Noticiou-se que a filial de Natal/RN do Sam’s Club estaria comercializando televisões de 55 polegadas do fabricante Samsung, pelo preço de R$ 279,00. Oito consumidores teriam sido impedidos pelo estabelecimento de comprar o produto por esse preço, quando se constatou o evidente erro na etiqueta.
Do ponto de vista moral, acredita-se ser desnecessário direcionar muitos argumentos para se constatar que a postura dos consumidores, de pretender comprar uma televisão nova de 55 polegadas por R$ 279,00, não é exatamente um exemplo de honestidade.
Porém, o questionamento realmente instigante é se do ponto de vista estritamente jurídico tal conduta é admitida. Isso porque o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que o fornecedor é obrigado a cumprir as ofertas que veicular. Assim, numa análise superficial, poderia se concluir que, embora moralmente questionável, a postura dos consumidores seria lícita.
Contudo, o direito não deve ser interpretado a partir de um único dispositivo legalde maneira isolado, mas sim considerando-se o sistema como um todo. O referido dispositivo legal está inserido no mesmo ordenamento que outros tão relevantes quanto.A respeito do presente caso, em contraponto ao seu artigo 30, o próprio Código de Defesa do Consumidor prevê o princípio da boa-fé, em seu artigo 4º, III, o que também é expressamente previsto no artigo 422 do Código Civil.
Portanto, obviamente o direito exige que as partes envolvidas em uma determinada relação jurídica ajam com boa-fé, com lealdade e probidade, o que se aplica inclusive a consumidores. Nesse sentido, interpretando esses artigos à luz do caso aqui analisado, uma conduta adequada dos consumidores seria, por exemplo, informar ao fornecedor o erro grosseiro na etiqueta, para que esta fosse corrigida a fim de evitar novos constrangimentos, bem como indagarem-lhe qual de fato é o preço de venda do produto, para verificarem se é, ou não, do seu interesse compra-lo. Agir de modo diferente, como foi feito no caso, exprime de maneira bastante clara a intenção de obter vantagem do erro alheio, em vez de simplesmente repreendê-lo para que não se repita.
Ademais, o mesmo direito que obriga os fornecedores a cumprirem as suas ofertas, além de exigir boa-fé dos consumidores, proíbe o enriquecimento sem causa (artigo 884 do Código Civil).
O Poder Judiciário paranaense já teve a oportunidade de se manifestar sobre uma situação similar (recurso inominado nº 0001788-28.2013.8.16.0178), em que o consumidor comprou por R$ 546,49 instrumentos musicais com valor de mercado total de R$ 9.500,00. Vale a leitura das palavras do Relator desse caso: “A aquisição de produtos por 5,75% do valor de mercado,mormente [sobretudo] por pessoa que sabe o valor real dos bens, evidencia o errogrosseiro.O imperativo da boa-fé nas relações de consumo se aplica atodas as partes da relação, e no caso está ausente a boa-fé doconsumidor.”
No mesmo sentido já se posicionou o Tribunal de Justiça de São Paulo (apelação nº 0017678-86.2013.8.26.0482), em um caso no qual o consumidor pagou R$ 32,34 por cada um dos quatro frigobares que adquiriu e R$ 70,54 por uma adega, os quais na realidade custavam, respectivamente, R$ 549,00 e R$ 1.299,00. As palavras do Relator resumem bem o que aqui foi exposto: “Acrescente-se que devem ser repudiadasatitudes como a do autor, que claramente intencionam a obtenção devantagem indevida, e ainda mais quando se visa a um benefícioaproveitando-se da falha ou erro de outrem.”
Por fim, vale frisar que não se questiona a importância de eventualmente se punir os fornecedores por erros como esses, por meio dos órgãos competentes (Procon, por exemplo), a fim de evitar que os cometam novamente. Não se defende, de forma alguma, o desrespeito ao consumidor e a prática de falhas pelos fornecedores sem qualquer tipo de repreensão.
Mas certamente admitir a falta de lealdade e o enriquecimento sem causapor parte de alguns consumidores não é o caminho para a realização dessa finalidade.