A LEI MARIA DA PENHA E A PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO


12/01/2015 às 14h07
Por Romeu Bessa

RESUMO

A Lei 11.340/06 surge com como uma forma de resposta dada pelo Poder Público frente à sociedade, numa tentativa de coibir a violência doméstica e familiar e proteger os direitos da mulher no âmbito das relações domésticas. O estudo tem por objetivo a análise da Lei Maria da Penha, no que se refere a sua inconstitucionalidade, no tocante à decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo juiz ainda na fase de inquérito, canalizando a discussão para a conclusão sobre a ilegalidade de tal medida. O mesmo torna-se necessário, devido ao fato do dispositivo levantar questões polêmicas e divergentes, como por exemplo, a aplicação do artigo 20 da referida Lei influenciar de sobremaneira no aspecto constitucional do nosso Ordenamento Pátrio. Para que fosse possível a realização do trabalho, utilizamos o método dedutivo, sendo necessária a pesquisa em diversas bibliografias, constituída principalmente de artigos científicos, doutrina, jurisprudência e leis, com o intento de, por meio destes, encontrar a resposta para o problema ao qual propusemos a resolver, acerca da inconstitucionalidade da Lei 11.340/06.

Palavras chaves: Violência Doméstica e Familiar. Lei Maria da Penha. Prisão Preventiva de Ofício na Lei 11.340/06.

1 INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.340 criada em 07 de Agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, fez surgir no Brasil uma nova e interessante discussão a respeito do tema “Violência Doméstica e Familiar praticada contra a mulher”, dada a relevância e atualidade do assunto, bem como à proximidade com o mundo real; é sucessora de um longo período de retaliação a mulher; surge com como uma forma de resposta dada pelo Poder Público frente à sociedade, numa tentativa de coibir a violência doméstica e familiar e proteger os direitos da mulher no âmbito das relações domésticas.

O estudo tem por objeto a análise da Lei 11.340/2006, visando observar a inconstitucionalidade desta Lei, no tocante à decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo juiz ainda na fase de inquérito, canalizando a discursão para a conclusão sobre a ilegalidade de tal medida, haja vista, afrontar contra os princípios constitucionais. O mesmo torna-se necessário, devido ao fato do dispositivo levantar questões polêmicas, como por exemplo, a aplicação do artigo 20 da referida Lei influenciar de sobremaneira no aspecto constitucional do nosso Ordenamento Pátrio, no que diz respeito ao princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal DE 1988.

Estruturamos nosso trabalho, da maneira que, no primeiro capítulo, abordaremos acerca da Lei 11.340/06. Trataremos a respeito de seu surgimento e seus objetivos, bem como sobre o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher e a forma de como se manifesta, onde explicaremos a respeitos dos tipos de violência especificados em Lei, e por fim, apresentaremos os principais instrumentos internacionais de proteção dos direitos das mulheres e o caso Maria da Penha Maia Fernandes, os quais influenciaram de sobremaneira na criação da Lei em comento.

No segundo capítulo, iremos discorrer sobre a prisão preventiva; tendo como ponto de partida o enfoque histórico de tal instituto dentro do ordenamento jurídico brasileiro, para então apresentarmos as noções gerais a respeito do tema; após, iremos expor a principiologia, pressupostos e, por fim, um breve relato acerca das hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva.

No terceiro, e último capítulo, discorreremos, especificamente, sobre a prisão preventiva na Lei Maria da Penha, onde iremos aproveitar o exposto no final do capítulo anterior como forma de introduzir o leitor no tema. Trataremos, inicialmente, sobre sua permissibilidade no caso de violência doméstica e familiar, em seguida, canalizaremos o estudo para o momento da decretação da preventiva durante a fase preliminar de investigações. Posteriormente, iniciaremos a discussão acerca da difícil coexistência entre o princípio constitucional da presunção de inocência com a prisão preventiva, para depois tratarmos a respeito da ilegalidade desse tipo de prisão, por violar o sistema acusatório e a garantia da imparcialidade do julgador. Por fim, faremos uma análise critica do artigo 313, inciso III, do CPP.

2 A LEI Nº 11.340/06 – LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha visa coibir o fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher, apresentando uma estrutura especifica para atender a complexidade do tema ao prever mecanismos de prevenção, assistência às vítimas, políticas públicas e punição mais rigorosa para os agressores.

A Lei, expressa o compromisso do Estado no sentido de responder à problemática da violência contra a mulher no contexto familiar. Constitui, pois, verdadeiro despertar para a real vulnerabilidade vivenciada pela mulher no âmbito do núcleo familiar, numa situação de violência.

A Lei foi uma iniciativa do Estado em atender ao disposto no artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, o qual preceitua sobre a igualdade de todos perante a lei, bem como no artigo 226, § 8º, do texto constitucional, que estabelece a assistência à família e a criação de mecanismos para coibir a violência no seio familiar. Além disso, foi uma forma de cumprir aos comandos expressos na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e na Convenção de Belém do Pará e ainda, à recomendação dada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Na análise de Stela Cavalcanti (2012), trata-se de uma lei com um cunho mais educacional e de promoção de políticas públicas de assistência às vítimas do que a intenção de punir mais severamente os agressores dos delitos domésticos, pois prevê em vários dispositivos, medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, possibilitando uma assistência mais eficiente e a salvaguarda dos direitos humanos das vítimas.

A Lei Maria da Penha constitui um importante avanço para a sociedade brasileira, representando, contudo, um marco indelével na história de proteção legal conferida às mulheres. Entretanto, ressalta Stela Cavalcanti (2012), não deixa de conter alguns aspectos que podem gerar dúvidas na aplicação, e até mesmo, opções que revelam uma formulação legal mais afastada da melhor técnica, bem como das mais recentes orientações criminológicas e de política criminal, daí a necessidade de analisa-la na melhor perspectiva para as vítimas, e discutir a melhor maneira de implementar todos os seus preceitos.

2.1 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

O Título I da Lei 11.340/06 apresenta as disposições preliminares, em seus artigos 1º ao 4º:

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Podemos observar claramente neste primeiro momento que a intenção do legislador ordinário foi a de construir um aparato legal voltado à proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, como uma forma de apresentar uma resposta positiva às reivindicações dos movimentos das mulheres e do sistema internacional de proteção aos direitos humanos que clamavam pela elaboração de uma legislação especifica sobre a violência doméstica e familiar no Brasil. (CAVALCANTI, 2012).

A lei, portanto, trata dos direitos básicos e da implementação de políticas públicas destinadas a tornar efetivos os direitos assegurados no rol dos artigos 1º ao 3º, consagrando ainda interpretação similar à contida na Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, dispondo em seu artigo 4º que na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Os artigos 2º e 3º vêm reforçar o que já fora estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º e 226, §5º, ou seja, o princípio da igualdade formal e material, além dos direitos fundamentais, reafirmando que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Sendo-lhes asseguradas ainda as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

2.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Por violência doméstica e familiar entende-se, aquela que ocorre no seio familiar, que envolve os membros do núcleo familiar, seja formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).

O artigo 5º da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – nos traz a configuração de violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim vejamos:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Por violência doméstica e familiar entende-se qualquer ação ou conduta cometida por familiares ou pessoas próximas que convivam num mesmo ambiente e que cause morte, dano, sofrimento físico ou psicológico à mulher. Para Cavalcanti (2012) este tipo de violência configura-se como uma das formas mais comuns de manifestação da violência, e, curiosamente, uma das mais invisíveis, sendo uma das violações dos direitos humanos mais praticadas e menos reconhecidas do mundo.

A violência doméstica fundamenta-se em relações entre pessoas de caráter desigual, ligados por vínculos consanguíneos, parentais ou de afetividade. O agressor se vale de sua condição de supremacia, hierarquia ou de uma condição privilegiada que tinha ou tem dentro de uma relação de casamento, convívio, namoro, intimidade.

Devido ao fato da violência ocorrer entre membros da mesma família, em ambientes onde estes partilham o mesmo espaço de habitação, ou ainda, entre um casal que mora em uma residência, estas circunstâncias tornam o problema especialmente complexo, sendo agravado muitas vezes por não possuir uma testemunha e por ser exercida em espaços privados, oculto aos olhos da sociedade, o que aumenta o seu potencial ofensivo.

Desta feita, é evidente que não se pode dar o mesmo tratamento a um delito de violência praticado por um estranho e o mesmo delito praticado por alguém que mantinha ou mantenha uma relação próxima, estreita, para com a vítima, como é o caso de maridos, companheiros, namorados, atuais ou anteriores. O raciocínio que se faz é que a violência praticada por um estranho dificilmente voltará a acontecer, pois na maioria das vezes, agressor e vítima sequer voltam a se encontrar, todavia, quando praticada por pessoa próxima, o comportamento tende a se repetir por diversas vezes, podendo resultar, inclusive, em ofensas e agressões num grau cada vez mais alto de gravidade, como ocorre, por exemplo, no caso em que a mulher por diversas vezes fora ameaçada, sendo que, por diversos motivos, nenhuma providencia fora tomada, o que culminou em um espancamento ou até mesmo na morte desta.

A violência doméstica e familiar contra a mulher é um tipo claro de violação dos direitos humanos fundamentais à vida, à dignidade, segurança e integridade física e psíquica. A violência mais comum é exercida contra a mulher, todavia, também são vítimas homens, crianças, adolescentes, deficientes físicos, ocasionando sérias consequências não só para o seu desenvolvimento pessoal, comprometendo o exercício da cidadania e dos direitos humanos, mas também para o desenvolvimento econômico e social do país. Mesmo no caso em que a mulher é a vítima direta da violência, indiretamente, aqueles que a presenciam, ou estão inseridas em seu meio, como por exemplo, filhos e familiares, também acabam sendo afetados.

Ressalta-se que embora as mulheres possam ser violentas com os seus parceiros e a violência também ocorra entre parceiros do mesmo sexo, o fardo esmagador da violência doméstica recai sobre as mulheres, devido ao fato da violência ser muitas vezes considerada como uma manifestação tipicamente masculina, uma espécie de “instrumento para a resolução de conflitos” como coloca a autora Stela Cavalcanti (2012, p. 62), apontando ainda para a origem do problema:

Os papéis ensinados desde a infância fazem com que meninos e meninas aprendam a lidar com a emoção de maneira diversa. Os meninos são ensinados a reprimir as manifestações de algumas formas de emoção, como amor, afeto e amizade, e estimulados a exprimir outras, como raiva, agressividade e ciúme. Essas manifestações são tão aceitas que muitas vezes acabam representando uma licença para atos violentos.

O que se percebe é que a violência tem como matriz a própria estrutura social que ensina o homem a discriminar a mulher, e este fato se reflete em todos os níveis, bem como nas relações familiares, sociais e trabalhistas. Desta feita, trata-se de um problema de maior intensidade porque sua origem é estrutural, isto significa dizer que o nosso próprio sistema social ainda influi no sentido de colocar o homem como sendo superior à mulher, devendo esta tomar uma postura de subordinação e respeito ao homem.

A violência familiar praticada contra mulher é um problema grave, devido às consequências geradas tanto para a vítima como para a própria família. Enganam-se aqueles que acreditam que este tipo de violência ocorre apenas em famílias de baixa renda, “marginalizadas da sociedade”; na verdade, ela afeta todas as classes sociais, raças, culturas e religiões; é um mal que permeia disperso na sociedade, que precisa ser combatido e criminalizado.

Apresentado este introito a respeito da conceituação da violência doméstica e familiar contra a mulher, passaremos a expor as suas várias formas de manifestação.

2.3 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Como já fora explanado no tópico anterior, a violência doméstica contra a mulher constitui qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, esta é a definição constante no caput do artigo 5º, da Lei nº 11.340/06.

Ademais, com base nos dados coletados junto à Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Estado do Pará, podemos observar no quadro abaixo, os tipos penais mais reincidentes cometidos no seio doméstico e familiar contra a mulher, ao longo dos anos 2009, 2010 e 2011:

Tipos Penais Lesão Corporal Ameaça Vias de Fato Perturbação de Tranquilidade Injuria Homicídio Tentativa de Homicídio Difamação

2009 43,5% 29,5% 12% 10% 1% 1% 1,5% *

2010 32,5% 31% 16,5% 14,5% 1,5% 1,5% * 1%

2011 43% 36% 8% 8% 2% 1% 1% *

[1]

Com base nesses dados, passaremos agora a conhecer e analisar as formas de manifestação da violência, disposta no artigo 7º da lei em comento. Assim vejamos:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

Por violência física entende-se qualquer conduta que ofenda a integridade física ou a saúde corporal da mulher. Aqui, podemos relacionar uma série de delitos, tais como a contravenção de vias de fato, o delito de lesão corporal leve, grave ou gravíssimo, e os crimes contra a vida, homicídio, aborto, induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio. Este tipo de violência compreende as mais variadas condutas por parte do agente, deixando a vítima ou não com marcas aparentes, por meio da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, queimaduras, arremesso de objetos, ferimentos com instrumentos pontiagudos ou cortantes, dentre outros, ofendendo sua integridade e saúde corporal, deixando ou não marcas aparentes, consubstanciando-se na forma de violência doméstica mais comum contra a mulher e de maior incidência de acordo com a pesquisa realizada junto ao Órgão Ministerial.

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Podemos perceber que o conceito de violência psicológica é bastante amplo e abrangente. Trata-se da segunda forma mais comum de violência de acordo com os dados disponibilizados pela Promotoria de Violência Doméstica do Estado do Pará. Aqui podemos relacionar os crimes de ameaça, cárcere privado, constrangimento ilegal, violação de domicílio, entre outros.

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

Podemos notar claramente que ao conceituar a violência sexual como qualquer conduta que constranja a mulher a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força por parte de seu parceiro, a intenção do legislador foi a de dirimir qualquer dúvida ainda existente, de que é possível sim tipificar como crime de estupro e atentado violento ao pudor, artigos 213 e 214, do Código Penal, o sexo não consentido e forçado praticado, por exemplo, pelo marido contra sua esposa.

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

A violência patrimonial geralmente ocorre quando o agressor destrói, retém ou subtrai os objetos da vítima, seus instrumentos de trabalho, documentos, bens, entre outros, podendo ocorrer concorrentemente junto aos demais tipos de violência, como por exemplo, antes, durante ou depois de uma agressão, de uma ameaça, ou de uma acalorada discussão entre o casal.

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A violência moral é conceituada como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, inclusive denunciação caluniosa (art. 339, do CP). Caluniar alguém é a imputação falsa de fato definido como crime. Difamar é imputar-lhe fato ofensivo à sua reputação. Injuriar é ofender-lhe a dignidade ou o decoro.

2.4 INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES

Historicamente temos que, a partir da Declaração Universal de 1948 começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção dos direitos e liberdades fundamentais, formando-se, por conseguinte, um sistema normativo global de proteção dos direitos humanos fundamentais, no âmbito das Nações Unidas. Esse sistema normativo formado é integrado por instrumentos de alcance geral, como por exemplo, os pactos internacionais de direitos civis e políticos, bem como por instrumentos de alcance especifico, como por exemplo, as Convenções internacionais. A coexistência dos sistemas geral e especial de proteção dos direitos dos seres humanos institui-se dentro do âmbito global como sistemas de proteção complementares.

Stela Cavalcanti (2012, p. 101) nos coloca que “esse sistema especial de proteção dos direitos humanos realça o processo de especificação do sujeito, no qual este passa a ser visto em todas suas peculiaridades”, isso significa dizer que, determinados indivíduos ou determinadas violações de direitos, exigem uma resposta mais especifica, e já para o sistema geral de proteção, sua finalidade é a de salvaguardar os direitos de toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidades.

Verificada a situação de hipossuficiência e discriminação sofrida pelas mulheres ao redor do mundo, foi necessário elaborar um sistema especial que visasse assegurar e proteger seus direitos humanos por meio de convenções e pactos internacionais. Apresentaremos no tópico seguinte duas das mais importantes convenções que constituem alguns dos mais relevantes instrumentos voltados à proteção dos direitos humanos da mulher na ordem jurídica internacional, sendo eles a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

2.4.1. Convenção Sobre A Eliminação De Todas As Formas De Discriminação Contra A Mulher

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A 1ª Conferência Mundial sobre a mulher foi realizada no México no ano de 1975, tendo como resultado a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW – Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women), a qual fora aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução 34/180, em 18 de dezembro de 1979, sendo assinada em 31 de março de 1984 pelo Brasil com reservas na parte relativa à família e ratificada em 1º de fevereiro de 1984 com a manutenção das reservas, entrando em vigor em 02 de março de 1984. (ZACARIAS, 2013).

Após a promulgação da Constituição Federal brasileira em 1988 que reconheceu a igualdade entre homens e mulheres, em 22 de junho de 1994, o governo brasileiro retirou as reservas, ratificando plenamente toda a Convenção, a qual possui força de lei ordinária.

A CEDAW foi elaborada sob o fundamento da obrigação de promover a igualdade formal e material entre os gêneros e o de fomentar a não discriminação contra a mulher, tem como norte a erradicação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e suas causas, bem como garantir o pleno exercício de seus direitos civis e políticos, sociais, econômicos e culturais. Esta convenção é muito especial e importante, devido ser o primeiro instrumento no cenário internacional voltado especificamente para a proteção das mulheres.

Em seu artigo 1º, a Convenção define a expressão discriminação contra a mulher como toda a distinção, exclusão, restrição baseada no sexo que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

A Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana, constituindo como obstáculo ao aumento do bem estar da sociedade e da família, além de dificultar o desenvolvimento das potencialidades da mulher.

Em 1994, a Organização dos Estados Americanos – OEA – ampliou a rede de proteção aos direitos humanos das mulheres com a edição da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, mais conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, a qual será explanada no tópico seguinte.

2.4.2. Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará”

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher foi outro grande avanço na proteção internacional dos direitos humanos das mulheres, sendo aprovada em 06 de junho de 1995 pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. (PIOVESAN, 2003)

Esta Convenção ratificou e ampliou a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, e representa o esforço do movimento feminista internacional para dar visibilidade à existência da violência contra a mulher e exigir o combate pelos Estados membros da OEA, sendo o primeiro tratado de proteção dos direitos humanos a reconhecer a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança um elevado número de mulheres em todo o mundo, sem qualquer discriminação ou distinção de raça, religião, classe, idade ou qualquer outra condição.

A “Convenção de Belém do Pará” definiu, em seu artigo 1º, a violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”, e em seu artigo 2º, disciplinou acerca dos tipos de violência contra a mulher da seguinte forma:

Artigo 2º. Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:

a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos ­­­e abuso sexual;

b) ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Em seus artigos seguintes, irá assegurar os direitos protegidos da mulher: “Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada” (artigo 3º) e em seus artigos 4º e 5º irá dispor que todos os seus direitos e liberdades fundamentais sejam protegidos e respeitados. Em seu artigo 6º, a Convenção irá colocar que o direito de toda a mulher a ser livre de violência inclui o direito de ser livre de todas as formas de discriminação e o de ser valorizada e educada, livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação.

Dentre os deveres dos Estados, coloca que os Estados Partes convieram em condenar todas as formas e violência contra a mulher e adotar por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência (artigo 7º). Isso significa dizer que os Estados Partes estão obrigados a assegurar que os agentes do Estado respeitem o direito da mulher a uma vida livre de violência, zelando para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher, e que todas as vítimas da violência tenham acesso a procedimentos jurídicos justos e eficazes, devendo ainda, empenha-se em tomar medidas adequadas contra a violência, estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada à violência, entre outros. (BREYER, LAMARE E MARTINS, 2008).

Nos termos do artigo 12 da Convenção, qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não governamental, poderá apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições referentes a denúncias ou queixas de violência perpetrada contra a mulher, devendo a Comissão considerar tais petições de acordo com as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de petições.

É importante alertar que a simples possibilidade de submeter casos de violações de direitos das mulheres ao conhecimento da comunidade internacional já impõe ao Estado violador uma condenação política e moral, pois, segundo a autora, a publicidade das violações trazem o risco de constrangimento político e moral ao Estado, o qual será compelido a apresentar justificativas de sua prática no fórum da opinião internacional, e mais... além d­­­esse constrangimento, a Comissão Interamericana poderá condená-lo ainda pela afronta aos direitos fundamentais assegurados às mulheres, determinando, contudo, a adoção de medidas cabíveis.

Vale lembrar que a Comissão Interamericana não é um órgão judicial, ou seja, suas decisões não apresentam natureza jurídica normativa. Flávia Piovesan (2003, p. 218) coloca que a Corte Interamericana de Direitos Humanos é que constitui o órgão jurisdicional no plano da OEA, tendo suas decisões força normativa obrigatória e vinculante.

2.5 CASO MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES

Para garantir a proteção da mulher vítima da violência doméstica foi necessária a elaboração da Lei Maria da Penha, como norma legal complexa, criada após o caso que mobilizou todas as esferas dos poderes, bem como, toda a sociedade, ocorrido contra Maria Da Penha Maia Fernandes. Esta vítima viveu durante anos com seu marido, o qual sempre apresentou um temperamento agressivo e hostil, sendo que no próprio relato desta vítima, não se separava por temer a reação do mesmo.

Em 1983 a situação ficou mais grave, pois Maria da Penha sofreu um atentado de homicídio pelo seu próprio marido, onde foi vítima de um disparo de arma de fogo. A ação do agente não chegou ao resultado final, no entanto levou a mesma ao estado paraplegia irreversível. Dias após o ocorrido, novamente o agressor voltou a intentar contra a vida de sua mulher, ao tentar eletrocutá-la durante o banho, sendo que após esse ocorrido, Maria da Penha, cansada de sofrer, procurou por seus direitos.

Transcorreram aproximadamente 15 (quinze) anos sem nenhuma posição da justiça sobre a condenação do acusado em relação ao processo instaurado pelo Ministério Público, tendo o réu ficado em liberdade. A vítima inconformada com a omissão do Estado Brasileiro procurou apoio nos órgãos internacionais protetores dos Direitos Humanos, sendo apresentada ao OEA devido à omissão e negligência do Estado Brasileiro, onde relatou as diversas denúncias ofertadas pela vítima contra o agressor, sendo que apesar da reincidência do mesmo, não houve por parte das autoridades brasileiras nenhuma providencia ou medida contra o agressor.

Neste norte, em 1998, os peticionários do Centro para a Justiça e o direito Internacional e o Comitê Latino-americano do caribe para a Defesa dos Direitos Humanos da Mulher, juntamente com a vítima Maria da Penha Fernandes encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma petição contra o Estado brasileiro, devido o fato do Brasil não estar cumprindo com os compromissos internacionais assumidos para o caso de violência domestica, então sofrida pela vítima. (CAMPOS E CORREA, 2007).

Como consequência da denuncia, a comissão de Direitos Humanos da OEA responsabilizou o Estado brasileiro, através do relatório nº. 54/2001 devido não atender ao art. 7º da Convenção de Belém do Pará, recomendando, dentre outras medidas, o prosseguimento e a intensificação do processo de reforma destinado a evitar a tolerância do Estado e o tratamento discriminatório com respeito à violência domestica contra a s mulheres, e simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar direitos e garantas do devido processo, além do estabelecimento de formas alternativas as judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito a sua gravidade e as consequências penais que gera. (GUIMARÃES e MOREIRA, 2007, p. 15).

Diante de todo o ocorrido, criou-se um Projeto de Lei no Brasil, fundamentado no artigo 226, § 8º, da CF/88, procurando mecanismo para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além dos tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.

Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

A Lei 11.340/2006 sancionada em 07 de agosto de 2006, criada a partir do caso apresentado, representou um marco fundamental para as mulheres vítimas de maus tratos, a qual vem resguardar a integridade física, moral e a dignidade humana da mulher.

3. DA PRISÃO PREVENTIVA

3.1 ENFOQUE HISTÓRICO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

O contexto histórico no qual se insere este tipo de medida preventiva adveio de várias discussões acerca da matéria dentro do ordenamento jurídico brasileiro, desde os primeiros períodos da história processual brasileira, em que era inaceitável qualquer tipo de prisão cautelar antes da sentença condenatória que restringia a liberdade ter transitado em julgado.

Com advento das Constituições Brasileiras houve algumas mudanças com o passar dos anos, a primeira Constituição Republicana, em 1831, a ideia de encarceramento cautelar preventivo se ratificou inconstitucional. Todavia a Constituição de 1934 proporcionou a criação de um Código de Processo Penal, que regeria acerca da matéria, portanto em 1941, com a criação desse Código, inseriu-se no cenário processual brasileiro essa medida de custódia, denominada prisão preventiva.

Com inserção no ordenamento jurídico dessa forma de medida cautelar preventiva, o Código de Processo Penal de 1941 regia da seguinte forma, conforme dispõe José Herval Sampaio Junior (2007, p. 174-175):

[...] O interesse da administração da justiça não pode continuar a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos formalísticos, que redundam em assegurar, com o prejuízo da futura ação penal, a afrontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em circunstâncias que evidenciam sua relação com este.

A prisão preventiva, por sua vez, desprende-se dos limites estreitos ate agora traçados à sua admissibilidade. Pressuposta a existência de suficientes indícios para a imputação da autoria do crime, a prisão preventiva poderá ser decretada toda a vez que o reclame o interesse da ordem pública, ou da instrução criminal, ou da efetiva aplicação lei penal. Tratando-se de crime superior a 10 (dez) anos, a decretação da prisão preventiva será obrigatória dispensando outro requisito além da prova indiciária contra o acusado. A duração da prisão provisória continua a ser condicionada, ate o encarceramento da instrução criminal, à efetividade dos atos processuais dentro dos respectivos prazos; mas estes são razoavelmente dilatados.

Embora a legislação respaldasse o encarceramento precoce de forma obrigatória, a insatisfação por parte dos juristas tradicionais da época se consolidava

diante de absurda permissão contida no ordenamento processual vigente.

Como efeito disso, mudanças foram feitas, advindas da Lei 5.349/1967, que alterou o artigo 312, do CPP, trazendo modificações a cerca da obrigatoriedade da aplicação da medida cautelar preventiva. Tal medida deixaria o caráter obrigatório e passaria a ter aplicabilidade se atendido requisitos objetivos.

Nesse sentido, dispõe Mirabete (2005, p. 416) que na nossa lei processual penal a prisão preventiva deixou de ser obrigatória para determinadas hipóteses, como se previa na legislação anterior, tornando-se hoje uma medida facultativa e extrema, devendo ser decretada apenas quando necessária segundo os requisitos estabelecidos pelo direito objetivo. Embora providência de segurança, garantia da execução da pena e meio de instrução, o seu emprego é limitado apenas a casos certos e determinados. A decretação da prisão preventiva não é ato discricionário, só podendo ser decretada pelo juiz ou órgão imparcial, cuja função é distribuir justiça.

A respeito ausculte-se Fernando da Costa Tourinho Filho (1999, p. 467):

Quando vigorava, entre nós, a prisão preventiva, entre nós, a prisão preventiva obrigatória, para os crimes cuja a pena de reclusão fosse, no máximo, igual ou superior a 10 anos, havia, também outra modalidade de prisão preventiva cuja decretação ficava ao prudente arbítrio do juiz. Era denominada facultativa. Abolida aquela, permaneceu esta mesma denominação. Embora o que a doutrina designava aquela modalidade de preventiva que ficava subordinada a outros requisitos além da prova da materialidade do fato e da autoria. A expressão, contudo, foi criada em oposição à preventiva conservação daquele nome, mesmo porque tal denominação da a falsa ideia de que a prisão preventiva fica subordinada exclusivamente à vontade do Juiz, o que não é verdade.

É claro que a prisão preventiva fica condicionada à prudência e discrição do Juiz. A lei, contudo, fixa-lhe os pressupostos e condições de admissibilidade. Não se pode, pois, denominá-la obrigatória nem facultativa. Não é obrigatória, porque a lei não impõe ao Juiz o dever de decretá-la; não é facultativa, porque não fica exclusivamente subordinada, condiciona, à vontade do Magistrado.

Deve assim, o magistrado analisar o caso concreto, e diante dos preceitos constitucionais e os fundamentos processuais, ver se há necessidade da aplicação desse tipo de custódia, lembrando a necessidade da razoabilidade e a proporcionalidade na decretação da prisão preventiva.

3.2 NOÇÕES GERAIS

A prisão preventiva é uma espécie de prisão processual cautelar de grande relevância no ordenamento jurídico processual. Assegura Tourinho Filho (1999, p. 468) que "As circunstâncias que a autorizam se constituem na pedra de toque de toda e qualquer prisão processual".

Neste sentindo entende Luiz Flávio Gomes (1994) que o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva, sendo que quando presentes, pode o Juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tem bons antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado da decisão.

Renato de Lima Brasileiro (2012, p. 1311) descreve sabiamente a prisão preventiva da seguinte forma:

Cuida-se de espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante, ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal, sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais, e ocorrerem os motivos autorizadores listados no art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequados ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319).

A respeito, Ada Pelegrini Grinover, Antônio Scarance e Antônio Magalhães Gomes Filho (2004) afirmam que a fundamentação deve contemplar explicitamente os fatos em que assenta a necessidade da adoção da medida, sendo que a mera repetição das palavras da lei ou o emprego de fórmulas vazias e sem amparo em fatos concretos não se coadunam com a gravidade e o caráter excepcional da medida.

Disciplina Marco Antônio Vilas Boas (2001, p. 325): “A palavra preventiva tem sua origem em “praeventus”, que significa antecipado (...). Essa antecipação tem por finalidade assegurar os objetivos da persecução penal”. Diante de tal conceito, é indispensável destacar que a prisão preventiva é uma espécie de prisão provisória, cuja natureza e fundamentalmente cautelar, e assim sendo, somente deverá ser utilizada quando as demais medidas cautelares demonstrarem-se inadequadas, ou seja, quando for extremamente necessária, tendo em vista não ter esta como objetivo a punição antecipada, posto que, a finalidade da prisão preventiva é assegurar o bom andamento do processo.

Assim entende o Supremo Tribunal Federal, de acordo com o HC nº 96059, relatoria do Ministro Celso de Melo:

EMENTA: HABEAS CORPUS" - CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL - SUBSISTÊNCIA, MESMO ASSIM, DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) - RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE O PROCESSO - RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, Nº 2) - ACÓRDÃO QUE ORDENA A PRISÃO DOS CONDENADOS, SEM QUALQUER MOTIVAÇÃO JUSTIFICADORA DA CONCRETA NECESSIDADE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR DOS ORA PACIENTES - AUSÊNCIA DE EFICÁCIA SUSPENSIVA DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS (RE E RESP) NÃO OBSTA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR - POSSIBILIDADE, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS MENCIONADOS NO ART. 312 DO CPP - NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA, EM CADA CASO, DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - PEDIDO DEFERIDO. A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL. (HC 96059 / RJ - RIO DE JANEIRO - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 10/02/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma.)

Desse julgado entende-se que a privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade, sendo que, para legitimar-se, deve atender aos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP, ou seja, a prova da existência do crime e presença de indícios suficientes de autoria, que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.

A prisão preventiva não pode e não deve ser utilizada pelo poder público como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

3.3 PRINCIPIOLOGIA NORTEADORA DA PRISÃO PREVENTIVA

A base principiológica é estruturante e fundamental no estudo de qualquer instituto jurídico, e especificamente nessa matéria, são os princípios que permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em julgada com a garantia da presunção de inocência.

Vejamos a seguir as características dos princípios relevantes à prisão preventiva.

3.3.1 Contraditório

O contraditório é perfeitamente possível em sede de medida cautelar, e especificadamente, de prisão preventiva. A sugestão de Aury Lopes Jr. (2011) aponta para que o detido fosse desde logo conduzido ao juiz que determinou a prisão, para que, após ouvi-lo em sede de interrogatório, decida fundamentalmente se mantém ou não a prisão cautelar.

Através desse ato simples, o contraditório realmente teria sua eficácia e, provavelmente, evitaria muitas prisões cautelares injustas e desnecessárias; ou ainda, mesmo que a prisão se efetivasse, haveria um mínimo de humanidade no tratamento dispensado ao detido, pois este teria sido ao menos ouvido pelo juiz e apresentado suas alegações, resguardando, assim, seu direito ao contraditório.

Para os operadores do direito, já imunizados pela insensibilidade, isso pode não representar muito, mas para quem está sofrendo a medida, com certeza, é um ato da maior relevância. Não sem razão, o artigo 8º da CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – CADH – que trata das garantias judiciais, determina que “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente [...]”.

O ideal seria o juiz, à luz do pedido de prisão preventiva, intimar o imputado para uma audiência urgente, onde sob a égide da oralidade se efetivaria o contraditório e o direito de defesa, na medida em que o acusador (Ministério Público) sustentaria os motivos de seu pedido e por outro lado, o réu, argumentaria sobre a falta de necessidade da medida. Isso acarretaria, visivelmente, a boa, melhor e adequada fundamentação da decisão do juiz acerca da medida cautelar, respeitando assim, ao devido processo legal.

3.3.2 Excepcionalidade

Acerca da excepcionalidade, determina o artigo 282, § 6º do CPP:

Art. 282 (...)

§ 6º. A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).

O caráter excepcional da prisão preventiva consagra tal medida como o último instrumento a ser utilizado, devendo assim ser ministrada somente em situações críticas, atentando cuidadosamente quanto a sua necessidade de aplicação, haja vista, o cárcere atentar contra a dignidade da pessoa que ali ficou, seja por um dia, um mês ou um ano, sendo suficiente apenas um minuto para que o indivíduo seja rotulado pelo resto da vida como um ex-presidiário.

Hábil ressalvar que a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência, fazendo com que a prisão preventiva seja efetivamente a ultima ratio do sistema, devendo ser reservada para os casos mais graves, tendo em vista o elevado custo que representam, não devendo assim, ser utilizada de forma desmedida pelo titular do jus puniendi. O grande problema gira em torno da massificação das cautelares, e em especial a preventiva, levando, assim, a crise e degeneração da prisão cautelar pelo mau uso. (FERRAJOLI, 2006).

No Brasil, ocorre que, as prisões preventivas são excessivamente banalizadas, a ponto de primeiro se prender o indivíduo, para só então depois procurar o suporte probatório que legitime a medida. Ademais, segundo Lopes Jr. (2011), ver-se está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos, pois prende-se para investigar, quando na verdade, primeiro deveria investigar, demonstrar o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, para só então prender, se assim demando o caso.

Nessa linha de raciocínio, valiosa é a lição de Carnelutti (1950, p. 75):

[...] a prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heróicos que deve ser ministrado pelo médico com suma prudência, porque pode curar o enfermo, mas também pode ocasionar-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia, e sobretudo com a anestesia geral, a qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ah se este abusa dela!

Infelizmente, o que ocorre no Brasil é que as prisões cautelares, sobretudo a prisão preventiva, acabaram sendo inseridas dentro da dinâmica da urgência, desempenhando uma função cujo efeito consiste em sedar a opinião pública através da ilusão de uma justiça instantânea. Sendo assim, a prisão preventiva imediata acaba sendo utilizada para construir uma falsa noção de eficiência do aparelho repressor estatal e da própria justiça. Com isso, acaba-se por sepultar a legitimidade de uma prisão preventiva, pois, o que fora concebido para ser excepcional, torna-se um instrumento de uso comum e ordinário.

3.3.3 Proporcionalidade

Trata-se do princípio mais relevante, demonstrando-se como o principal sustentáculo das prisões cautelares. Para Martinez (1996), as medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do difícil equilíbrio entre dois interesses, aparentemente opostos, sobre os quais gira o processo penal: o respeito ao direito à liberdade e a eficácia na repressão dos delitos.

No caso concreto, o princípio da proporcionalidade irá nortear a conduta do juiz, o qual deverá ponderar a respeito da gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem perder de vista a densidade do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, isto é, deverá o juiz valorar se esses elementos justificam a gravidade das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o acusado. Deve-se enfatizar e frisar que jamais, sob hipótese alguma, uma medida cautelar poderá se converter em uma pena antecipada, sob pena de flagrante violação à presunção de inocência. (Lopes Jr., 2011).

Ainda que tenham origens diferentes, a razoabilidade e a proporcionalidade guardam em si uma relação de fungibilidade, conforme ensina Souza de Oliveira (2007), para quem o princípio pode ser classificado em razoabilidade interna e externa, sendo que a primeira diz respeito à lógica do ato em si mesmo, enquanto a segunda exige consonância com a Constituição. O ilustre autor divide, ainda, em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade, aos quais passaremos a explicar.

Por adequação entende-se que a medida cautelar deve ser apta aos seus motivos e fins, isto é, se qualquer daquelas medidas dispostas no rol do artigo 319 do CPP se mostrar apta, suficiente e menos gravosa para o imputado, deve-se utiliza-la, reservando, assim, a prisão para os casos graves, como ultima ratio do sistema.

Nesta linha, recordamos ao disposto no artigo 282, II, do CPP:

Art. 282 (...)

(...)

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Desse modo, deve o juiz atentar para a necessidade do caso concreto, ponderando entre a gravidade do crime e suas circunstâncias, bem como a situação pessoal do imputado, em consonância com as diversas medidas cautelares, assim, deverá optar por aquela que melhor acautele a situação, reservando a prisão preventiva, sempre, para situações extremas.

Nesse sentido, Badaró (2007) sintetiza que deverá haver uma proporcionalidade entre a medida cautelar e a pena a ser aplicada. Dessa forma, o juiz também deverá verificar a probabilidade de que ao final tenha que executar uma pena privativa de liberdade. Se a prisão preventiva, for mais gravosa que a pena que se espera ser ao final imposta, não será dotada de caráter de instrumentalidade e acessoriedade inerentes à tutela cautelar. Mesmo no que diz respeito à provisoriedade, não se pode admitir que a medida provisória fosse mais severa que a medida definitiva que a irá substituir e que ela deve preservar.

O segundo subprincípio trata da necessidade. Entende-se que a medida não deve exceder o imprescritível para a realização do resultado que almeja.

O terceiro subprincípio trata da proporcionalidade em sentido estrito, o qual significa o sopesamento dos bens em jogo, cabendo ao juiz fazer a lógica da ponderação, de um lado, o imenso custo de submeter alguém que é presumidamente inocente a uma pena de prisão, sem processo e sem sentença, e do outro lado, a necessidade da prisão e os elementos probatórios existentes.

Contudo, deve-se considerar imprescritível incidência do princípio da proporcionalidade, sempre aliado à dignidade da pessoa humana, quando da aplicação da prisão preventiva.

3.4 PRESSUPOSTOS

Incialmente cabe revelar que, como toda e qualquer medida cautelar, a prisão preventiva também está condicionada à presença concomitante do fumus boni iuris, aqui utilizaremos a denominação fumus comissi delicti, e do periculum in mora, aqui denominado periculum libertatis, os quais serão apresentados minuciosamente nos tópicos a seguir.

Rogério Lauria Tucci (2004) explica que pressuposto, numa visão extrínseca do ato, diz respeito à sua própria conformação. Trata-se de um requisito, por sua vez intrinsecamente considerado, consubstancia-se num elemento concernente à estrutura deste. Sem o pressuposto, o ato não tem como ser concretizado, ou seja, sem o requisito o é, porém irregularmente.

Ferrajoli (2006) destaca que os pressupostos são os limites normativos além dos quais não se pode exercitar o poder cautelar (crimes sujeitos à prisão, exigência de fumus comissi delicti e utilidade da cautela), enquanto as condições – ou exigências (requisitos) cautelares – são as situações singulares que devem ser salvaguardadas pelo poder coercitivo (perigo de destruição ou de dispersão da prova, perigo de fuga e perigo de reiteração criminosa). Sem embargo dessa diferenciação terminológica, a falta de qualquer dos pressupostos ou requisitos elencados no art. 312 do CPP torna inválida e ilegal a prisão cautelar.

Renato de Lima (2012), irá nos apresentar os pressupostos necessários para a decretação da prisão preventiva a partir do novo entendimento sedimentado pela Lei nº 12.403/2011. O autor nos ensina que além da demonstração do fumus comissi delicti, consubstanciado pela prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou de participação, e do periculum libertatis (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou da garantia de aplicação da lei penal), também passa a ser necessária a demonstração da ineficácia ou da impossibilidade de aplicação de qualquer das medidas cautelares diversas da prisão.

Acompanhando esse raciocínio, o. 282, § 6º, do CPP, estabelece que a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar.

Desta feita, o art. 282, § 6º, do CPP, nos remete ao art. 319 do Capítulo V do Código que trata sobre outros tipos de medidas cautelares diversa da prisão, de acordo com a nova redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011. Leia-se:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

Seguindo essa linha de pensamento, nos remetemos ao art. 310, inc. II, do CPP, qual autoriza a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria). Vejamos:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou.

Lima (2012, p. 1319) evidencia seu pensamento de que são preferíveis àquelas medidas cautelares diversas da prisão preventiva: “Pode-se dizer, então, que o novo sistema de medidas cautelares diversas da prisão são preferíveis em relação à prisão preventiva, dentro da ótica de que sempre se deve privilegiar os meios menos gravosos e restritivos de direitos fundamentais”.

A fim de sedimentar seu raciocínio, o autor fala sobre a característica da preferibilidade das medidas cautelares diversas da prisão, da qual decorre a consequência de que, diante da necessidade da tutela cautelar, a primeira opção deverá ser sempre uma das medidas previstas nos artigos 319 e 320 do CPP. Por outro lado, como reverso da moeda, a prisão preventiva passa a funcionar como a extrema ratio, somente podendo ser determinada quando todas as outras medidas alternativas se mostrarem inadequadas.

Dessa forma, o magistrado só poderá decretar a prisão preventiva quando não existirem outras medidas menos invasivas ao direito de liberdade do acusado por meio das quais também seja possível alcançar os mesmos resultados desejados pela prisão cautelar.

3.4.1 Fumus Comissi Delicti

O fumus comissi delicti, indispensável para a decretação da prisão preventiva vem disposto na parte final do art. 312 do CPP: prova de existência do crime e indicio suficiente de autoria. Sendo assim, o juiz, ao analisar o caso concreto, deve obrigatoriamente observar se a conduta supostamente praticada pelo agente é típica, ilícita e culpável, apontando as provas em que apoia a sua convicção.

Há dois pilares de sustentação para a decretação da prisão preventiva, sendo que o primeiro diz respeito à necessidade de se comprovar a materialidade do delito, visando a garantia de que existam indícios suficientes que comprovam a autoria, ou seja, há comprovação de ser o acusado o autor do delito, tratando-se assim, de provas que convençam o juiz acerca da prática do crime e a necessidade da aplicação da medida cautelar.

Quanto à materialidade delitiva, é necessário que haja prova, isto é, certeza de que o fato existiu, sendo, neste ponto, uma exceção ao regime normal das medidas cautelares, na medida em que, para a caracterização do fumus comissi delicti, há determinados fatos sobre os quais o juiz deve ter certeza, não bastando a mera probabilidade.

No tocante a este primeiro ponto, qual seja, à materialidade, o entendimento extrai-se do artigo 312 do CPP, como denota a expressão ali empregada: “prova da existência do crime”, ou seja, exige-se um juízo de certeza quando da decretação da prisão preventiva. Insta ressaltar que no caso de crimes que deixam vestígios, não há falar em indispensabilidade do exame de corpo de delito para a decretação da prisão preventiva. Na verdade, como é cediço, o laudo pericial pode ser juntado durante o curso do processo, salvo nas hipóteses de drogas (laudo de constatação da natureza da droga – art. 50, §1º, da Lei nº 11.343/2006) e nos crimes contra a propriedade imaterial (art. 525, CPP,), em que o exame de corpo de delito assume condição de verdadeira condição específica de procedibilidade.

Em relação ao segundo ponto, no que diz respeito à autoria, o Código exige a presença de indício suficiente de autoria. Desse modo, a palavra “indício” aqui não deve ser lida no sentido de prova indireta, tal qual preceitua o art. 239 do CPP: “indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”, mas sim como uma prova semiplena, ou seja, aquela com menor valor persuasivo.

O indício é constituído por um fato demonstrado que autoriza a indução sobre outro fato ou, pelo menos constitui um elemento de menor valor; é exatamente neste sentido que a palavra “indício” é usada no art. 312 do CPP, da mesma forma que ocorre no art. 126: “Para a decretação do sequestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens” e no art. 413 do CPP: “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”. Como sublinha Gomes Filho (2013), indício suficiente é aquele que autoriza um prognóstico de um julgamento positivo sobre a autoria ou a participação.

Nesta linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, no HC nº 83.179/PE, da Relatoria da Min. Sepúlveda Pertence, concluiu que, para a decretação da prisão preventiva, faz-se necessário a verificação de indícios de autoria, locução no qualindício” não tem o sentido específico de prova indireta – e eventualmente conclusivo – que lhe dá a lei (CPP, art. 239), mas sim, o de indicação, começo de prova incompleta:

Ementa: I. Prisão preventiva: "indício de autoria": inteligência. O habeas corpus contra a prisão preventiva não comporta em linha de princípio, sopesamento do valor probante de elementos informativos contrapostos, mas a verificação da existência, contra o réu ou o indiciado, de "indício de autoria", locução na qual "indício" não tem o sentido específico de prova indireta - e eventualmente conclusivo - que lhe dá a lei (C.Pr.Pen., art. 239), mas, sim, apenas, o de indicação, começo de prova ou prova incompleta: existente um indício, só a contraprova inequívoca ou a própria e gritante inidoneidade dele podem elidir a legitimidade da prisão preventiva que nele se funda. II. Prisão preventiva: fundamentação cautelar necessária. Medida cautelar, a prisão preventiva só se admite na medida em que necessária para resguardar a lisura da instrução do processo, a aplicação da lei penal, na eventualidade da condenação e, em termos, a ordem pública; e a aferição, em cada caso, da necessidade da prisão preventiva há de partir de fatos concretos, não de temores ou suposições abstratas. Inidoneidade, no caso, da motivação da necessidade da prisão preventiva, que, despida de qualquer base empírica e concreta, busca amparar-se em juízos subjetivos de valor acerca do poder de intimidação de um dos acusados e menções difusas a antecedentes de violência, que nenhum deles se identifica. (STF - RHC: 83179 PE , Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 01/07/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 22-08-2003 PP-00022 EMENT VOL-02120-35 PP-07299).

Conclui-se que no tocante à autoria delitiva, não se exige que o juiz tenha certeza desta, bastando que haja elementos probatórios que permitam afirmar a existência de indício suficiente, isto é, probabilidade de autoria, no momento da decisão, sendo a expressão “indício” utilizada no sentido de prova semiplena.

3.4.2 Periculum Libertatis

O periculum libertatis trata-se de um pressuposto indispensável à segregação preventiva, encontrando-se consubstanciado em um dos fundamentos do art. 312 do CPP, quais sejam: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, garantia de aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. Ressalta-se que por força da nova redação da Lei nº 12.403, de 2011, acrescentou-se novo parágrafo único ao art. 312 do CPP, no qual, a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (CPP, art. 282, § 4º).

Vale lembrar que para a decretação da prisão preventiva, não é necessária a presença concomitante de todos estes fundamentos, bastando apenas a presença de um único destes.

Cabe, inicialmente, ao magistrado verificar o tipo penal cuja pratica é atribuída ao agente, observando, a partir do art. 313 do CPP, se o crime em questão admite a decretação da prisão preventiva. Num segundo momento, incumbe ao magistrado analisar se há elementos que apontem no sentido da presença simultânea de prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti). O último passo é aferir a presença do periculum libertatis, compreendido como o perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade acarreta para a investigação criminal, para o processo penal, para a efetividade do direito penal ou para a segurança.

Dito isto, passaremos a abordar os pontos específicos caracterizadores do periculum libertatis.

3.4.2.1 Garantia da Ordem Pública

A expressão “garantia da ordem pública” é a forma mais abrangente e indefinida no que tange a requisito de prisão preventiva, considerando na íntegra sua denominação, teria como o objeto “proteger” a sociedade que foi abalada pela prática de um delito.

Neste norte a medida preventiva por fundamento de garantir a ordem pública, teria por finalidade à proteção da sociedade, assegurado a essa a estabilidade social, esquecendo assim o cunho maior que é o processo.

Eugênio Pacelli de Oliveira (2005) ministra que a tutela da ordem pública e da ordem econômica não implica a proteção do processo no curso do qual teria sido decretada, ainda que fundada em fatos que sejam o seu conteúdo e objeto. Percebe-se, desse modo, que a prisão para a garantia de ordem publica não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no pressuposto de que crimes que causasse intranquilidade social.

Todavia não se deve desconsiderar o principal objetivo da prisão preventiva, que é o bom andamento a instrução processual, sendo a proteção do meio social acessória a este.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu que “a repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva” (RT 549/417 STF). Decidindo, ainda, da mesma forma, no HC nº 99380/MG:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DO CRIME. FUNDAMENTO INIDÔNEO. ADITAMENTO DE FUNDAMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. EXCEÇÃO À SÚMULA N. 691-STF. 1. Homicídio consumado e tentado. Gravidade do crime como fundamento da prisão cautelar. Inidoneidade. Precedentes. 2. Não é dado às instâncias subsequentes aditar, retificar ou suprir decisões judiciais. Invalidade da afirmação, pelas instâncias precedentes, de que a prisão cautelar encontraria justificativa na gravidade do crime aferida pelo modus operandi. Habeas corpus deferido. (HC 99380 / MG - MINAS GERAIS Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 01/06/2010).

Também decidiu o STJ que “a gravidade do delito mesmo quando praticado crime hediondo, se considerada de modo genérico e abstratamente, sem que haja correlação com a fundamentação fático-objetiva, não justifica a prisão cautelar” (Boletim Informativo nº 213 STJ).

Ademais, nota-se nas decretações de prisões preventivas sob a justificativa de garantia da ordem pública, a utilização genérica e de modo abstrato de justificação aplicação da medida cautelar, que gera uma enorme insegurança jurídica.

Parte da doutrina assevera que ao decretar a prisão preventiva como garantia da ordem publica distancia da sua finalidade processual como medida cautelar, ou seja, a de tutelar o bom andamento processual.

Cumpre fixar que a repercussão do delito através da divulgação nos meios de comunicação, não é justificativa para a aplicação da medida cautelar.

Segundo Tourinho Filho (2013) se o indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações penais, sem que se consiga surpreendê-lo em estado de flagrância, ou se estiver fazendo apologia de crime, ou incitando ao crime, ou se reunindo em quadrilha ou bando, haverá perturbação da ordem pública. Contudo, o autor alerta que há juízes que, contagiados pelo sensacionalismo da imprensa que induz o povo a uma frenética indignação, emprestam-lhe maior extensão, para abranger, inclusive, crimes que, embora não perturbem a ordem pública, são alvos de constante e implacável noticiário.

Após toda essa explanação, vê-se claramente que a expressão “garantia da ordem pública” é muito vaga e abrangente, gerando, inclusive, grandes controvérsias na doutrina e na jurisprudência acerca do seu real significado. Sendo assim, urge delimitar seu significado.

Acerca do conceito e da possibilidade de se decretar a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, Lima (2012) irá nos apresentar as três correntes existentes na doutrina e na jurisprudência:

Para a primeira corrente, minoritária, a prisão preventiva decretada com fundamento na garantia da ordem pública não é dotada de fundamentação cautelar, figurando como inequívoca modalidade de cumprimento antecipado de pena. Para os adeptos dessa corrente, as medidas cautelares de natureza pessoal só podem ser aplicadas para garantir a realização do processo ou de seus efeitos e nunca para proteger outros interesses, como o de evitar a prática de novas infrações penais.

Para uma segunda corrente, de caráter restritivo, que empresta natureza cautelar à prisão preventiva decretada com base na garantia da ordem pública, entende-se a garantia da ordem pública como risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso permaneça em liberdade, seja porque se trata de pessoa propensa à prática delituosa, seja porque, se solto, teria os mesmos estímulos relacionados com o delito cometido, inclusive com a possibilidade de voltar ao convívio com parceiros do crime.

Essa segunda corrente, majoritária, sempre prevaleceu no entendimento dos Tribunais Superiores, a qual sustenta que a prisão preventiva poderá ser decretada com o objetivo de resguardar a sociedade da reiteração de crimes em virtude da periculosidade do agente. De acordo com essa corrente, a prisão preventiva poderá ser decretada com fundamento na garantia da ordem pública sempre que dados concretos demonstrarem que, se o agente permanecer solto, voltará a delinquir. Ressalta-se que não será possível a decretação da prisão preventiva em virtude da repercussão da infração ou do clamor social provocado pelo crime, isoladamente considerados.

Por fim, para a terceira corrente, com caráter ampliativo, a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública pode ser decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinquir, e também nos casos em que o cárcere for necessário para acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça em crimes que provoquem clamor público.

Entre os adeptos dessa terceira corrente, encontra-se Fernando Capez (2009, p. 279), o qual assevera que:

[...] a brutalidade do delito provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, de tal forma que, havendo fumus boni iuris, não convém aguarda-se ate o transito em julgado para só então prender o individuo.

Os crimes que ganham repercussão na mídia acabam por formar na mentalidade das pessoas um sentimento de compaixão mútua para com o caso, sensibilizando as pessoas a exigirem uma resposta frontal e coercitiva da justiça. A isso chamamos de clamor público, ficando evidenciado quando ocorre um crime que choca a opinião pública devido à massificação das informações pela imprensa. De alguma forma irá provocar um abalo à credibilidade da justiça e do sistema penal, devido ao clamor público, sendo assim, a prisão preventiva acaba por ser uma necessidade para a garantia de ordem pública, pois a população aguarda uma providência do judiciário como resposta ao crime. Caso a prisão não seja decretada, o recado que se passa à sociedade poderá ser o de que a lei penal é falha ou vacilante.

A última observação que se faz é que independentemente da corrente que se queira adotar, comprovada a periculosidade do agente com base em dados concretos, ou na eventualidade da presença de outra hipótese que autorize a prisão preventiva (garantia da ordem econômica, garantia de aplicação da lei penal ou conveniência da instrução criminal), condições pessoais favoráveis como bons antecedentes, primariedade, profissão definida e residência fixa não impedem a decretação de sua prisão preventiva.

3.4.2.2 Garantia da Ordem Econômica

A denominada Lei Anti-truste, Lei n.º 8.884 de 11 de junho de 1994 – revogada pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 – no seu art. 86, acresceu “ordem econômica".

Assim, constituiu-se mais uma hipótese vaga de fundamento a decretação da prisão preventiva, sendo que a garantia da ordem pública já envolvia a garantia da ordem econômica, não se relevando a acrescimento de uma referência expressa a esta última.

A garantia da ordem econômica enfatiza a amplitude também a ordem pública, considerando que ambos os pressupostos estão correlacionados pela finalidade, os tornando repetitivos.

Em suma, esse requisito visa responder a sociedade diante de abalos econômicos e financeiros cometidos por um determinado agente, seriam no Brasil conhecidos crimes de colarinho branco, a prisão preventiva por tal requisito seria a forma de demonstrar a repercussão a cerca do crime contra a ordem econômica com intuito de garantir a segurança social.

Tais fundamentos que justificam a prisão preventiva por garantia da ordem econômica são amplos e subjetivos, tendo em vista que estes não visam assegurar o andamento da instrução processual, e sim atender a vontade social.

3.4.2.3 Garantia de Aplicação da Lei Penal

Configura a fundamentação da prisão preventiva como garantia de aplicação lei penal aquela que visa punir o autor da infração que visa perturbar o processo, aquele que se eximi de colaborar com a justiça. A prisão preventiva com base na garantia de aplicação da lei penal deve ser decretada quando o agente demonstrar que pretende fugir do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena.

Cabe alertar que para a autorização da prisão preventiva não se pode simplesmente presumir a fuga do agente por meras ilações ou conjecturas desprovidas de base empírica concreta, sob pena de evidente violação ao principio da presunção de inocência. Dessa forma, o juiz só estará autorizado a decretar a preventiva com base em elementos concretos, que confirmem de maneira induvidosa a pretensão do agente em se subtrair da ação da justiça, ou seja, a medida cautelar só pode ser decretada se provado que a intenção por parte do agente de frustrar a instrução, não justificando a prisão preventiva do acusado por mera desconfiança.

Os tribunais têm analisado essa intenção do agente de se subtrair à aplicação da penal com certa prudência. Sendo assim, uma ausência momentânea, seja para evitar uma prisão em flagrante ou para evitar uma prisão decretada arbitrariamente, não caracteriza a hipótese de garantia de aplicação da lei penal. Além disso, não pode justificar uma ordem de prisão a fuga posterior à sua decretação, cuja validade se contesta em juízo: do contrario, seria impor ao acusado, para questioná-la, o ônus de submeter-se à prisão processual que entender ser ilegal ou abusiva.

Nesse sentido, extrai-se a ementa do Habeas Corpus nº 80.269 – SP da 5ª Turma do STJ:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES.PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. ILEGALIDADE. 1. Sendo a prisão cautelar uma medida extrema e excepcional, que implica em sacrifício à liberdade individual, a sua necessidade deve estar claramente demonstrada para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, como dispõe o art. 312 do Código de Processo Penal. 2. Ainda que o crime seja classificado como hediondo, a simples alegação dessa natureza não é, de per si, justificadora do deferimento do decreto de segregação cautelar, devendo, também, a autoridade judicial demonstrar com dados concretos dos autos, a imperiosidade da medida. 3. O decreto de prisão carente de fundamentação legal, não se torna legitimado com a posterior fuga do Paciente, uma vez que o acusado não deve suportar o ônus de se recolher à prisão para impugnar a medida constritiva manifestamente ilegal. 4. Precedentes desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem concedida para revogar o decreto judicial de prisão preventiva expedido em desfavor do Paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão cautelar devidamente fundamentada. (STJ , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 04/10/2007, T5 - QUINTA TURMA).

Seguindo, ainda, essa linha de pensamento, o STJ já concluiu que a fuga do distrito da culpa, diante de decreto prisional marcado pela carência de fundamentação, não corporifica, por si só, o risco para aplicação da lei penal, mas, antes, exercício regular do direito. Esse é o Habeas Corpus nº 91.083 – BA da 6ª Turma do STJ:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO. 1. Na decretação da prisão preventiva, a ausência de enunciação de fatos concretos, indicadores dos fundamentos de cautelaridade previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelam constrangimento ilegal. 2. A fuga do distrito da culpa, diante de decreto prisional marcado pela carência de fundamentação, não corporifica, por si só, o risco para aplicação da lei penal, mas, antes, exercício regular de direito: legítima oposição ao arbítrio estatal. 3. Ordem concedida. (STJ, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 21/02/2008, T6 - SEXTA TURMA).

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também já teve a oportunidade de asseverar que a mera evasão do distrito da culpa não basta, por si só, para justificar a decretação ou manutenção da medida excepcional de privação da liberdade do réu. Assim, extrai-se a ementa do HABEAS CORPUS Nº 85.501/GO da 2ª Turma do STF:

"HABEAS CORPUS" - CRIME HEDIONDO - PRISÃO PREVENTIVA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA IDÔNEA - INVOCAÇÃO DE CLAMOR PÚBLICO - INADMISSIBILIDADE - FUGA DO RÉU - FUNDAMENTO INSUFICIENTE QUE, POR SI SÓ, NÃO AUTORIZA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR - CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO - PEDIDO DEFERIDO. A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA EXCEPCIONAL . (STF - HC: 89501 GO , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 11/12/2006, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 16-03-2007 PP-00043 EMENT VOL-02268-03 PP-00530).

No mesmo sentido, o importante é deixar claro que pode sim, por determinação constitucional, estar o Réu foragido da imposição de uma pena por um crime que ele não cometeu e/ou por considerar a custódia injusta, não podendo ser prejudicado por isso. É o que reza o Informativo nº 509 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

É da jurisprudência dessa Corte que a fuga, por si só, não constitui motivação idônea para a decretação da prisão preventiva, sendo necessária a análise, caso a caso, para chegar-se à conclusão de que o paciente pretende subtrair-se ao cumprimento de eventual condenação ou foge para não se submeter a uma custódia que se considera injusta [...].

Nesse sentido, se é verdade, então, que a simples fuga para se evitar a prisão em flagrante ou impugnar decisão constritiva tida por ilegal não autorizam, por si só, a decretação da prisão preventiva, também é verdade que, demonstrada inequívoca intenção do agente de se furtar à aplicação da lei penal, em situações em que comprovada sua fuga em momento anterior à expedição de decreto prisional, haverá causa idônea a justificar sua segregação cautelar com base na garantia da aplicação da lei penal.

É válido lembrar que, com a entrada da Lei nº 12.403/2011, a decretação da prisão preventiva somente será possível quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, ou seja, a prisão preventiva está condicionada à inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão para assegurar a garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.

No tocante à prisão preventiva para garantia da aplicação da lei penal vale lembrar que, dentre a medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP está a proibição de o acusado ausentar-se da comarca quando sua permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução, sendo que, por força do art. 320 do CPP, a proibição de ausentar-se do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 horas.

Desse modo, se o magistrado verificar que a medida cautelar é suficiente para a garantia da aplicação da lei penal, tornar-se-á desnecessária a determinação da medida extrema da prisão preventiva.

3.4.2.4 Conveniência da Instrução Criminal

Esse requisito garante a proteção da instrução penal, todavia assegura que as provas e as testemunhas sejam resguardadas, com o objetivo de se conseguir a verdade real dos fatos, portanto a medida cautelar preventiva teria por finalidade impedir com que o réu fosse uma ameaça a instrução criminal.

Para Fernando Capez (2004) a prisão por conveniência da instrução criminal visa impedir que o agente perturbe ou impeça a produção de provas, ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime, destruindo documentos etc. Evidente aqui o periculum in mora, pois não se chegará à verdade real se o réu permanecer solto até o final do processo.

Neste sentido assevera Eugenio Pacelli de Oliveira (2004) que por conveniência da instrução criminal há de entender-se a prisão decretada em razão de perturbação ao regular andamento do processo, o que ocorrerá, por exemplo, quando o agente estiver intimidando testemunhas, peritos ou o próprio ofendido, ou ainda provocando qualquer incidente do qual resulte prejuízo manifesto para a instrução criminal. O autor ressalva que é evidentemente, não estar se referindo à eventual atuação do acusado e de seu defensor, cujo objetivo seja a da instrução, o que pode ser feito nos limites da própria lei.

3.5 HIPÓTESES DE ADMISSIBILIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA

Passaremos a abordar aqui, de forma genérica, o rol de hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva, para então, no capítulo posterior, nos ater de forma mais precisa ao inciso III, do artigo 313, que trata especificadamente a respeito da decretação da preventiva em relação aos crimes que envolvem violência doméstica.

O artigo 313 irá nos apresentar um rol taxativo:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

O caput do artigo nos apresenta os requisitos para que seja decretada a prisão preventiva, bem como, os limites de sua incidência, para tanto, deve-se estar presentes os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, isto é, materialidade e indícios de autoria, aliados à garantia da ordem pública, econômica, de aplicação da lei penal ou à da instrução criminal.

Verifica-se que nas hipóteses dos incisos I, II e III, a prisão preventiva é cabível apenas em relação a crimes dolosos. De fato, tanto o inciso I quanto o II, fazem menção expressa a pratica de crimes dolosos, porém, quanto ao inciso III, pode-se pensar, à primeira vista, seria cabível tanto em relação a crimes dolosos quanto culposos, já que o referido inciso não estabelece qualquer distinção, referindo-se apenas a pratica de um crime.

Todavia, uma leitura mais atenta (que faremos no capítulo seguinte) nos instiga a raciocinar que se o inc. III do art. 313 pressupõe a pratica envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher e afins, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência que o agente voluntariamente deixou de cumprir, é evidente que o referido crime só poderia ter sido praticado com dolo. Afinal, fica evidenciada a consciência e a vontade do agente de atingir tanto a vítima, como a de violar as medidas protetivas impostas, o que não resta caracterizado nas hipóteses de crimes culposos.

Já na hipótese do paragrafo único, a Lei nada disse em relação à natureza do crime. Portanto, a prisão preventiva poderá ser decretada quando for necessária para dirimir qualquer dúvida em relação à identidade civil da pessoa, ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, dessa forma, conclui-se que a prisão poderá ser decretada tanto em relação a crimes dolosos como culposos, pouco importando o quantum de pena cominado ao delito. (PRADO, 2005).

Por fim, ressalta-se que, na hipótese de admissibilidade da decretação da prisão preventiva, devido não preenchidos os requisitos do art. 313 do CPP, nada impede a decretação de medida cautelar diversa da prisão, desde que à infração penal seja cominada pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente, conforme dispõe o art. 283, § 1º, do CPP.

4 DA PRISÃO PREVENTIVA NA LEI MARIA DA PENHA

4.1 DA PERMISSIBILIDADE DA PREVENTIVA NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Inicialmente cabe fazermos uma apresentação do artigo 313 do CPP, à luz da recente Lei nº 12.403/2011. Sendo assim, temos:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

De acordo com o revogado inc. IV do artigo 313 do CPP admitia-se a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos, caso envolvesse violência doméstica e familiar contra a mulher, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Esse inciso IV fora acrescentado ao CPP pelo art. 42 da Lei nº 11.340/06, que também prevê em seu art. 20 prevê a decretação da prisão preventiva, de oficio, pelo juiz:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

O artigo 20 não apresenta nenhuma novidade, já que este dispositivo nada mais faz do que reproduzir a norma constante do artigo 311 do CPP. O artigo 20 e 42 da Lei nº 11.340/06 possibilitam a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do MP ou mediante representação da autoridade policial, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal para garantir a aplicação das medidas protetivas à vítima. No entender de Stela Cavalcanti (2012), esta norma dispôs sobre o requisito de crime que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher e sobre o pressuposto de garantia da execução das medidas protetivas de urgência.

Apesar do silêncio desse artigo 20, o revogado inc. IV do artigo 313 do CPP, inserido pela Lei Maria da Penha, estava subordinado à redação anterior do caput do art. 313, onde constava previsão expressa de admissão de prisão preventiva apenas em crimes dolosos, sendo assim, não se admitia a decretação da prisão preventiva em relação a crimes culposos e contravenções penais.

Com a entrada em vigor da Lei nº 12.340/2011, o inc. IV do art. 313 do CPP foi revogado, porém a prisão preventiva continua sendo cabível em tal hipótese, já que o conteúdo do revogado inc. IV foi transportado para o inc. III, com o acréscimo de outras possíveis vítimas de violência doméstica e familiar. Como a criança, adolescente, idoso, enfermo ou a pessoa com deficiência.

Podemos perceber que por força da nova redação do inc. III, será admitida a decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312, “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.

Quanto ao inc. IV, do art. 313 do CPP, à primeira vista, pode-se pensar que a prisão preventiva seria cabível tanto em relação a crimes dolosos quanto em face de crimes culposos, já que o inc. III do art. 313, não se estabelecendo, assim, qualquer distinção, referindo-se apenas a pratica de crime. Não obstante, se o inc. III do art. 313 pressupõe a prática de crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, é evidente que referido crime só pode ter sido praticado dolosamente. Afinal, deve ficar evidenciada a consciência e a vontade do agente de atingir uma das vítimas vulneráveis ali enumeradas, assim como sua intenção dolosa de violar as medidas protetivas de urgência, o que não resta caracterizado nas hipóteses de crimes culposos.

Como a redação do inc. III do art. 313 não faz distinção quanto à natureza da pena do crime doloso, a interpretação que se faz é que, independentemente do crime ser punido com reclusão ou detenção, a prisão preventiva deve ser adotada como medida de ultima ratio no sentido de compelir o agente à observância das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, mas desde que presente um dos fundamentos que autorizam a prisão preventiva, dispostos no artigo 312 do CPP.

As medidas protetivas de urgência, abordada pelo autor, estão disposta no art. 22 da Lei Maria da Penha, podendo ser aplicadas em conjunto ou separadamente:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Cabe alertar aqui sobre a dificuldade da leitura isolada do inc. III do art. 313 do CPP, pois, pode nos levar a conclusão de que o descumprimento das medidas protetivas de urgência, pode dar ensejo à decretação da prisão preventiva do acusado, dessa feita, não seria necessário que se demonstrasse a presença dos pressupostos já explicados anteriormente.

A leitura que se deve fazer em relação ao inc. III, é a de que este precisa ser lido em conjunto com o teor do caput do art. 313 do CPP, que expressamente faz menção aos termos do art. 312 do Código. Isso significa dizer que, mesmo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, a decretação da prisão preventiva também está condicionada à demonstração da necessidade da imposição da custódia para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Essa mesma linha de raciocínio já vinha sendo desenvolvida pelo STJ mesmo antes do advento da Lei nº 11.340/2006, para as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher:

HABEAS CORPUS . LESÃO CORPORAL E AMEAÇA. CRIMES ABRANGIDOS PELA LEI Nº 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). PRISÃO PREVENTIVA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. FUNDAMENTO INSUFICIENTE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS QUE AUTORIZAM A CUSTÓDIA CAUTELAR. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. Muito embora o art. 313, IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006, admita a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência, a adoção dessa providência é condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos no art. 312 daquele diploma.

2. É imprescindível que se demonstre, com explícita e concreta fundamentação, a necessidade da imposição da custódia para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, sem o que não se mostra razoável a privação da liberdade, ainda que haja descumprimento de medida protetiva de urgência, notadamente em se tratando de delitos punidos com pena de detenção.

3. Ordem concedida. (HC 100.512/MT, Relator Ministro Paulo Gallotti, DJe de 23.06.2008.)

Outro ponto relevante, que merece a nossa devida atenção, diz respeito à compatibilidade da decretação da prisão preventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência com o princípio constitucional que autoriza a prisão civil apenas para as hipóteses da dívida de alimentos ou depositário infiel, esculpida no art. 5º, inc. LXVII. A inquietação aqui é levantada pelo autor, Renato Brasileiro (2012, p. 1347):

Explica-se: como várias das medidas protetivas de urgência possuem caráter civil, ao se decretar a prisão preventiva do agressor como forma de garantir sua execução, estar-se-ia criando uma nova hipótese de prisão civil, o que não seria permitido pela Constituição Federal.

Nesse sentido, Cunha e Pinto (2007, p. 82) observam que caso o desrespeito a uma medida protetiva de urgência venha acompanhado da prática de algum crime, como por exemplo, tentativa de homicídio, incêndio ou ameaça, ainda se pode cogitar decretação da prisão preventiva. Agora, quando analisado individualmente, isto é, quando seja apenas essa a conduta imputada ao agente, como, por exemplo, o desrespeito ao limite de aproximação da vítima fixado pelo juiz, parece que a medida de exceção é indevida, sob pena de configurar verdadeira inconstitucionalidade.

Os autores colocam que a prisão preventiva pressupõe, sempre, a prática de um crime. Todavia, para as hipóteses não penais de desobediência, deve o juiz lançar mão da tutela específica, expressamente, prevista no artigo 22, § 4º, da Lei 11.340/06, que se presta, exatamente, para conferir efetividade à decisão que tenha por objeto obrigação de fazer. Agora, considerar a possibilidade de decretação da preventiva ao marido que, contrariando ordem judicial, insiste em telefonar para a esposa, em conduta capaz de configurar uma contravenção, segundo o art. 65 da lei própria, afronta de uma só vez o art. 312 do CPP, que prevê a prisão preventiva apenas para crimes, bem como afronta o próprio texto constitucional, constituindo assim, uma nova modalidade de prisão civil.

Dessa forma, podemos ver que é cabível a prisão preventiva quando presentes os expostos nos artigos 312 e 313 do CPP, dentre eles, e principalmente, quando a conduta do agente configurar, além de descumprimento de uma medida protetiva, a pratica de um crime. Fora desse raciocínio, torna-se inconstitucional, a nosso ver, a medida.

4.2 DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA DURANTE A FASE PRELIMINAR DE INVESTIGAÇÕES

Incialmente, visualizaremos as diferenças entre as redações dadas pelo Código de 1941 e pela nova Lei nº 12.403/2011. Assim vejamos:

Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. (Redação dada pelo Código de Processo Penal de 1941)

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Com a nova redação do Código de Processo Penal, vislumbra-se que a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, poderá ser realizada em qualquer fase da investigação policial, bem como do processo penal:

Além dessa possibilidade, a decretação da prisão preventiva também pode ocorrer também mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente ou por representação da autoridade policial.

Com o advento da Lei nº 7.960/1989, que versa sobre a prisão temporária, pensamos que, pelo menos em relação aos delitos constantes do art. 1º, inc. III, da referida lei, bem como no tocante aos crimes hediondos e equiparados (Lei nº 8.072/1990, art. 2º, §4º), somente será possível a decretação da prisão temporária na fase preliminar de investigações, à qual não poderá se somar a prisão preventiva, pelo menos durante essa fase. Portanto, em relação a tais delitos, não se figura possível a aplicação da temporária seguida da preventiva, exclusivamente durante a fase investigatória.

Para elucidação do entendimento, faz-se necessária a leitura da redação dada pelo artigo 1º, inciso III, da Lei 7.960/89. Assim dispõe:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

Se em relação a tais delitos foi criada uma modalidade de prisão cautelar com escopo específico de tutelar as investigações, não faz sentido algum que a prisão preventiva também seja decretada na fase preliminar.

Uma vez ter sido decretada a prisão temporária pelo juízo a fim de auxiliar nas investigações, por exemplo, de um crime de hediondo, não faz sentido, ao término desse prazo, seja decretada a prisão preventiva, concedendo-se dilatação do prazo à autoridade policial para finalizar as investigações. Portanto, conclui-se que se a autoridade policial não conseguir concluir as investigações no prazo máximo previsto para a prisão temporária, o individuo deve ser posto em liberdade, sem prejuízo da continuidade da apuração do fato delituoso. No entanto, uma vez expirado o prazo da prisão temporária, e oferecida denúncia ou queixa, nada impede que o magistrado, ao receber a peça acusatória, determine a prisão preventiva do acusado, medida esta que deverá perdurar enquanto subsistir sua necessidade.

A ressalva que se faz é que isso não significa dizer que a Lei nº 7.960/1989 – que versa sobre a prisão temporária – tenha afastado a possibilidade de decretação da prisão preventiva na fase investigatória. Na verdade, subsiste a possibilidade de decretação de prisão preventiva na fase pré-processual em relação aos delitos que não autorizam a decretação da prisão temporária, desde que preenchidos os pressupostos do art. 313 do CPP e verificada sua imperiosa necessidade.

Lima (2012, p. 1314) aduz que não é obrigatória a existência de inquérito policial em andamento para a decretação da prisão preventiva, mas sim, que haja uma investigação preliminar:

Sendo o inquérito policial peça dispensável ao oferecimento da peça acusatória, desde que a justa causa necessária à deflagração do processo esteja respaldada por outros elementos de convicção (CPP, art. 39, § 5º), não é obrigatória a existência de inquérito policial em andamento para a decretação da prisão preventiva, mas sim que haja uma investigação preliminar que demonstre a imprescindibilidade da prisão preventiva do investigado para melhor apuração do fato delituoso. Assim, além do cabimento da prisão preventiva durante o curso do inquérito policial, também o será diante de outros procedimentos investigatórios, tais como comissões parlamentares de inquérito, inquéritos civis ou procedimentos investigatórios criminais presididos pelo órgão do Ministério Público.

A ultima questão que merece ser analisada aqui acerca da prisão preventiva decretada no curso das investigações, refere-se a questão da obrigatoriedade do oferecimento da peça acusatória. Parte majoritária da doutrina entende que, havendo elementos para a segregação cautelar do agente (prova de materialidade e indícios de autoria), também há para o oferecimento da peça acusatória, sendo inviável, por conseguinte, a devolução dos autos do inquérito policial à autoridade policial para realização de diligências complementares.

4.3 DA DIFÍCIL COEXISTÊNCIA ENTRE A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A PRISÃO PREVENTIVA

A presunção de inocência está consagrada no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, sendo o princípio reitor do processo penal; ademais, podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (eficácia), sendo este, fruto da evolução civilizatória, o que nos leva a crer que, se o processo penal é termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de uma Constituição, a presunção de inocência é o ponto de maior tensão entre eles.

Para Luigi Ferrajoli (2006, p. 549), trata-se de um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois o maior interesse aqui é o de resguardar, sem exceção, a proteção a todos os inocentes. Essa opção ideológica que se faz, no sentido de eleição de valores, dentro do âmbito da prisão preventiva, por exemplo, é de grande importância, haja vista, decorrer da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente é muito alto, ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro.

Aury Lopes Jr. (2011) irá nos ensinar que a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento, na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente, atuando em duas dimensões: interna e externa ao processo.

Na dimensão interna, coloca o autor que, a presunção de inocência é um dever de tratamento imposto, primeiramente, ao juiz, incumbindo que o dever de provar seja inteiramente do acusador, pois o réu é inocente, não devendo este provar nada e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição; implicando, ainda, severas restrições ao uso ou abuso da prisão cautelar.

Comunga desse entendimento, Paulo Rangel (2011) afirmando que a visão correta que se deve dar à regra constitucional do art. 5º, LVII, à luz do sistema acusatório, bem como do princípio da ampla defesa, não é do réu o dever de provar sua inocência, mas sim do Estado-administração (Ministério Público) provar a sua culpa.

Na dimensão externa, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do réu, isto é, a presunção de inocência aliada às garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade, deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático à abusiva exploração midiática tanto em torno do fato criminoso, como do próprio processo judicial. Ressalta-se que o bizarro espetáculo montado pelo julgamento da mídia deve ser coibido frontalmente pela eficácia do princípio constitucional de presunção de inocência.

4.4 DA ILEGALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA DE OFÍCIO – VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO E DA GARANTIA DA IMPARCIALIDADE DO JULGADOR

Como bem já fora dito, recordando-se apenas, a prisão preventiva pode ser decretada tanto no curso de uma investigação criminal, como do próprio processo, inclusive após sentença condenatória recorrível. Ademais, mesmo na fase recursal, poderá ser decretada a prisão preventiva, com fundamento na garantia da aplicação da lei penal.

A prisão preventiva pode, então, ser decretada por um juiz ou tribunal, mediante representação da autoridade policial ou a partir de requerimento do Ministério Público, conforme disposto no artigo 311 do CPP.

Infelizmente, a nova redação dada pela Lei nº 12.403/2011 não representou um avanço significativo, pois segue insistindo o legislador em permitir a prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz - desde que no curso da ação penal –, sem suficiente compreensão e absorção das regras inerentes ao sistema acusatório constitucional e a própria garantia da imparcialidade do juiz.

A decretação de ofício segue o caminho inverso aos ditames constitucionais, e contra o sistema processual penal acusatório, onde a polícia investiga, o Ministério Público acusa, o acusado se defende e, por fim, o juiz julga de acordo com as provas colhidas durante a instrução. (OLDONI, 2012).

Ao permitir a prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz, o Código de Processo Penal acaba por ferir e violar a Constituição Federal de 1988, negando assim, a teoria geral do direito e da divisão trifásica entre autor (Ministério Público), réu (acusado) e juiz (Estado), onde se encontra um dos mais importantes princípios constitucionais, o princípio da inércia, onde o juiz só poderá agir no processo caso seja provocado por uma das partes (autor ou réu).

Lopes Jr. (2011, p. 104) coloca que o erro aqui é duplo: “primeiro permitir a atuação de ofício (juiz ator = ranço inquisitório), [...] e, em segundo lugar, por empregar a expressão ‘no curso da ação penal’, quando, tecnicamente, o correto é ‘no curso do processo’’, pois a ação processual penal é um poder político constitucional de invocação da atividade jurisdicional, que uma vez invocada e posta em movimento, dá origem ao processo, ou seja, o que se move, na verdade, é o processo e não a ação penal.

Talvez o maior problema do ativismo judicial seja a violação da imparcialidade, uma garantia que corresponde exatamente a posição de terceiro que ocupa o Estado no processo, por meio do juiz, atuando, assim, como órgão supraordenado às partes. Mais do que isso, exige-se do juiz uma posição de imparcialidade (FERRAJOLI, 2006), ou seja, estar alheio aos interesses das partes na causa, ou, na síntese de Jacinto Coutinho (2001, p. 11) “não significa que ele está acima das partes, mas que está para além dos interesses delas”.

A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz instrutor, que detém poderes investigatórios, ou, muito pior, quando ele mesmo assume a postura inquisitória, decretando de ofício a prisão preventiva. Portanto, ao decretar a prisão preventiva de ofício, o juiz acaba por assumir uma posição incompatível com aquela exigida pelo sistema acusatório, e principalmente com aquela figura de afastamento, se resguardando para garantir a imparcialidade.

Deste modo, a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado, deve ser vista como inconstitucional, conforme avulta a decisão proferida pelo TJRS, no HC nº 70016461592, que afirma que a segregação cautelar decretada de ofício, fere frontalmente o sistema acusatório, sendo esta prática rejeitada pela Constituição Federal. Vejamos:

HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. ORDEM PÚBLICA. PRISÃO DE OFÍCIO.

1. O paciente, vereador licenciado para concorrer à candidatura de Deputado Estadual, foi condenado em primeiro grau, pelo delito de receptação. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direitos, sendo, outrossim, concedido o direito de apelar em liberdade.

2. Após ter sido instado a explicar na tribuna sobre sua condenação, manifestou indignação, alegando ser inocente. Foi-lhe decretada a prisão preventiva, com fundamento na ordem pública.

3. Além de a segregação cautelar ter ferido frontalmente o sistema acusatório, pois a decretação foi de ofício, prática rejeitada pela Constituição de 1988, foi totalmente desnecessária, tendo em vista que os pronunciamentos no âmbito da Casa Legislativa, onde o paciente é vereador, criticando instituições, não ameaçam a ordem do Estado de Direito, cuja “artificial reason” transcende aos limites da urbe localizada.

4. Além de não haver ofensa à ordem pública, não houve demonstração de nenhuma outra situação que pudesse ensejar a decretação da custódia cautelar, tal como o risco de fuga, por exemplo. Tanto é verdade que respondeu ao processo em liberdade e lhe foi concedido o direito de apelar em liberdade. (HÁBEAS-CÓRPUS Nº 70016461592. 7ª CÂMARA CRIMINAL. ITAQUI. REL. DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI. 31-08-06).

Eis as razões do Excelentíssimo Des. Nereu Giacomolli, no Habeas Corpus citado:

Após o advento da Constituição de 1988, a qual adotou o sistema acusatório, caracterizado, essencialmente, pela distinção entre as atividades de acusar e julgar; imparcialidade do juiz; contraditório e ampla defesa, motivação das decisões judiciais, livre convencimento motivado, entre tantas outras, totalmente descabida qualquer decretação ex offício. A acusação, nos termos do art. 129 do Constituição, está totalmente a cargo do Ministério Público, constituindo-se em ilegalidade a decretação de prisão de ofício.

Sendo assim, não há como considerar constitucional a decretação de ofício da prisão preventiva pelo juiz, pois possui claramente um caráter inquisitório, contrário ao sistema processual vigente e a todos os princípios constitucionais norteadores dentro de um processo penal igualitário.

4.5 ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 313, III, QUE PERMITE A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA ENVOLVENDO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Além da existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, deverá o juiz observar os limites de incidência da prisão preventiva, enumerados no artigo 313 do CPP. Pertinente analisarmos apenas o inciso III desse artigo. Vejamos:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

Esse dispositivo cria uma espécie de vulnerabilidade doméstica, em que a prisão preventiva é usada para conferir eficácia à medida protetiva aplicada. Este artigo precisa ser lido com cautela, ainda que as intenções de tutela sejam relevantes.

Em primeiro lugar, deve se colocar que o legislador não criou um novo caso de prisão preventiva, ou seja, um novo periculum libertatis, pois, para isso ocorrer, a inserção deveria ter sido feita no artigo 312, definindo claramente qual é o risco que se deseja tutelar.

O segundo aspecto a ser considerado é a péssima sistemática da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Por mais respeitável e necessária que fosse a intenção de proteger a mulher da violência doméstica, infelizmente, é uma das piores leis que se fez nesse país nas últimas décadas (pelo menos...). Misturando, absurdamente, matéria penal com questões civis, criou-se uma monstruosidade jurídica. (LOPES JR., 2011).

O autor explica que a definição de violência doméstica e familiar contra a mulher, prevista no artigo 7º da Lei, é de uma vagueza apavorante, com disposições genéricas e ambíguas, alertando ainda que, uma leitura rápida nos levaria a (errada) conclusão de que qualquer conduta que configure ameaça, calúnia, difamação ou injúria (art. 7º, V, da Lei nº 11.340) autorizam a prisão preventiva pela incidência do art. 313, III, quando o juiz determinasse, por exemplo, a proibição de contato do agressor para com a ofendida (art. 22, III, b, da Lei nº 11.340).

Infelizmente, por mais nobre que fosse a intenção do legislador em tutelar a mulher vítima da violência doméstica e familiar, a disciplina legal é péssima, estabelecendo-se obstáculos sistêmicos insuperáveis para que se cogite da possibilidade de uma prisão preventiva só com base nesse inciso.

Ao final, pensamos que – e nesse sentido compartilhamos do entendimento do autor – quando muito, estando presentes o fumus comissi delicti e alguma das situações do periculum libertatis do artigo 312, e sendo o crime doloso, o inciso III, do artigo 313 somente serviria para reforçar o pedido e a decisão acerca da prisão preventiva. Para tanto, deve-se analisar ainda, qual foi a medida protetiva decretada, para verificar-se tanto a adequação como a proporcionalidade da prisão em relação a esse fim. Do contrário, não seria viável a prisão.

5 CONCLUSÃO

O trabalho apresentado pretendeu realizar um estudo tendo por objeto de análise, a Lei 11.340/2006, a fim de verificar a constitucionalidade da decretação da prisão preventiva de ofício pelo Juiz, na fase de inquérito, no contexto do sistema acusatório de processo.

Podemos observar que, conforme dispõe seu artigo 20, a Lei Maria da Penha inovou ao prever a decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo juiz, ainda na fase de inquérito. Todavia, tal previsão provoca grande controvérsia doutrinária, e revela-se, a nosso ver, inadequada. Explica-se:

Com a promulgação da Constituição Federal da República de 1988, o Brasil elegeu o sistema acusatório de processo penal; se o Estado brasileiro não fez esta escolha expressamente em seu texto constitucional, implicitamente sim. Podemos afirmar isso, quando observamos, por exemplo, a separação que há entre a função de acusar e julgar a ação penal, devendo este último constituir-se como sendo um órgão totalmente imparcial, no que diz respeito à aplicação da lei.

Não obstante, a Constituição Federal, em seu artigo 129, inc. I, delega ao Ministério Público a promoção da ação penal pública, alçando o MP à condição de dominus litis, ou seja, de autor da ação, cabendo à este órgão o ônus de promover a acusação. Em sentido inverso – e proporcional – a defesa utiliza-se amplamente do contraditório, tendo como aliado a presunção de inocência do acusado, que encontra-se ao seu lado. Por outro lado, o juiz deve-se posicionar de forma imparcial aos pólos da relação processual, cabendo a este a função de julgar a lide.

No sistema acusatório, o juiz não mais inicia de ofício a persecução penal, como outrora ocorria no sistema inquisitório. Sendo assim, observa-se que o poder do juiz é, de certa forma, restrito, devendo atuar quando provocado e julgar conforme o processo, zelando pelo princípio da inércia da jurisdição. Além da separação das funções, nossa Constituição assegurou os princípios da publicidade, ampla defesa, contraditório e livre convencimento motivado das decisões, sendo estes, os mesmos princípios que asseguram o sistema acusatório de processo penal, o que reforça a ideia de escolha desse tipo de sistema pelo legislador.

Nesse sentido, observa-se ser inadequada a atuação, de ofício, pelo juiz na fase de inquérito policial. Entender de maneira distinta, significa atentar contra o sistema acusatório que orienta o processo penal brasileiro e afrontar a Constituição da República do Brasil.

Não obstante, com o surgimento da Lei nº 12.403/2011, a hipótese de decretação da prisão preventiva de ofício, pelo juiz, ainda na fase de inquérito, restou afastada, privilegiando-se uma política criminal não intervencionista, ou seja, a nova Lei de 2011, em seu artigo 311, afastou a prisão preventiva para o status de extrema ratio da ultima ratio, isto é, a Lei repeliu a decretação de ofício pelo juiz; a preventiva deve ser vista como última medida a ser tomada, quando não mais houver outro meio cabível.

Caso não seja observado tal raciocínio, o magistrado estaria afastando-se de sua posição de imparcialidade. Consequentemente, descaracterizar-se-ia o próprio sistema acusatório eleito pela própria CF/88, o que implicaria, certamente, em admitir que critérios de política criminal possam ocasionar, através de exceções, frestas dentro do sistema jurídico brasileiro, quando o ideal seria o de construir um sistema jurídico-penal em comum acordo com a Constituição, de maneira que a política criminal tivesse ajustada ao sistema processual adotado.

[1] Relatório anual da Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Estado do Pará. Anos 2009/2010/2011.

  • Violência doméstica e familiar
  • Lei Maria da Penha
  • Prisão preventiva de ofício na Lei 11.340/06

Referências

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Romeu Bessa

Advogado - Marabá, PA


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