Os condomínios de acesso controlado, em razão dos altos índices de violência do país, se tornaram uma realidade que, até o surgimento da Lei nº 13.465/2017, não eram regulamentados.
A partir da Lei nº 13.465/2017, esse condomínios passaram a ser uma realidade em razão de alteração da redação do art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.766/79, a qual passou a dispor que “Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados”.
Em que pese a inovação legislativa trazida pela Lei nº 13.465/2017, em razão da enorme necessidade de haver regulamentação em uma modalidade de loteamento que permite a seus moradores uma sensação maior de segurança, a matéria não era nova, tendo sido, inicialmente, objeto de Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 109/2014, cuja autoria pertencia ao então Deputado Federal Romero Jucá.
Na ocasião do PLC nº 109/2014, a pretensão era ver a modalidade inclusa no então Estatuto das Cidades, incluindo o art. 51-A, com doze parágrafos, na referida lei, e que, em síntese estabeleceria a faculdade ao poder público municipal, mediante concessão, permitir o controle de acesso e transferir a gestão sobre as áreas e equipamentos públicos situados no perímetro objeto do controle concedido, a titulares autônomos que compõem o loteamento, existente e futuro, desde que se comprometam com a correspondente manutenção e custeio, por meio de entidade civil de caráter específico.
Dentre as justificativas do então PLC nº 109/2014, encontrava-se a tão conturbada questão de contribuição mensal à associações para manter a limpeza e a segurança de vilas, condomínios horizontais e de moradores que fecham determinadas ruas, transformando a localidade em verdadeiros condomínios simples (conceito esse também trazido pela Lei nº 13.465/2017 e muito comum em regiões como Vicente Pires).
O conflito existente na ausência de regulamentação dava-se basicamente em razão de nenhum cidadão ser compelido a se associar-se e, portanto, não haveria, a princípio, obrigatoriedade na contribuição mensal as associações de moradores (única figura jurídica até então possível para gerir esse tipo de empreendimento). Além disso, havia a ilegalidade em particulares fecharem espaços públicos (ruas, praças, etc.) sem a devida permissão do poder público, interferindo, desse modo, na questão urbanística.
Obviamente que, em razão da inclusão da questão da Lei nº 13.465/2017, o PLC nº 109/2014 fora arquivado, passando os condomínios de uso controlado serem figuras existentes no ordenamento jurídico.
Assim, em que pese o projeto original prever doze parágrafos a serem incluídos no Estatuto das Cidades, fato é que a questão fora regulamentada pela Lei nº 13.465/2017, alterando a Lei de Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79), em um único parágrafo. Contudo, em que pese a síntese do texto, a principal questão é trazer ao mundo jurídico a figura do condomínio de acesso controlado, por meio de discricionariedade do poder público municipal, preservando, assim a competência de cada ente da federação sem descuidar da realidade social que clamava pela regulamentação.
Desse modo, em que pese a figura do condomínio de acesso controlado passar a existir no mundo jurídico, a sua implementação e demais normativos essenciais à sua existência, serão determinados por ato do poder público municipal.
Com esse objetivo, em setembro de 2018, o Distrito Federal regulamentou os condomínios/loteamentos de acesso controlado por meio do Decreto nº 39.330, fazendo alusão ao § 8º, art. 2º, da Lei de Parcelamento do Solo, incluído, conforme mencionamos, pela Lei nº 13.465/2017.
O Decreto, composto de 19 artigos, pretendeu dar norte aos moradores de loteamentos de acesso controlado, tendo, na ocasião, estipulado um prazo de 180 dias, a contar de sua publicação, para que o interessado apresentasse requerimento ao órgão gestor de desenvolvimento urbano e territorial (Segeth), contendo planta georreferenciada do loteamento com delimitação do perímetro do cercamento e a indicação dos pontos de controle de acesso. O requerimento poderá ser realizado por entidade representativa dos moradores legalmente constituída e a conversão do loteamento para loteamento de acesso controlado dar-se-á por meio de decreto, sendo que, em caso de não aprovação, os muros, guaritas, cancelas, etc., devem ser removidos, às expensas dos moradores do loteamento, no prazo de 90 dias.
Considerando que o decreto fora publicado em 13/09/2018, o prazo de 180 dias findar-se-á em 12/03/2019, porém, em recente matéria divulgada no DFTV, fora noticiado que haverá novo decreto cujo objetivo é prorrogar o prazo, por mais seis meses.
É importante destacar que o normativo em questão, traz diversas disposições acerca dos muros e guaritas desses loteamentos que devem ser observados, a exemplo de calçadas com larguras de 1,20m a fim de garantir a acessibilidade de cadeirantes, ou mesmo o percentual de 70% (sententa por cento) de permeabilidade visual do cercamento quando esse confrontar área pública interna com área pública externa, e, até mesmo, a proibição do limite do cercamento não coincidir com o limite do lote individual. Além disso, prevê medidas de guaritas e a necessidade de interação do loteamento às Diretrizes Urbanistícas (DIUR).
Obviamente que as normas insculpidas no decreto não atendem a necessidade de todos os loteamentos fechados do Distrito Federal, razão pela qual, há rumores de que a intenção futura é transformar a legislação em um Projeto de Lei a ser debatido com maior amplitude.
Deve-se lembrar que, no passado, por duas vezes, as iniciativas do Distrito Federal em regular a matéria (Lei Distrital nº 4593/2012 e Lei Complementar nº 869/2013) foram declaradas inconstitucionais pelo TJDFT em uma ação proposta pela Procuradoria do Distrito Federal.
Contudo, considerando que até o momento o que regerá os loteamentos de controle de acesso é o decreto até então vigente, é importante que seus moradores observem algumas peculiaridades, a exemplo da necessidade de integração do condomínio com, por exemplo, a integração do sistema viário garantido a mobilidade urbana. Isso porque, em que pese haver a ilusão de que apenas os moradores poderão ter acesso ao loteamento, isso não é verdade. E, por uma questão bastante simples: as ruas, as redes de esgoto e água, a rede de iluminação pública e de distribuição de energia elétrica e os equipamentos públicos (áreas de lazer como parquinhos, quadras poliesportivas, etc.), localizadas em seu interior são propriedade pública.
Assim, o decreto expedido pelo Governo do Distrito Federal guarda sintonia com o então extinto PLC nº 109/2014 já que prevê que os cidadãos identificados não podem ser impedidos de ingressar nas áreas internas, em que pese não serem moradores, em razão do caráter público das ruas e equipamentos públicos localizados em seu interior. Além disso, ambos preveem que a responsabilidade de manutenção das áreas públicas são de responsabilidade dos moradores do loteamento, realizada por meio de associações, por exemplo.
Dito isso, o decreto não deixa claro se em razão do ônus financeiro de realizar a manutenção de, por exemplo, quadras poliesportivas que estejam no interior do loteamento, consideradas como públicas, podem vir a ter limitações e/ou restrições de acesso aos cidadãos não residentes no condomínio. Isso porque, os cidadãos não residentes e identificados detém o direito de ter acesso ao loteamento e aos corpos d´águas (a exemplo da cachoeira localizada no interior do Condomínio Ville de Montagne), conforme disposto expressamente no art. 2º do Decreto 39.330/2018.
Além disso, o projeto inicial do Decreto previa que em caso de ausência de conservação das áreas públicas pelos moradores do loteamento, a garantia de manutenção do condomínio de acesso controlado poderia ser revogada, texto esse que não foi recepcionado pelo texto do decreto vigente. E, nesse sentido, questionamos se, quando da ocorrência dessas situações, poder-se-ia revogar a manutenção utilizando-se o Art. 8º, IV do Decreto 39.330.
Outra peculiaridade que os interessados devem ter clara é de que o fato de obterem aprovação para manterem o loteamento como acesso controlado, não o torna um direito líquido e certo. Isso porque, por razões de interesse público, alterações legislativas relativas ao planejamento urbano (PDOT, por exemplo), mobilidade, dentre outros, ela pode vir a ser alterada ou mesmo revogada, sem que haja previsão de qualquer indenização pelas benfeitorias realizadas no cercamento e guaritas. Portanto, esse é um ponto que deve ser pesado pelos interessados, especialmente quando da realização de gastos nas obras de implementação do acesso controlado, afinal, acredito que nenhum morador gostaria de dispender valores em uma guarita de granito para que, a qualquer momento, essa deixe de existir.
Outra peculiaridade que podemos citar acerca do decreto distrital é que, diferente do PLC nº 109/2014, não prevê a obrigatoriedade de regulamentação, pelo ente competente, da entrega de correspondência pelos Correios. Talvez porque olvidou-se o legislador local acerca da possibilidade de classificação de alguns loteamentos de acesso controlado poderem vir a ser classificados como áreas de restrição de entrega domiciliar pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. E, nesse sentido, não me é possível posicionar acerca da questão em razão da amplitude do território do Distrito Federal e a ausência de conhecimento aprofundado da legislação dos Correios sobre o tema.
Compete-nos, ainda, tecer uma última consideração acerca do Decreto em questão eis que seu Art. 1º deixa claro sua aplicabilidade a loteamentos a serem regularizados, desdobrando-se em dois requisitos distintos para que esse possa requerer a manutenção, salvo melhor juízo. E, assim temos que (a) em casos de loteamento regularizados e registrados em cartório, basta solicitar sua conversão para a modalidade de loteamento de acesso controlado, na forma do decreto (Art. 1º, § 2º) e (b) em casos de loteamentos a serem regularizados, a possibilidade de loteamento controlado deve ser admitida na DIUR da região em que o loteamento está inserido (Art. 1º, § 1º).
Nesse sentido, no que compete a necessidade de previsão da DIUR, verifica-se que a tendência observada do Distrito Federal é a de transformação dos condomínios, a exemplo do Estância Quintas da Alvorada sejam, em verdade, convertidos a “bairros” especialmente quando se observa os termos do acordo firmado e homologado judicialmente nos autos do processo AGI 2016.00.2.035147-4, o qual prevê a demolição dos muros e guaritas.
Feito essas considerações, no que compete apenas as aspectos legais do Decreto 39.330, vê-se que os síndicos possuem uma árdua tarefa pela frente, especialmente para conseguir atender às determinações urbanísticas que possibilitam a manutenção de loteamentos de acesso controlado.