A Reforma da Previdência e o impacto na vida das mulheres


16/10/2019 às 15h52
Por Rayanne Moraes

Como as mudanças presentes na proposta prejudicarão, ainda mais, a vida das mulheres no mercado de trabalho e na previdência social.

A proposta de Reforma da Previdência apresentada pelo Presidente Jair Bolsonaro implica em uma série de riscos ao direito à saúde e à aposentadoria das mulheres, considerando o aumento da idade mínima para obtenção da aposentadoria e a posição da mulher no mercado de trabalho, escancaram os riscos da aprovação da reforma e o seu impacto na vida das mulheres.

A princípio, cabe destacar o papel exercido pela mulher no mercado de trabalho, a quem cabe, majoritariamente, o exercício de profissões de baixo grau de escolaridade que exigem esforço físico constante e jornadas de trabalho exaustivas.

Nesse sentido, é imprescindível pontuar que os direitos dos empregados domésticos, em sua grande maioria mulheres, no que tange a equiparação aos direitos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, como férias, fgts, décimo terceiro, licença maternidade, etc; somente foram assegurados há poucos anos, escancarando a falta de suporte legal a profissões exercidas em sua maioria por mulheres.

Nesse contexto, a recente extensão de certos direitos trabalhistas a categoria de empregados domésticos respalda o argumento da dificuldade de inserção da mulher no mercado de trabalho, e, quando é feito, reafirma as dificuldades de manter-se em condição de igualdade de direitos e oportunidades frente a outras profissões historicamente mais valorizadas na seara do trabalho.

Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2017, o Brasil enfrenta enfrenta problemas históricos na concentração de renda e a diferença salarial entre homens e mulheres, elas ainda ganham menos do que os homens, exercendo as mesmas funções. O rendimento médio deles: R$ 2.210, e o das mulheres: R$ 1868. A diferença é de 22,5%.

No tocante as condições de trabalho da mulher, verifica-se que os postos informais de trabalho, geralmente precarizados, são em sua maioria ocupado por mulheres, o que expõe novamente a condição de vulnerabilidade as quais são submetidas no mercado de trabalho.

Os dados relativos ao quarto trimestre de 2017 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD C) realizada pelo IBGE mostra que 6,0% dos homens trabalhadores eram empregadores, enquanto a proporção das mulheres ocupadas nessa posição era praticamente a metade: 3,3%. Já o percentual de mulheres na posição de trabalhador familiar auxiliar (3,6%), caracterizada pelo não recebimento de salário, era muito superior ao dos homens (1,5%).

Para as mulheres são destinados também os postos mais precários de trabalho. De acordo, com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2014, a permanência das mulheres no mercado de trabalho formal é menor. Elas ficam em média 37 meses no mesmo trabalho, período inferior ao dos homens, que é de 41,7 meses.

Nesse ponto, devido à ocupação dos postos de trabalhos mais precários, resta evidente a dificuldade das mulheres para realizar as contribuições previdenciárias com regularidade, haja vista a condição de trabalho que não assegura o registro em Carteira de Trabalho (informalidade), nem ao menos garante uma posição financeira que permita a realização de contribuições de modo a assegurar sua cobertura previdenciária.

Pode-se destacar, também, a sobrecarga de trabalho das mulheres no que se refere à “dupla jornada de trabalho”. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2014, 90,6% das mulheres brasileiras realizam afazeres domésticos. Entre os homens, esse percentual fica nos 51,35%. Entre elas, a média é de 21,35 horas semanais dedicadas ao trabalho de cuidados sem remuneração. Para eles, é menos da metade disso (10 horas).

Essa dupla jornada de trabalho realizada pelas mulheres limita, por si só, as possibilidades de ascensão profissional, posto que as tarefas domésticas exigem das mulheres tempo de trabalho superior ao exigido dos homens, o que faz com que as mulheres tenham maiores dificuldades em investir nas suas carreiras profissionais, para com isso elevarem os seus cargos e remuneração.

Ainda na relação entre trabalho e saúde, não é demais salientar que a Fibromialgia, doença psicossomática incapacitante que se manifesta através de fortes dores por todo o corpo, atinge, em sua grande maioria – cerca de 90%-, mulheres, expondo a relação de consequência entre a jornada de trabalho, as exigências do mercado e a relação com a saúde da mulher.

Disto isto, é importante frisar os riscos iminentes que a Reforma da Previdência apresenta para as mulheres, reforçando ainda mais a sua condição de vulnerabilidade frente ao mercado de trabalho e à previdência social.

A primeira delas diz respeito à elevação da idade para obtenção da aposentadoria, que hoje é de 60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens, com a alteração proposta a idade mínima das mulheres será elevada para 62 anos, deixando intacta a idade mínima para aposentadoria dos homens.

A modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição, que prevê, atualmente, a distinção entre os tempos mínimo para homens e mulheres, sendo de 35 anos o tempo mínimo para os homens e de 30 anos o tempo mínimo para as mulheres também é totalmente extinta na proposta do Presidente da República, de modo que passa a existir apenas a modalidade de aposentadoria que une requisitos de idade e tempo de contribuição mínimos para a aposentadoria.

Em uma das mudanças mais drásticas tem-se a elevação da idade mínima de aposentadoria da categoria especial de professoras para 60 anos, elevando em 10 anos a idade mínima que antes era de 50 anos para a aposentadoria integral das professoras.

Por outro lado, os professores que antes tinham a exigência de idade mínima de 55 anos para aposentadoria, sofrem elevação de apenas 5 anos, passando, com a reforma, a ser exigida a idade mínima de 60 anos para concessão da aposentadoria.

Essa mudança escancara um aumento considerável da idade mínima exigida para as mulheres professoras, acentuando a desigualdade dos requisitos demandados para homens e mulheres, que, novamente, desconsidera as particularidades que envolvem o desempenho das mulheres no mercado de trabalho.

Nesse sentido também se colocam as alterações referentes à aposentadoria rural, posto que, novamente, a equiparação da idade para aposentadoria entre homens e mulheres desconsidera o maior volume de trabalho doméstico sem remuneração realizado diariamente pelas mulheres.

Entre as mulheres que se dedicam à atividade agrícola, 97,6% realizam afazeres domésticos, enquanto os homens, apenas 48,22% realizam. Nesse ponto, as mulheres dedicam, em média, 28,01 horas semanais a esse trabalho. É quase um terço a mais que a média das mulheres que desempenham atividade profissional urbana e quase três vezes mais que os homens na mesma atividade econômica. Cumpre mencionar, ainda, que a proposta da reforma desconsidera, mais uma vez, toda a carga de trabalho não remunerado exercido pelas mulheres do campo, que, adicionalmente, ainda iniciam a vida laboral muito cedo, com atividades que requerem muito esforço físico.

Por fim, no que se refere à pensão por morte, recebida por boa parte das mulheres idosas, a Reforma da Previdência apresenta mudanças no valor do benefício que hoje é concedido em 100% do valor da aposentadoria que o falecido recebia. Com a reforma, a pensão por morte passará a ser apenas 60% do valor do benefício, mais 10% por dependente, sem ultrapassar o máximo de 100%.

Nesse sentido, analisa-se o gráfico a seguir, extraído do Anuário Estatístico da Previdência Social de 2017, que demonstra a disparidade entre o número de homens e mulheres que recebem o benefício da pensão por morte, corroborando o entendimento de que a diminuição no valor do benefício vai atingir, em sua grande maioria, as mulheres, que sairão prejudicadas, posto que perderão a renda das pensões por morte no momento de maior vulnerabilidade.

Todas essas mudanças demonstram o ataque direto da proposta de Reforma da Previdência do Presidente da República contra as mulheres, buscando, em diversas modalidades de benefícios, equiparar as exigências em relação aos homens, desconsiderando todas as particularidades que envolvem a mulher no mercado de trabalho, e, consequentemente, na previdência social.

Afirmar que essa equiparação de requisitos da previdência para homens e mulheres é justa, acaba por desconsiderar todas as desigualdades que se apresentam para as mulheres ao longo de toda a vida de trabalho, guardando relação de consequência que culmina com o aprofundamento das desigualdades também no momento da aposentadoria.

Dessa forma, a distinção de requisitos entre homens e mulheres na previdência social é o único mecanismo a reconhecer a diferença no trabalho exercido por homens e mulheres, que destina às elas os piores salários, condições de trabalho e maiores responsabilidades do trabalho não remunerado.

Não se pode equiparar os requisitos de aposentadoria e outros benefícios previdenciários entre homens e mulheres, sem que haja uma mudança na estrutura de trabalho que justifique tal alteração. Sem isso, torna-se impossível falar em equiparação de requisitos e em Reforma da Previdência que venha a atingir todos os trabalhadores de maneira igualitária.

O que se verifica com a reforma proposta pelo atual governo é, portanto, um completo desmonte dos direitos sociais conquistados pelas mulheres e um ataque direto as condições de equidade traçadas no sistema da previdência social.

  • INSS
  • PREVIDÊNCIASOCIAL
  • DIREITOPREVIDENCIÁRIO
  • REFORMADAPREVIDÊNCIA

Rayanne Moraes

Advogado - Petrolina, PE


Comentários