A questão está posicionada no âmbito do Direito do Consumidor, o qual estabelece normas de proteção e defesa destes indivíduos. A submissão dos planos de saúde ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi alvo de constantes decisões pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual veio a editar a Súmula nº. 469: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.
Inicialmente, é importante diferenciar as modalidades mais comuns de planos de saúde adotados no Brasil: os planos individuais ou familiares, os coletivos por adesão e os coletivos empresariais. Os planos individuais ou familiares detêm adesão livre, contêm prazo de carência, a cobertura segue o disposto nas cláusulas contratuais e rol de procedimentos, a cobrança é feita diretamente ao beneficiário e as hipóteses de rescisão se limitam aos casos de fraude e/ou falta de pagamento.
Os planos coletivos por adesão exigem vínculo com associação profissional ou sindicato para contratação. Detêm carência, salvo para quem ingressa no plano em até 30 dias da celebração do contrato ou no aniversário do mesmo. A cobertura compreende as situações previstas no contrato e no rol de procedimentos. A cobrança é feita diretamente ao beneficiário pela pessoa jurídica contratante ou pela administradora de benefícios e a rescisão poderá ser realizada segundo as hipóteses previstas no contrato e somente válida para o contrato como um todo.
Por fim, os planos coletivos empresariais exigem para adesão um vínculo com pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária. Detêm prazo de carência, salvo para contratos com 30 ou mais beneficiários e para quem ingressa no plano em até 30 dias da celebração do contrato ou da vinculação à empresa. A cobertura se estende aos procedimentos previstos no contrato e no seu rol. A cobrança é realizada diretamente ao beneficiário pela pessoa jurídica contratante ou pela administradora de benefícios. Por fim, a rescisão é determinada pelo contrato e somente é válida para o contrato como um todo.
Os planos de saúde são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ela incumbe o dever de estabelecer regras para a operacionalização dos serviços de planos de saúde no Brasil. Dentre suas atribuições está a de estabelecer um índice de reajuste anual máximo a ser utilizado pelas Operadoras de Planos de Saúde neste país a fim de readequar seus contratos à realidade econômica atual, todavia tal índice se aplica tão somente aos planos individuais e familiares. Isto indica que os planos de saúde coletivos por adesão e coletivos empresariais ficam aquém de tal controle pela ANS, deixando à revelia dos contratados estabelecer o valor de reajuste que entendam razoáveis.
Uma conduta bastante comum adotada pelas Operadoras de Planos de Saúde nas hipóteses de contratos coletivos por adesão e coletivos empresariais é o estabelecimento de percentuais de reajustes anuais bem superiores àqueles adotados pela ANS nos contratos individuais e familiares. Não que tal prática seja necessariamente ilegal, pelo contrário, a própria ANS deixa às partes contratantes a liberdade para estabelecer a quantia que entendam necessárias. Ocorre que, normalmente, as Operadoras agem da seguinte maneira: 1) estabelecem percentuais de maneira unilateral, sem negociar com os contratantes um valor que seja adequado para ambos; 2) aplicam percentuais extremamente elevados de reajuste e 3) não justificam materialmente, através de documentos, a necessidade de reajuste dos contratos, apenas afirmando a essencialidade.
De maneira imediata, constata-se, através de tais condutas, a afronta aos ditames legais preceituados no CDC, pelo que dispõe o art. 6º, III, o qual preceitua que “são direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com suas especificação corretas”. Tal norma é infringida no momento em que a Operadora de Plano de Saúde, ao notificar o consumidor do ajuste anual de sua mensalidade, limita-se a mencionar o percentual que será aplicado sobre as parcelas, sem demonstrar materialmente, através de documentos, a necessidade de tal ajuste, proporcionando dúvida no consumidor sobre a real importância da atualização. Em síntese: fornece informações insuficientes ao consumidor, devendo ser responsabilizada por eventuais danos materiais e morais causados.
Além disso, por se tratar de relação contratual entre as partes, é ínsita a obediência ao princípio da função social do contrato. Segundo este princípio, “a função social do contrato visa atender desiderato que ultrapassa o mero interesse das partes. Nesse contexto, o plano de saúde, por ser um contrato de adesão, bem como por estar relacionado a serviço essencial da pessoa humana, não deve privilegiar unicamente o lucro da parte contratada, mas, sobretudo, o interesse do contratante, polo invariavelmente hipossuficiente na relação”[1].
Por mais que possa haver cláusula contratual que determine a liberdade do Plano de Saúde para determinar o percentual de reajuste anual, cumpre lembrar que o CDC, no seu art. 54, determina que “as cláusulas que implicarem em limitação de direito deverão ser redigidas em destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”. Além do mais, “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral”, conforme o art. 51, X, da mesma carta consumerista.
Ademais, o art. 39, inciso V, do CDC, veda expressamente aos fornecedores de produtos e serviços exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, sob pena de restar caracterizada prática abusiva.
Cumpre mencionar que, caso o consumidor não tenha mais interesse na manutenção do contrato em decorrência da conduta adotada pelo Fornecedor, poderá lançar mão da hipótese de Resolução Contratual por Onerosidade Excessiva. Esta se encontra prevista no Código Civil, o qual determina:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Diante de todo este arcabouço normativo, verifica-se que os Planos de Saúde devem demonstrar materialmente a necessidade de reajuste no percentual alegado. Por mais que se saiba que, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos coletivos e empresariais não sofrem limitações pela mencionada Agência no que concerne ao percentual de reajuste, conforme exposto anteriormente, o Fornecedor de Serviços não pode majorar o contrato sem observar as normas ora citadas.
Segundo a ANS, os contratos de planos de saúde INDIVIDUAIS ou FAMILIARES com aniversário (leia-se: quando completa ano de contratação) até abril de 2016 podem ser reajustados até o limite de 13,55%. Como dito, embora os contratos coletivos por adesão e os coletivos empresariais não se enquadrem nesta categoria, existem decisões judiciais recentes determinando que o percentual de reajuste dos contratos coletivos por adesão e empresariais não podem ultrapassar de maneira exorbitante o valor considerado pela ANS como razoável aos contratos individuais e familiares.
Portanto, por mais que não se tenha uma norma que regule efetivamente o percentual de reajuste anual nestas hipóteses, demonstra-se que a estipulação de valores abusivos de reajuste violam a boa-fé objetiva do fornecedor.
[1]{C} TJMA. Processo n.º 26227-83.2014.8.10.0001 (28435/2014). Juiz Hélio de Araújo Carvalho Filho, 12ª Vara Cível, São Luís/MA, 15 de outubro de 2014.