O Combate a Impunidade: entre Eichmann e Lampião


19/02/2018 às 10h55
Por Paulo Augusto Paz

Fala-se que Vergulino Ferreira da Silva, o Lampião, teria entrado para o cangaço devido a uma injustiça: o assassinato de seu pai a mando de um rico fazendeiro da região. Contam que quando Lampião procurou o juiz responsável pelo caso, que era corrupto, a resposta teria sido: “você precisa de um advogado e 3 Testemunhas”. Passado algum tempo e decepcionado com aquilo, Lampião entregou-se ao cangaço. Munido de uma espingarda e 300 balas disse: “diga ao juiz que agora eu tenho um advogado e 300 testemunhas”.

No Brasil o quadro da impunidade é desolador, a título de exemplo cite-se que a cada 100 homicídios cometidos no país, tão somente, entre 5 e 8 são elucidados. Nesse mesmo sentido, verifica-se que 2017 ainda nem findou e o Ceará já alcançou o recorde de assassinatos, até 19 de novembro, 4.492 pessoas foram mortas no Ceará, 53 a mais do que o ano mais violento até então — 2014, que registrou 4.439 crimes do tipo.

O descrédito na justiça e o crescimento da violência faz acreditar que a sociedade brasileira tem enfrentado o fenômeno semelhante ao que Hannah Arendt denominou de banalidade do mal. Após o fim da 2ª Guerra Mundial, Otto Adolf Eichmann membro do regime de Hitler durante a Grande Guerra, responsável pelo extermínio de milhares de judeus, se exilou na Argentina, quando foi sequestrado por agentes da Mossad e levado à Jerusalém para ser julgado por seus crimes. Hannah ao assistir o seu julgamento pensou que encontraria um sádico, mas diz ter encontrado aquilo que denominou como um mero cidadão que cumpria suas leis. Hannah assevera: “à medida que passavam os meses e os anos, ele perdeu a necessidade de sentir fosse o que fosse. Era assim que as coisas eram, essa era a mova lei da terra, baseada nas ordens do Führer; tanto quanto podia ver, seus atos eram os de um cidadão respeitador das leis, Ele cumpria o seu dever, como repetiu insistentemente à polícia e a corte; ele não só obedecia às ordens; ele também obedecia à lei”.

Atualmente, vê-se que a sociedade se acostumou assustadoramente com o mal. As grandes emissoras de televisão têm dado destaque a programas policiais que exploram com sensacionalismo a mais profunda miséria que a violência provoca na vida das pessoas; o crime passou a ser algo do cotidiano do brasileiro; o roubo, o furto e até o homicídio não chocam; a sociedade não acredita mais na polícia e no judiciário. Essa é a banalidade do mal.

Não se pode olvidar que qualquer decisão que o ser humano toma, a toma levando em conta custos e benefícios. Ou seja, quando o sistema de justiça penal de uma sociedade não é dotado de credibilidade, há uma certeza da impunidade e o favorecimento da prática de crimes. Essa constatação foi ensinada ainda no século XVII pelo criminalista italiano Cesare Beccaria quando assevera que: “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável causará sempre uma forte impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”.

O combate à criminalidade impende de uma atuação conjunta em diversas áreas sociais, mas que se inicia necessariamente pelo confronto a impunidade.

Paulo Augusto Paz Barros

Advogado. Escritor. Assessor Jurídico Parlamentar. Membro da Comissão Especial de Acompanhamento Legislativo da OAB/CE. (Contato: [email protected])

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Referências

Coluna Olhar Jurídico - Jornal Costa do Sol

https://romuloribeiro.blog/2018/01/17/olhar-juridico/


Paulo Augusto Paz

Advogado - Fortaleza, CE


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