Muito se tem questionado ultimamente sobre a questão UBER e os “direitos dos taxistas”.
A UBER é uma empresa multinacional americana de transporte privado urbano baseado em tecnologia disruptiva em rede, através de um aplicativo e-hailing que oferece um serviço semelhante ao táxi tradicional, conhecido popularmente como serviços de "carona remunerada".
Por oferecer um serviço análogo aos táxis, mas operar a uma fração do custo de uma empresa com frota de táxi tradicional, o Uber despertou preocupação e críticas da indústria de táxis ao redor do mundo.
Inicialmente, o UBER foi criado como um aplicativo para “caronas remuneradas”, ou seja, por meio do app, qualquer pessoa pode localizar um usuário que necessite de transporte nas suas proximidades e oferecê-lo em troca de pagamento — que pode ser feito automaticamente pelo cartão de crédito cadastrado no app. Enquanto a empresa fica com 20% do pagamento, o motorista fica com o resto.
O motorista e o usuário devem se cadastrar previamente perante a empresa, passando por algum tipo de seleção, tornando-se clientes dela antes de fazer uso do serviço.
A seleção para veículos inclui atendimento a exigências de habilitação do motorista para conduzi-lo, documentação do veículo em ordem, e permissão de adesão somente para determinadas marcas, modelos, cores e anos de fabricação.
A seleção dos usuários passa pela coleta de dados pessoais e de faturamento, por cartão de crédito previamente cadastrado.
Apesar de o mais famoso, o Uber não é o primeiro serviço do tipo a iniciar suas atividades no Brasil. Em março de 2014, o aplicativo Zaznu também começou a oferecer para usuários o modelo de caronas remuneradas.
A ideia original de permitir que pessoas comuns, nos seus trajetos usuais, pudessem dar caronas a outras pessoas que tivessem destino próximo ao seu e também conseguissem auferir uma renda extra, facilmente pode tornar-se uma fonte de renda principal, em especial pela caótica situação de desemprego que hoje assola o país.
Embora aparentemente haja a possibilidade de se tornar atividade profissional principal dos motoristas, a experiência nos indica que a esmagadora maioria desses motoristas dividem essa fonte de renda com outra atividade em paralelo, sendo difícil definir qual seria a principal fonte de renda.
Ademais, para considerarmos a atividade dos motoristas como atividade profissional, precisamos estabelecer se estamos diante de uma atividade que gere renda significativa ou não.
De qualquer modo, trata-se de uma atividade econômica que gera renda para seus participantes, e vantagem para o usuário, o consumidor.
Do ponto de vista jurídico, embora transpareça semelhanças com o serviço de transporte público dos táxis, me parece que o Uber não é sequer similar.
Inicialmente, lembremos que estamos tratando de uma atividade econômica (para a empresa) e, desde que represente relevante fonte de renda para o motorista, atividade profissional.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil assegura a liberdade de iniciativa, a liberdade de concorrência e o exercício de qualquer trabalho em seu art. 1º, inc. IV; e art. 170, caput e inciso IV.
Por se tratar de um serviço exclusivamente ofertado pelo aplicativo, temos, ainda, a incidência da Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet), que garante a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet em seu art. 3º, VIII.
Sem dúvida alguma, estamos diante de uma relação de consumo.
A relação contratual é estabelecida entre o usuário do serviço e a empresa Uber, que, previamente cadastrado como cliente em sua base de dados, contrata o serviço por meio do aplicativo.
Assim, de um lado, a empresa é fornecedora de serviços, pois é pessoa jurídica de direito privado, nacional, que desenvolve atividade de prestação de serviços, nos termos do artigo 3º, § 2º do Código de Defesa do Consumidor. De outra banda, o usuário é consumidor, pois adquire ou utiliza os serviços na condição de destinatário final.
Dessa forma, havendo presentes fornecedor e consumidor, há relação de consumo, e devem ser observados os princípios previstos na legislação consumerista, dentre os quais está o dirteito básico do consumidor de liberdade de escolha (art. 6º, inc. II, CDC).
“Mas haverá liberdade de escolha para escolher entre táxi ou Uber, desde que este serviço seja regulamentado” – defendem as entidades de taxistas.
Há mesmo que regulamentar o serviço?
Entendemos que não.
O serviço dos táxis é claramente um serviço público de transporte, ao passo que o do Uber é um serviço privado de transporte.
A definição, em nossa opinião, encontra-se na forma de disponibilização e na forma de contratação do serviço.
Os ônibus, táxis, e transporte ferroviário urbano (trens e metrôs) são serviços prestados por pessoas físicas, por meio de permissão, ou por pessoas jurídicas de direito público ou privado em regime de exploração direta pelo Poder Público, ou pela iniciativa privada por meio de concessão ou permissão.
Tais serviços estão disponíveis para qualquer do povo que queira deles se utilizar, iniciando a relação de consumo ao adquirir o bilhete ou passagem (transporte ferroviário), ou ao dar sinal para parada (ônibus e táxis).
Por outro lado, o Uber exige prévio cadastramento no aplicativo, inclusive com dados de cobrança (cartão de crédito), iniciando aí a relação do consumidor com a empresa, e é somente por meio do app que se faz a contratação e pagamento pelos serviços.
Como paradigma, podemos alugar um veículo mediante prévio cadastro na empresa. Trata-se de um serviço privado. Qual a diferença entre a locação de um veículo para conduzí-lo e a locação de um veículo com motorista? Em ambos casos a contratação ocorre diretamente entre consumidor e a pessoa jurídica.
A diferença reside na disponibilização.
O serviço público, prestado pelo próprio Estado ou por particulares em regime de concessão ou permissão, é posto para qualquer um que dele queira se utilizar mediante pagamento (ou não, se atendidas as condições de gratuidade ou se tratar-se de serviço público uti universi).
O serviço privado requer tratativa prévia com o contratado e, em muitos casos, negociação de preços.
Em resumo, os táxis são serviços públicos de transporte singular de passageiros, pois qualquer usuário pode dar sinal na rua para parar, em semelhança com o que ocorre com o serviço de transporte público de passageiros coletivo (ônibus).
O Uber é serviço privado de transporte de passageiros pois o usuário escolhe a empresa prestadora, que envia o veículo ao local do consumidor, e, ao contrário do que ocorre nas situações de permissão e concessão, pode o motorista escolher se aceita prestar o serviço ou não, cabendo à empresa disponibilizar outro veículo próximo, o que é feito automaticamente.
Assim, não se encontra na Constituição da República a competência dos Estados ou Municípios em se estabelecer condições ou restrições ao serviço do Uber ou seus similares.
Não se confunde a previsão do artigo 30, inc. V da CRFB, que trata de serviços de transporte coletivo, ou serviços públicos em geral.
Não se confunde, também, com o serviço regulamentado pela Lei nº12.468/11, que regulamenta a profissão do taxista, posto que expressamente tal lei define, em seu artigo 2º, como “atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte públicoindividual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros”(g. N.).
Assim, tratando-se de prestação de um serviço privado, não cabe ao legislador ou ao Poder Executivo impor ou estabelecer condições para sua execução.
Acreditamos, ainda, que as questões de trânsito que vêm sendo suscitadas são adaptáveis à realidade do próprio mercado, pois à medida em que supostamente ingressam novos veículos do Uber no tráfego, podem sair veículos de táxis que não conseguem mais auferir faturamento ou renda que valha a pena e passam a migrar para o Uber ou para outra profissão ou atividade econômica.
Da mesma forma, talvez saiam do trânsito os veículos particulares de quem os utiliza somente para ir ao trabalho e voltar para casa, utilizando-se do serviço privado do Uber. Nesse ponto, podemos especular que talvez até melhore o trânsito.
Os direitos do usuário já estão muito bem defendidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que lhes garante o direito à vida, saúde e segurança, e à adequação de qualidade do serviço e da informação, sendo desnecessário ao Poder Público maiores ingerências.
Quais interesses pretende-se defender, então?
(Por Rodrigo Xande Nunes, advogado especialista em Direito do Consumidor e Direito Administrativo. Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa)