A Possibilidade de Enquadramento de Agentes Políticos nas Sanções Estabelecidas Pela Lei de Improbidade Administrativa


20/06/2018 às 14h41
Por Patrick Louhan Souza

Em tempos de Lava Jato, muito se tem discutido sobre a penalização criminal e cível dos condutores da República por atos contrários à lei com reflexos negativos ao Erário e à população, de modo geral.

 

Como forma de minimizar os danos decorrentes das ações ilícitas em face da Administração Pública, o instituto da Ação de Improbidade Administrativa surgiu com o objetivo de minimizar os danos decorrentes dos prejuízos causados pelos integrantes da máquina estatal nas práticas consideradas ímprobas administrativamente.

 

Nesse sentido, a responsabilização dos agentes políticos por atos de improbidade administrativa tem ganhado força, sobretudo com o alcance de pessoas influentes na cenário político brasileiro. Tendo em vista este contexto, no mundo jurídico surgiu-se a seguinte celeuma: aos agentes políticos, aplica-se a Lei de Improbidade Administrativa – LIA ou as disposições contidas na Lei dos Crimes de Responsabilidade - LCR?

 

O Supremo Tribunal Federal – STF no âmbito da Reclamação 2138, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 18.04.08, exarou o entendimento que a Ação de Improbidade Administrativa não é cabível contra ex-Ministro de Estado, fundamentando o seu raciocínio no artigo 102, inciso I, alínea c, da Constituição Federal. Assim, o Excelso Pretório fixou a tese de que Ministro de Estado não se sujeita às disposições da Lei de Improbidade Administrativamas sim por crime de responsabilidade, de competência do próprio Supremo.

 

Contudo, o tema em questão não é pacífico nos tribunais brasileiros, considerando que há entendimento contrário alegando a possibilidade de aplicação da LIA aos agentes político:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. (…) 14. A alegação de que a Lei de Improbidade Administrativa não se aplicaria aos agentes políticos não socorre ao recorrente, pois o entendimento consolidado por este Superior Tribunal é diametralmente oposto. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 1344199 Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. LEI N. 8.429/92. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTES POLÍTICOS. APLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. PREJUÍZO AO ERÁRIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. CONDUTA ÍMPROBA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. PROPORCIONALIDADE. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. (….). II – É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual é aplicável aos agentes políticos o regime da Lei n. 8.429/92. III - Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o conceito de agente público estabelecido no art. 2º da Lei n. 8.429/92 abrange os agentes políticos, como prefeitos e vereadores, não havendo bis in idem nem incompatibilidade entre a responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei n. 201/67, com a responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa e respectivas sanções civis (art. 12, da LIA). IV – O recurso especial, interposto pelas alíneas a e/ou c do inciso III do art. 105 da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência desta Corte, a teor da Súmula n. 83/STJ. V – In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que consignou restar comprovado o enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, caracterizando como ímprobas as condutas do ora Recorrido, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de Recurso Especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ. VI – Proporcionalidade das sanções aplicadas pelo Juízo de primeiro grau e mantidas pelo tribunal de origem. VII - O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. VIII - Agravo Interno improvido. (Superior Tribunal de Justiça, AIntAREsp 330846 Rel.Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/04/2017)

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.429/1992 AOS AGENTES POLÍTICOS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. AUSÊNCIA DE DOLO. SÚMULA 7/STJ. PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES APLICADAS. SÚMULA 7/STJ. (Superior Tribunal de Justiça, AIntAREsp 747465 Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2017)

 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. AFASTAMENTO DO CARGO DE PREFEITO MUNICIPAL. 1.Quanto a inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, tal distinção não existe em lei. O art. 37, § 4º, da Constituição Federal não elabora nenhuma distinção entre agentes políticos e agentes públicos. 2. A Lei n. 8.492/92, em seu art. 12, estabelece que "Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito" [...] apenas como suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e obrigação de ressarcir o erário e denota que o ato ímprobo pode adentrar na seara criminal a resultar reprimenda dessa natureza. 3. Agravo de instrumento improvido. (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, AI 200804000425848 Rel. Ministra MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/02/2010)

 

Na tentativa de se dirimir a polêmica do assunto, os professores Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Resende Oliveira, sustentam que a votação proferida na Reclamação nº 2138 não pode ser considerada jurisprudência consolidada:

 

Ao nosso ver, no entanto, não é possível falar em jurisprudência consolidada do STF, uma vez que a decisão em comento foi proferida por maioria apertada dos ministros (seis x cinco) e a composição atual da corte é substancialmente diferente daquela que proferiu a decisão (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Resende. Manual de Improbidade Administrativa – Direito Material e Processual. 5 ed.Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 50)

 

Segundo os ilustres juristas, ganha força a tese de jurisprudência não consolidada, a decisão proferida no ARE-ED nº 806293:

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EFEITOS INFRINGENTES. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA DEPUTADO FEDERAL: AUSÊNCIA DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. 2. RECEBIMENTO DA AÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (Supremo Tribunal Federal, ARE-ED 806293 Rel.Ministra CÁRMEN LUCIA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2014)

 

A partir do breve estudo acima desenvolvido pode-se concluir que o tema ainda não está consolidado na Jurisprudência brasileira, contudo, a doutrina já aponta solução através da mudança de entendimento do STF indicada em julgado de 2014. Assim, caminham as decisões no sentido de se adotar a legislação mais severa aplicável aos atos ímprobos praticados pelo Alto Escalão da política brasileira. As decisões tenderão a se tornar mais técnicas do que políticas, satisfazendo, desta forma, os anseios de uma sociedade que sofre com a malversação do Erário.

  • Corrupção.
  • Improbidade Administrativa
  • Direito constitucional
  • Direito Civil
  • Direito Administrativo

Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1344199 Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AIntAREsp 330846 Rel.Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/04/2017

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AIntAREsp 747465 Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2017

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ARE-ED 806293 Rel.Ministra CÁRMEN LUCIA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2014

 

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, AI 200804000425848 Rel. Ministra MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/02/2010
 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Resende. Manual de Improbidade Administrativa – Direito Material e Processual. 5 ed.Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 50


Patrick Louhan Souza

Advogado - Curitiba, PR


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