar alguma das provas ali presentes, motivados ainda pelo que consta no art. 8º da mesma resolução”.
O art. 8º da referida Resolução, por sua vez, determina que o auto de infração lavrado em decorrência do art. 165 do CTB deverá conter alguns elementos formais exigidos para o preenchimento do auto infracionário, dispostos nos inciso I a IV, o que dá a impressão de existir “um aparente conflito de normas que deve ser muito bem sopesado”, como lembra Paulo André Cirino.
Teríamos, portanto, um quadro em que as normas editadas pelo CONTRAN exigem a necessidade de comprovação da infração e o disposto no art. 277, §3º do CTB que não deixa dúvidas sobre a simples recusa por parte do condutor de se submeter a qualquer dos procedimentos de prova, implicando em aplicação de penas e medidas administrativas fixadas para a infração do art. 165.
Está claro, pois, o caráter imperativo do §3º, do art. 277, do CTB, inexistindo razão a alguns CETRANs (Conselhos Estaduais de Trânsito) para rejeitar a aplicação desse dispositivo, mandando arquivar os autos de infração que não registrasse qualquer elemento de prova, tal como disposto no art. 3º da Resolução nº 432/13, o que motivou o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito) a editar a Resolução nº 217, de 14 de dezembro de 2006, do CONTRAN, alterando o Anexo IV (Tabela de Enquadramento da Portaria Denatran nº 59, de 25 de outubro de 2007), para acrescentar código de infração específico à conduta prevista no art. 277, §3º, do CTB.
Isso porque, os argumentos utilizados pela doutrina (opinião de juristas sobre o assunto) para não aplicação dessa norma se baseavam justamente na falta de codificação própria e tipificação adequada, instituindo-se o código 516-91 que exige o registro no auto de infração da recusa do condutor em se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no art. 277, §3º, do CTB, ou a descrição desta conduta infracional.
Ocorre que essa recusa não se constitui numa infração e sim, numa situação que exige a aplicação de uma medida administrativa, porque está prevista no Capítulo XVII do CTB e não no Capítulo XVI, tanto quanto a conduta do art. 165 que está efetivamente, entre as infrações de trânsito.
Percebe-se que a Portaria nº 217 tenta resolver o problema, criando um código (516-91) para uma conduta tida infracional que, segundo Paulo André Cirino, “a rigor, não existe”, tratando o problema de traz para frente, quando o correto seria criar o tipo infracional, pela aditivação de disposição ao artigo 165, sugerida pelo advogado Paulo André Cirino, pela criação do art. 165-A, com a seguinte redação: “recusar-se a se submeter à teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou química”, e, depois, aí sim, criar o código referente à tal infração.
A edição da Portaria 217 deixa clara a intenção de acabar com a insegurança dos agentes de trânsito ao autuar o condutor infracionário e, também, por fim à insegurança das autoridades de trânsito ao julgar os autos que lhes chegam em forma de recurso, definindo a sua consistência ou não, porque estamos diante do interesse público que se sobrepõe ao privado, principalmente, se partirmos de pressupostos bem citados pelo especialista em direito de trânsito, Paulo André Cirino, tais como:
1-o DENATRAN não tem a competência legislativa do Congresso Nacional; 2-a política brasileira não vive o seu melhor momento; 3-o Sistema Nacional de Trânsito tem por incumbência dar prioridade em suas ações à defesa da vida; 4-o regime jurídico administrativo é baseado na supremacia do interesse público e na indisponibilidade deste interesse.
Assim, a norma tem que ser aplicada, não podendo ser ignorada, porque se o for, estará o Poder Público “renegando a força de um dos mais importantes atributos do ato administrativo que é a presunção relativa de legitimidade e legalidade”, observa Paulo André Cirino, que conclui o citado artigo dizendo que “até o presente momento, ao Sistema Nacional de Trânsito cabe aplicar a norma, ao condutor “recorrer”, e ao Judiciário a definição da legalidade ou não da Portaria”.
Conclui-se, diante de todas essas considerações, que a Portaria nº 217 do DENATRAN pode até não ser a solução do problema, mas, concordando com Paulo André Cirino “é um ótimo começo”.
*JOSEMAR SANTANA é jornalista e advogado, especializado em Direito Público, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba), Salvador (Ba) e Brasília (DF).