Tutela Jurisdicional Executiva: conceito e princípios.


22/02/2016 às 14h40
Por Patrícia Menger Schuaste

A tutela jurisdicional executiva é o meio pelo qual se concretiza a pretensão que movimentou a jurisdição. Por vezes, entretanto, a execução independe de provocação jurisdicional anterior, quando o que se pretende é a efetivação de título extrajudicial.[1]

Outrossim, sendo do Estado o dever de observância e praticabilidade do ordenamento jurídico, também sendo este o único que pode substituir as partes envolvidas na demanda a fim do cumprimento desta, tem-se caracterizada a jurisdição. Nestes termos, GIUSEPPE CHIOVENDA conceitua a jurisdição da seguinte forma:

[...] função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio

da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de

outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la,

praticamente, efetiva.[2]

Anteriormente, muito se discutia acerca do caráter jurisdicional da execução, uma vez que poderia ser considerada atuação meramente administrativa do magistrado. Entretanto, resta superado tal entendimento, tendo em vista que por “jurisdição” tem-se o exercício concreto da lei, e não o exercício cognitivo do juiz.[3]

Assim, a atividade jurisdicional da execução ocorre quando o Poder Judiciário é provocado, não para resolver um conflito pelo meio cognitivo, mas para executar decisão ou título anterior, assegurando que o direito adquirido seja concretizado. Desta forma, tem-se que a tutela jurisdicional executiva pressupõe a ocorrência de inadimplemento de uma prestação obrigacional anterior, seja ela de dar, fazer ou não fazer. Portanto, a execução forçada presta-se a efetivar a obrigação devida. [4]

Após exposição do conceito, cabe informar, que a tutela jurisdicional executiva pode ser classificada: quanto à origem do título executivo, podendo ser judicial ou extrajudicial; quanto à estabilidade do título executivo, sendo definitiva ou provisória; quanto à modalidade da obrigação, podendo ser de fazer ou não fazer, bem como de dar coisa ou quantia; e por fim, quanto aos efeitos, que podem ser condenatórios ou mandamentais. [5]

2.1 DISTINÇÃO DE OUTRAS FIGURAS

Visando o aperfeiçoamento do conceito de execução jurisdicional, importa fazer a diferenciação desta em relação a outras figuras.

Inicialmente, necessário diferenciar a tutela executiva da autotutela, uma vez que a segunda, apesar de trazer resultados fáticos, independe de qualquer intervenção jurisdicional. A tutela executiva, por outro lado, não subsiste à ausência da jurisdição, como restou explicitado no ponto anterior.

Por vezes, ainda, ocorre o adimplemento espontâneo da obrigação, e este não poderá se confundir com a execução. Pelo contrário, em casos de adimplemento espontâneo, sequer é necessário invocar a tutela jurisdicional executiva para a resolução do caso, tendo em vista que o objeto da execução restará cumprido extrajudicialmente. Entretanto, ressalta-se que o adimplemento voluntário aqui exposto, não se trata daquele ocorrido no prazo determinado após citação, pois já estaria no plano jurisdicional, mas sim daqueles casos em que as partes convencionam o pagamento entre si, sem invocar o judiciário.

Por fim, a diferenciação mais relevante em relação ao processo de execução é a do processo de conhecimento. Neste último, busca-se o reconhecimento de um direito, devendo o juízo utilizar-se do exercício jurisdicional cognitivo, buscando com base na aplicação da lei ao caso concreto a resposta negativa ou positiva ao direito postulado. Enquanto na tutela executiva, consoante já exposto, o juízo não deve reconhecer um direito, apenas decidir qual a melhor maneira de executá-lo. [6]

Ressalta-se, entretanto, que apesar de serem dois processos independentes os de execução e de conhecimento, quando do cumprimento de sentença os dois se aproximam. Ainda assim, não se confundem, visto que o processo de conhecimento, após o trânsito em julgado da sentença, reger-se-á pelo rito do artigo 475-J do CPC, deixando de cumprir função cognitiva.[7]

2.2 PRINCIPIOS INFORMATIVOS DA TUTELA EXECUTIVA

Restando esclarecido o conceito de tutela jurisdicional executiva, importa dizer que esta limita-se por alguns princípios que são classificados pela doutrina brasileira entre fundamentais e informativos. Os princípios fundamentais são regidos, basicamente, pela Constituição Federal e tem um condão ideológico, enquanto os princípios informativos, dos quais trataremos nesse ponto, são ligados à técnica, ao procedimento utilizado no processo de execução.[8]

2.2.1 PRINCIPIO DA PATRIMONIALIDADE

O princípio da patrimonialidade determina que a execução recairá sobre o patrimônio do executado, e não sobre a pessoa deste, consoante ocorria em alguns momentos da história do processo civil brasileiro.[9] Neste sentido, DIDIER JR.[10] afirma:

Huve época, como no primitivo Direito Romano, em que se permitia que a execução

incidisse sobre a própria pessoa do executado, que poderia, por exemplo, virar escravo do

credor como forma de pagamento da sua divida [...].

A humanização do direito trouxe consigo este principio, que determina que só o patrimônio e, não, a pessoa submete-se a execução A humanização do Direito ainda fez com que, mesmo no patrimônio do devedor, alguns bens não se submetessem a execução, compondo o chamado eneficiam compeíetuiae.

No direito brasileiro, atualmente como último resquício de execução sobre a pessoa podemos citar a execução de alimentos[11], que é o único caso de prisão civil ainda possível no país.

Este princípio provém do artigo 591 do CPC de 1973 (com disposição correspondente no artigo 789 do novo CPC)[12] que determina: “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.” Especificamente quanto à execução por quantia, temos o estabelecido no artigo 646 do CPC em vigência que “a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor.”

Assim, resta expresso no código o princípio em tela. Alguns autores afirmam, inclusive, que o ordenamento brasileiro atual traz um sistema de proteção do devedor, que a partir da chamada “humanização da execução” o salvaguarda de possíveis excessos quando dos atos expropriatórios.[13]

2.2.2 PRINCÍPIO DA LIVRE DISPONIBILIDADE

O princípio da livre disponibilidade deixa ao exequente a possibilidade de desistir da execução, em sua totalidade ou em parte, como exposto pelo artigo 569 do Código de Processo Civil. Entretanto, existem algumas limitações de procedimento, descritas no paragrafo único do artigo, consoante se nota:

Art. 569. O credor tem a faculdade de desistir de toda a execução ou de apenas algumas

medidas executivas.

Parágrafo único. Na desistência da execução, observar-se-á o seguinte:

a) serão extintos os embargos que versarem apenas sobre questões processuais,

pagando o credor as custas e os honorários advocatícios;

b) nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do embargante.

Dito isto, nota-se que apesar de o autor deter a disponibilidade da ação, esta será limitada quando houver embargos versando sobre o mérito da execução, uma vez que neste caso deverá existir concordância expressa do embargante. Além disto, ARAKEN DE ASSIS lembra que “existindo vários embargos ou várias impugnações, a regra se aplicará individualmente, ou seja, se extinguirão, ou não, conforme o objeto de cada um deles”.[14]

Nesta senda, importa informar que o novo CPC tem como dispositivo correspondente ao supracitado o artigo 775, que em seu parágrafo único menciona, além dos embargos, a impugnação, adequando-se aos casos de liquidação de sentença. Assim, onde se lia “serão extintos os embargos” e “da concordância do embargante” no artigo 569 do código de 1973, se lê “serão extintos a impugnação e os embargos” e “da concordância do impugnante ou embargante” no artigo 775 do CPC de 2015.

Necessário ressaltar, entretanto, que a desistência da execução ou de algum ato executório não importa na renúncia do direito outorgado pelo título executivo. Neste sentido leciona TEORI ZAVASKI:

“Não se confunde a desistência da ação com a renúncia do direito de ação ou do

crédito. A renúncia tem eficácia no plano do direito material: manifestada e acolhida

pela sentença, extingue-se não apenas o processo, mas também o direito de crédito

e a pretensão à execução. Já a desistência opera no plano exclusivamente

processual, podendo a ação de execução ser repetida. Neste caso, aplica-se

subsidiariamente o artigo 268 do CPC, ou seja, a petição inicial não será despachada

sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários advocatícios

devidos no processo anterior.”[15]

2.2.3 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO

O processo de execução deverá se iniciar seguindo o procedimento adequado que observará a natureza do título executivo, bem como origem da prestação devida. Desta forma, é a análise do que se almeja com a execução que determinará qual o procedimento adequado para o processamento da mesma.

Assim, para o princípio da adequação, indispensável que se tenha em mente a distinção feita pelo código de processo civil em relação às modalidades obrigacionais, quais sejam: obrigação de dar coisa ou moeda, de fazer e de não fazer, bem como seus respectivos regimes processuais.[16]

Em suma, o princípio da adequação defende que a execução deve ser específica, a fim de que propicie ao credor a satisfação da obrigação de forma semelhante a que ocorreria no adimplemento voluntário[17]. Porém, algumas adequações são permitidas, por exemplo quando a obrigação de fazer converte-se em valores referentes às perdas e danos, ou nos casos de penhora de coisa quando a obrigação inicial era de dar dinheiro.

2.2.4 PRINCÍPIO DO MENOR GRAVAME

Também chamado de princípio da menor gravosidade ao executado, este instituto previsto no artigo 620 do CPC dispõe que “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. E assim ocorrerá, ainda que a forma indicada pelo exequente seja a mais gravosa, devendo o juízo agir de ofício.

Contudo, MARINONI e MITIDIERO ao comentarem o artigo supracitado ressaltam:

Obviamente, o juiz não pode preferir técnica processual inidônea, ou menos idônea

que outra também disponível, para a realização do direito do exequente, a pretexto

de aplicar o art.620, CPC. A execução realiza-se no interesse do exequente, que tem

direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva (arts. 50,XXXV, CRFB, e 612,

CPC).[18]

Visto isso, tem-se claro que o princípio da menor onerosidade é muito mais de cunho ideológico que taxativo, tendo em vista que o executado apenas será processado pela forma menos gravosa dentro dos limites do caso concreto.

2.2.5 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O processo de execução não pode se transformar em motivo que leve o devedor a situação incompatível com a dignidade da pessoa humana, resguardada pela Constituição Federal[19]. Ou seja, a execução não poderá afetar bens inerentes à sobrevivência do devedor e sua família.

A fim de garantir a devida aplicação deste princípio, a legislação processual pátria institui a impenhorabilidade de alguns bens e valores claramente indispensáveis à manutenção da sobrevivência e dignidade do executado. O artigo 649 do CPC, estabelece, por exemplo, como impenhoráveis: os pertences de utilidade doméstica que guarnecem a residência, vestuário, remuneração destinada ao sustento da família, instrumentos necessários ao exercício da profissão, entre outros.

Ainda neste âmbito, importa mencionar que o CPC de 2015 em seu artigo 834 (que corresponde ao artigo 649 do CPC de 1973), inclui com o parágrafo terceiro mais algumas garantias que visam resguardar a dignidade do devedor:

3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os

implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa

individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento

e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de

natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.

Frente à tais considerações, e levando em conta que a dignidade da pessoa humana é um direito fundamental, o processo de execução tende a respeitar cada vez mais este princípio.

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Referências

[1] WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: execução, 11 ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. v. 2.  P. 43/44.

[2] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil – Vol. II. Campinas: Bookseller, 2000, p. 3

[3] WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: execução, 11 ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. v. 2.  P. 43/44.

[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução, 23ª ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2005

[5] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso esquematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[6] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso esquematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[7]

[8] ASSIS, Araken de. Manual da Execução, 13 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v 1. P 105/106

[9] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso esquematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. P 58

[10] DIDIER JR., Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: Execução. 4ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012. P. 51

[11] Artigo 733, § 1º do CPC/1973

[12] Lei 13.105/2015: Código de processo civil

[13] ZAVASKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. P 112

[14] ASSIS, Araken de. Manual da Execução, 13 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v 1. P 117

[15] ZAVASKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. P 98

[16] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso esquematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. P 60

[17] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução, 23ª ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2005. P. 62

[18] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado.  5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. P. 641

[19] Artigo 1ª, inciso III da Constituição Federal de 1988.


Patrícia Menger Schuaste

Bacharel em Direito - Porto Alegre, RS


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