A INTERVENÇÃO DA MÍDIA NO CORPO DE SENTENÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI


29/01/2018 às 23h59
Por Marcus Moreira

Marcus Winícius de Lima Moreira[1]

João Batista Machado Barbosa[2]

 

RESUMO

 

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação e a agilidade com que notícias de todas as espécies se propagam por todo o mundo, surge a problemática da intervenção ou não destes meios de comunicação quando do julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri. Neste trabalho iremos discutir o papel da mídia como verdadeiros formadores de opinião, não deixando de demonstrar sua importância e sua função social. Sob a análise de casos concretos, demonstraremos o poder midiático no transcorrer de um processo criminal. Temos o objetivo ainda de buscar possíveis soluções para que seja respeitada esta pluralidade de direitos, seja por parte da mídia, seja por parte do réu de ação penal do júri.

 

Palavras Chaves: Mídia. Tribunal do Júri. Presunção de Inocência. Corpo de Sentença.

 

MEDIA INTERVENTION IN THE JUDGMENT OF THE BODY OF JURY

 

ABSTRACT

 

With the media's development and the agility with which news of all species spread throughout in the world , comes the question of intervention or not these media when of judgement of the Jury Court's competence crimes . In this work we will discuss the role of media as true trainers of opnion, not leaving of demonstrate its importance and its social function. Under the analysis of concrete cases, we will demonstrate the media power in the course of a criminal case. We have furthermore the objetive of seeking possible solutions to be respected this plurality of law, either from the media, either by part of the defendant of prosecution of the jury.

 

 

Keywords: Media. Jury Court. Presumption of innocence. Sentence Body

 

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Nos últimos anos a mídia vem crescendo em escala global, a cada ano os lucros aumentam de maneira significativa e devido a isto, existe uma busca incessante por cifras ainda maiores e a qualquer custo. Atrelado a isso, vivemos em um mundo que cada vez mais busca informação, é a chamada era da internet, mas que mantém o hábito de ver TV diariamente, conforme pesquisas publicadas e trazidas ao trabalho.

 

Já faz algum tempo que programas sensacionalistas vêm fazendo cada vez mais parte do dia-a-dia do cidadão brasileiro, de maneira que neste trabalho tentaremos fazer uma análise para saber se a mídia exerce de alguma maneira influência sobre os jurados, responsáveis pela condenação ou absolvição do réu. É importante destacar o papel da mídia na sociedade, trazer à tona a função social da mídia, porém, este trabalho visa mostrar um lado negro, que muitas vezes, tem o condão de privar a liberdade e a intimidade de um cidadão, atropelar direitos do indivíduo em nome da ganancia, da falta de ética e da missão incansável de lucros exorbitantes.

 

Infelizmente, vivemos em uma sociedade que grande parcela se propõe a dá audiência a este tipo de programação que, não excepcionalmente, ultrapassam a sua liberdade de expressão e massacram direitos e garantias individuais do cidadão tais como o direito a presunção de inocência, da intimidade, dentre outros que encontram amparo na carta cidadã de 1988.

 

Por outro lado, não podemos de maneira alguma, pregar um autoritarismo de maneira que os meios de comunicação fiquem engessados, sem ter o direito da liberdade de pensamento e opinião, o que se propõe no presente trabalho é delimitar até onde o choque de direitos (Imprensa x Acusado) pode interferir no conselho de sentença de modo que, o jurados sejam induzidos a fazer valer a opinião pública em detrimento de seu livre convencimento.

 

 Ao longo deste estudo, traremos alguns casos reais onde a imprensa incontestavelmente ultrapassou seus direitos e de alguma forma levaram ao seu público um suposto desejo de justiça que no fundo não passa de uma forma de buscar audiência e lucros desmedidos travestidos de justiça.

 

Antes de analisarmos as origens e características do Tribunal do Júri, é importante lembrar que vivemos em um mundo capitalista em que os meios de comunicação não mais se importam somente com a transmissão da notícia, mas sim a busca por dinheiro. Neste sentido, viver em uma sociedade que tem sede de sangue, programas sensacionalistas vêm fazendo cada vez mais parte do cotidiano, pois os grandes empresários sabem que este é um tipo de programação que vende, dá muitos pontos no Ibope, em resumo, a programação sanguinária se transforma em belas cifras.

 

2. O TRIBUNAL DO JÚRI

 

Conforme nos ensina Tourinho Filho, o Tribunal do Júri surgiu no Brasil no ano de 1822, para que fossem julgados os crimes de imprensa (FILHO, 2013, p. 771). Com o surgimento da Constituição imperial, passou a integrar o poder Judiciário, sendo um de seus órgãos, além de ver ampliada a sua competência para apreciar demandas cíveis e criminais. O Código de Processo Criminal do Império de 29 de novembro de 1832, dava competência para que o Júri julgasse quase todos os crimes, tendo este rol sido reduzido com a vinda da lei n° 261 de 1841 que fez uma reforma no Código de Processo.

 

A Constituição Federal de 1988 tratou de inserir o Tribunal do Júri no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, em seu artigo 5º, XXXVIII. Estabelece o referido artigo os princípios do Júri, que são: Plenitude de defesa, sigilo das votações e a soberania dos veredictos, além de delimitar a competência mínima de julgamento para os crimes dolosos contra a vida.

Fernando Capez (2012, p. 648) quando analisa o Tribunal do Júri e sua finalidade diz que

 

Sua finalidade é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares.

 

Atualmente, são crimes dolosos contra a vida, com previsão no Código Penal, os delitos de homicídio, infanticídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio e, por fim, o aborto. Sendo um direito fundamental, o rol da competência do júri não pode ser suprimido, nem mesmo por emenda constitucional, entretanto, se pode estender o direito.

O tribunal do Júri é composto por um juiz togado, a quem cabe a função de presidir a audiência, além de vinte e cinco jurados, dos quais sete formarão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.

 

Os jurados são pessoas comuns, do povo, podendo se alistar os cidadãos maiores de 18 anos, que gozem de notória idoneidade. Quando convocado, não pode o jurado se recusar injustificadamente a comparecer, pois é serviço obrigatório, podendo ser multado no caso de ausência injustificada. Destaque-se que, a lei processual prevê algumas situações em determinadas pessoas estarão impedidas de serem jurados.

 

Dos 25 jurados, para que os trabalhos se iniciem, se faz necessária a presença de pelo menos 15 destes, de modo que, o Juiz Presidente sorteará sete destes para formar o conselho de sentença, podendo o Ministério Público e o Advogado do réu rejeitar até três jurados, sem ter que fundamentar.

 

Após formado o conselho de sentença, determina o Código de Processo Penal, que o Juiz profira as seguintes palavras: “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça” (BRASIL, 2013), logo após, os jurados serão nominalmente chamados e responderão “assim eu prometo” é o que está posto no art. 472.

 

Apesar de receber o nome de conselho de sentença aos jurados compete determinar a autoria de materialidade delitiva imputada a uma determinada pessoa. Cabe ao juiz prolatar a sentença, é a regra do artigo 492 do Código de Processo Penal.

 

Devido o princípio da soberania dos veredictos, não pode um Tribunal Superior intervir no mérito da demanda, porém, o Código de Processo Penal traz a possibilidade de apelação da referida sentença, no entanto, o que poderá ocorrer é a anulação do Júri, nesse caso será designada nova data para novo julgamento, ou ainda, poderá o Tribunal reformular a pena, já que é atribuição do magistrado, mas não tem autorização para condenar ou absolver o réu.

 

3. A MÍDIA E O SENSACIONALISMO

 

O ser humano é um ser social, e por isso, sente a necessidade de se comunicar, tanto é que inventou a escrita. Com o passar dos tempos, os meios de comunicação evoluíram, a mente humana mudou, mas nem por isso deixamos de ser seres sociais, que precisam de informação e comunicação.

 

Atualmente, alguns meios de comunicação têm crescido significativamente no Brasil, isso se dá pela melhoria da comunicação, pela globalização e pelas melhores condições que o consumidor tem encontrado, dando-lhe livre acesso à produtos como rádios, TVs, computadores, tablets e etc. Fato é que, o brasileiro tem se comunicado mais, está mais antenado.

 

Uma pesquisa feita pelo Ibope e publicada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República[3], que demonstra hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, divulgada em 19 de dezembro de 2014, mostra que 95% dos brasileiros assistem TV regularmente, sendo que, 74% veem todos os dias durante uma média de 4h31 durante a semana e 4h14 nos finais de semana.

 

Segundo a pesquisa, o rádio está em segundo lugar na preferência dos brasileiros, onde 55% dos entrevistados disseram ouvir o rádio diariamente. Quem vem crescendo nos últimos anos também é a internet, 42% dos entrevistados disseram acessar à internet. A pesquisa foi feita em todo o território nacional e foram ouvidas 18 mil pessoas.

 

Esta pesquisa serve para demonstrar o quanto os brasileiros usam os meios de comunicação, um ponto muito interessante é que, os dados revelam que 58% dos leitores de jornais impressos dizem confiar sempre ou quase sempre nas notícias, enquanto que, dos telespectadores de jornais, 54% dizem confiar sempre ou quase sempre nas notícias, seguido dos ouvintes que somam 52%.

 

Isso demonstra que a mídia brasileira ainda goza de muita confiança por parte dos brasileiros, mais da metade dos entrevistados disseram acreditar nas notícias veiculadas, pode não parecer, mas é um número bastante expressivo, dada a qualidade da informação oferecida a nós brasileiros.

 

Não é demais reforçar que o presente trabalhado não busca fazer apologia à censura ou algo similar, mas tão somente demonstrar até onde o poder midiático interfere no transcorrer de um processo de competência do Tribunal do Júri.

 

Para fazermos tal análise, devemos destacar que atualmente no Brasil não existe lei de imprensa, isso porque quando do julgamento da ADPF nº 130 o STF entendeu que a lei 5.520/67 (lei que regulamentava a liberdade de expressão nos crimes de imprensa) era incompatível com a atual ordem constitucional, motivo pelo qual desde 2009 não temos regulamentação quanto ao assunto.

 

Ademais, como já dito outrora, os jurados são pessoas comuns, do povo. Quando fala da TV, a antropóloga Heloisa Buarque de Almeida diz: “A TV influencia a sociedade naquilo que é mais repetitivo e exibido de modo constante ao longo do tempo – as pessoas não mudam seu comportamento ou sua visão de mundo por causa de algo a que assistiram uma só vez” (ALMEIDA)

Essa influência se dá devido a vivermos no ápice do sensacionalismo midiático, ou seja, transmitem a informação de modo a impressionar o receptor da informação, em nome dos lucros exorbitantes pretendidos. Ainda quando a imprensa se vale de forma estratégica de uma linguagem informal como modo de fazer aqueles que recebem a notícia entender, quase sempre, da maneira como é passada.

 

Não é difícil que qualquer cidadão ao ligar a TV, rádio ou acessar à internet, veja notícias que foge totalmente a simples intenção de informar. Aqui em nossa cidade mesmo, temos programas de televisão em que o apresentador chacoalha uma colher de ouro na mão enquanto faz os indivíduos que foram pegos pela polícia passar por humilhações e vexame ao vivo. Temos ainda um apresentador de rádio que é muito conhecido pelo seu famoso jargão “ah ladrão”.

 

Programas como esses, não têm somente o propósito de manter o Telespectador ou ouvinte informado, mas buscam audiência por vias alternativas e apelativas, quando buscam ridicularizar a imagem de uma pessoa acusada de ter incorrido em algum crime. É o famoso sensacionalismo, transformando o que deveria ser algo baseado na ética e respeito, em algo bizarro e escandaloso, para que chame a atenção. Ocorre que isso finda tendo consequências desastrosas dentro do processo penal pátrio.

 

Nos dias atuais, principalmente no Brasil que, comumente, a educação nunca é uma das prioridades dos governantes, digerir uma notícia e fazer uma análise crítica não é bem o hábito dos brasileiros, de maneira que, do jeito que é passada determinada informação, esta é tratada como verdade absoluta e incontestável, gerando por muitas vezes uma sede de vingança na população e consequentemente nos jurados.

 

Não se deve de maneira alguma “endeusar” ou “inocentar” quem comete crimes, no caso em análise, os de grande repercussão e de competência do Tribunal do Júri, mas é indubitável que devemos dar ao acusado o direito à honra, intimidade, dignidade da pessoa humana, presunção de inocência, o devido processo legal, pois vivemos em um estado democrático de direito, de modo que, todos têm direito de se defender perante a justiça, ademais, o sistema processual penal pátrio adota o sistema acusatório e todas as suas consequências, fazer pré-julgamentos midiáticos é retroagir e se valer do sistema inquisitório onde o responsável pelo andamento do processo seria a imprensa.

 

4. DIREITO À INTIMIDADE E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA X LIBEDADE DE EXPRESSÃO/IMPRENSA

 

A nossa constituição elenca uma serie de princípios que visam resguardar direitos e garantias fundamentais do cidadão, o legislador constituinte elaborou a nossa magna carta “olhando para o retrovisor” como meio de impedir que passássemos novamente tempos de repressão e autoritarismo, vividos outrora.

 

Neste diapasão, a carta de 1988 em seu artigo 5º, IX, traz o direito à liberdade de expressão quando diz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (BRASIL, 2013)

 

Ante a leitura do dispositivo constitucional, podemos dizer que, quando a liberdade de expressão é usada pela imprensa, temos a liberdade de imprensa. Neste sentido, se faz oportuno valer-se das palavras do Professor André Ramos Tavares (2014, p. 478-9), quando fala da liberdade de expressão e diz:

 

Dentre os direitos conexos presentes no gênero liberdade de expressão podem ser mencionados aqui, os seguintes: liberdade de manifestação de pensamento; de comunicação; de informação; de acesso à informação; de opinião; de imprensa, de mídia, de divulgação e de radiodifusão.

 

Temos que destacar o papel fundamental da imprensa no Brasil e no mundo, contudo, atualmente ela vem se tornando uma verdadeira formadora de opiniões, tendo significante peso em diversos setores da sociedade, no caso aqui estudado, nas decisões do Tribunal do Júri. O saudoso Rui Barbosa (1990, p. 20) ao falar da imprensa e sua importância, nos diz que

 

A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alveja, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.

 

Na mesma obra, Rui Barbosa (1990, p. 22) diz ainda que:

 

Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de ideias falsas e sentimentos pervertidos, um país, que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições.

 

A liberdade de comunicação é um direito certo, seja por parte dos meios de comunicação quanto pelo seu respectivo público, contudo, se faz necessário destacar o papel fundamental da imprensa, onde ao mesmo tempo que tem o direito da liberdade de expressão ou comunicação, deve ter o compromisso com a verdade e de ser uma transmissora de informação e não uma espécie de tribunal de exceção.

 

Opostamente, temos o princípio da presunção de inocência e o direito à intimidade que, igualmente ao princípio da liberdade de expressão, encontram amparo na constituição de 1988, mais precisamente em seu art. 5°, X e LVII quando diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” e “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 2013).

            Sobre a presunção de inocência, Eugênio Pacelli de Oliveira (2013, p.48) diz que

 

Afirma-se frequentemente em doutrina que o princípio da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus de prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação.

 

            Ainda sobre, Fernando Capez (2012, p. 83) traz em seu Manual de Processo Penal:

 

Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual. Convém lembrar a Súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a prisão processual não viola o princípio do estado de inocência.

 

Se faz importante destacar o direito à intimidade quando se trata do tema estudado, pois este é comumente atropelado quando se trata de crimes contra a vida, ou até mesmo nos que não são de competência do Júri, mas que têm grande repercussão, tendo por muitas vezes a honra, a imagem, a dignidade ferida de maneira cruel e injusta.

 

Como diz o Doutor André Ramos Tavares, a Constituição não arrolou expressamente um direito à privacidade, resolveu o constituinte deixar resguardados direitos de modo “autônomo”, sem que se use a expressão direito à intimidade como de forma genérica, porém, defende o mesmo autor, que para fins doutrinários e pedagógicos a expressão pode ser vista em sentido amplo.

            Neste sentido, defende o professor André Tavares (2014, p.530) que

 

O direito à privacidade é compreendido, aqui, de maneira a englobar, portanto, o direito à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo das comunicações e ao segredo, dentre outros.

 

Trazendo para o objeto de nosso estudo, deve ser resguardado ao réu o direito à privacidade, pois o fato de alguém cometer um crime, por mais brutal que seja, não dá o direito de que outras pessoas subtraiam dela os seus direitos fundamentais, eles podem até ser flexibilizados, como no caso da prisão, em que lhe é flexibilizado o direito à liberdade, mas o direito à intimidade, nos moldes do nosso estudo, não merece ser ignorado.

 

Resta claro que não se pode restringir os direitos do acusado de ter cometido crime doloso contra a vida, principalmente nos de grande repercussão, pelo simples fato de ser “réu”, sob pena de ter o mesmo um julgamento antecipado de modo a ver em seu desfavor uma sentença condenatória totalmente desprovida do devido processo legal, pois, não se pode dizer que um julgamento midiático seja imparcial e justo.

 

Ademais, como já dito anteriormente, não se pode retirar da imprensa o direito de manter o cidadão informado, devemos dar os devidos créditos da mídia quando esta leva informação e cultura às famílias do Brasil e do mundo, tendo esta, papel relevante na sociedade contemporânea.

 

Porém, surge um questionamento: o que fazer diante o conflito de dois princípios fundamentais, igualmente assegurados pela Constituição Federal? A resposta está na ponderação de princípios! Ou seja, não se pode suprimir o direito de um para que se dê o direito do outro, se faz necessário que no caso concreto se analise qual direito requer maior atenção de modo a não “atropelar” o direito alheio.

 

A regra constitucional é que nenhum direito é absoluto, de maneira que em certas situações, se possa flexibilizar o direito de um para salvaguardar o direito de outrem. Dessa maneira, o direito constitucional da liberdade de expressão não pode ser atacado de maneira arbitraria pelo Estado, porém, diante de situações específicas, o Estado deve intervir para que não haja um desequilíbrio na balança.

 

Nathalia Masson (2015, p. 65) em seu Manual de Direito Constitucional quando fala de conflito entre princípios e cita exemplo de direito à liberdade de expressão e à intimidade, perfeitamente utilizável em nossa análise, nos diz que

 

Forçoso será, pois, reconhecer que ambos serão valores demasiado caros ao ordenamento e que ostentam idêntica importância e status normativo, de modo que a solução é salvaguardar ambos, a partir de condicionamentos recíprocos. Sendo possível, o ideal é a concordância prática, a redução proporcional de cada um deles que não ocasione o sacrifício de um em detrimento de outro.

 

Trazendo para o questionamento do presente trabalho, não é necessário que se faça censura à imprensa, mas, em casos de grande repercussão, deve os meios de comunicação buscar tão somente a transmissão da notícia, totalmente desprovida de achismo, senso comum e principalmente sensacionalismo.

Rogério Tucci (1999, p. 114) aduz que

 

Portanto, a liberdade de imprensa é um valor de hierarquia constitucional, que não pode ser conspurcado com restrições como a censura prévia. Mas não pode ser esquecido que, ao lado ou em posição da liberdade de imprensa, existem outros valores de igual nobreza constitucional que são intimidade, a imagem, a honra, o devido processo legal e a presunção de inocência.

 

Não se pode exterminar a imprensa, pois ela tem papel de grande relevância, como já visto. Deve se flexibilizar um direito em favor de outro que carece de maior atenção no momento, no nosso estudo, veremos casos concretos em que a imprensa deixa de lado a sua função social e faz um verdadeiro “show” na vida do cidadão. Os meios de comunicação devem respeitar a cima de tudo o devido processo legal, pois, aquele que é condenado sem este, mesmo que sua culpa salte aos olhos, não poderemos dizer que foi feita justiça.

 

5. ANÁLISE DE CASOS

5.1. ISABELA NARDONI

 

Isabella de Oliveira Nardoni foi morta aos cinco anos de idade, na noite do dia 29 de março de 2008, na cidade de São Paulo ao ser arremessada do sexto andar do Edifício London, situado na Rua Santa Leocádia, n° 138, distrito de Vila Guilherme.

 

No dia 29 de março de 2008, já próximo das 00:00 horas, a família Nardoni chegava ao condomínio onde moravam. No carro, estavam além do casal, a filha e vítima de Alexandre Nardoni (Isabella) e seus dois irmãos (Pietro e Cauã), estes, filhos de Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, sua madrasta.

 

Em suas versões na polícia, tanto o pai de Isabela, Alexandre Alves Nardoni, quanto a madrasta da vítima, Anna Carolina Peixoto Jatobá, sustentaram que a criança teria sido arremessada por um assaltante, contudo, o mesmo não teria subtraído nenhum objeto da residência.

 

O pai da criança alegava que teria ido deixar Isabella, que já estava dormindo, quando retornou para ajudar sua esposa levar as outras crianças para o apartamento, tendo este percurso demorado cerca de 10 minutos, quando da volta à residência da família, verificou que a tela de proteção havia sido cortada e sua filha arremessada pela janela.

 

No dia 31 de março os veículos de comunicação já estavam em frente à residência da família, fazendo toda a cobertura do caso que comoveu todo o país, pois de fato, foi um crime bárbaro. Enquanto isso, o pai e a madrasta da vítima prestavam depoimento na delegacia que durou cerca de 24 horas.

 

Já no dia 1° de abril do mesmo ano, a polícia já descartava a hipótese de assalto e já trabalhava com a linha de investigação de homicídio, fato que quando divulgado, causou grande comoção da sociedade e sede de justiça. No mesmo dia, o Jornal Folha de São Paulo publicou que os primeiros laudos do Instituto Médico Legal apontavam indícios de asfixia anteriores à queda da menina. Os legistas teriam duvidado até mesmo que a menina tivesse caído, devido ao baixo número de fraturas em seu corpo.

 

No dia 2 de abril, o delegado que investigava o caso, Bel. Calixto Calil Filho, disse que iria solicitar novas perícias no carro e no apartamento, segundo ele "No dia dos fatos, o perito com pressa, muita gente em cima, pode ter passado alguma coisa despercebida"

 

No dia 3 de abril, o casal tem suas prisões temporárias decretadas e se entregam no fim da tarde, a população já estava eufórica, inclusive já haviam pichado muros do condomínio onde os acusados moravam.

 

Em 11 de abril o casal consegue ordem de habeas corpus, sendo libertados, na saída, populares empunhavam pedras, porém, ninguém chegou a arremessar contra o casal que saiu de carro em direção a casa de parentes. 

 

No dia 24 de abril, já próximo da conclusão do Inquérito Policial, o Promotor de Justiça, Francisco Taddei Cembranelli, dava entrevistas dizendo que a cena do crime havia sido adulterada "Tentou-se maquiar a versão verdadeira. Tentaram remover as manchas de sangue e até conseguiram remover algumas, mas os equipamentos de perícia modernos captaram a alteração".

 

Entre idas e vindas, sempre acompanhadas pelos olhos atentos da imprensa, o casal resolve dar sua primeira entrevista à um canal de Televisão, foi então que no dia 20 de abril de 2008 o casal foi ao ar no “Fantástico” tendo ambos negado a autoria do crime e sustentado a tese de latrocínio, a reportagem foi reproduzida por outras emissoras.

 

Em 07 de maio de 2008 o juiz, Maurício Fossen recebe a denúncia contra os acusados, tendo eles sido acusados por homicídio triplamente qualificado (meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e para ocultar outro crime), no mesmo dia, o magistrado decretou a prisão preventiva dos acusados, sob os fundamentos da conveniência da instrução criminal, pois, restava claro que alguém havia alterado a cena do crime com o intuito de frustrar as investigações e ainda sob o fundamento do clamor público, haja vista que o caso tinha comovido o país e a sociedade pedia justiça .

 

Sempre com as lentes da imprensa focadas, o processo transcorreu junto ao 2º Tribunal do Júri da Comarca da Capital paulista, sob n° 274/2008, tendo como juiz o Dr. Maurício Fossem. Terminada a primeira fase do júri, onde o magistrado indica se os acusados irão à Júri popular, foi agendado julgamento para o dia 21 de março de 2010, o mesmo durou cinco dias.

 

Dado todo o estardalhaço feito pela mídia, o casal foi considerado culpado. Alexandre Nardoni foi condenado em 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, por homicídio triplamente qualificado, além de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada e Ana Jatobá em pena de 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e também condenada por fraude processual qualificada com pena de 08 (oito) meses de detenção

 

5.1.1. FATOR MIDIÁTICO

           

Como não podia ser diferente, a imprensa fez a cobertura desde a investigação policial até a condenação dos réus, porém, não se pode deixar de comentar algumas das várias aberrações que ocorreram durante este lapso temporal.

O programa policial “Brasil Urgente” pôs no ar imagens em que apareceria o pai da vítima, Alexandre Nardoni, em um bar bebendo cerveja na noite do crime, os advogados de defesa alegaram que não era Alexandre nas imagens, foi quando o apresentador de forma irônica e desnecessária sugeriu que Alexandre Nardoni “teria um irmão gêmeo”.

 

O caso se tornou lucrativo, pois dada a comoção da sociedade, a audiência dos jornais disparava. No dia 09 de abril de 2008, Ricardo Boerchat acusou as redes de TVs concorrentes da Rede Bandeirantes de terem “copiado” as imagens exclusivas do circuito interno de TV em que mostraram Alexandre, Anna, Isabella e os irmãos, no supermercado, horas antes da morte da Isabella. Neste mesmo episódio o apresentador acusou as Redes Globo e Record de serem “privilegiadas” quando alguma autoridade quer entregar algum vídeo com imagens, mas que quando a Band conseguia um furo, o direito autoral não era respeitado.

 

No dia 10 de abril o mesmo Jornalista, em seu programa de Rádio afirmou que a redação teria recebido a informação de que a verdadeira assassina da criança teria sido apenas a madrasta dela, porém, essa informação não foi comprovada nas investigações e perícias.

 

Desde a notícia do crime, a imprensa não deu sossego à familia dos acusados nem mesmo da mãe da vítima, o caso tomou proporções gigantescas, a cada oitiva na delegacia, as ruas ficavam lotadas de cinegrafistas e repórteres, para que os interrogados saíssem das dependências da delegacia era preciso enfrentar vários holofotes que impediam o acesso em busca de notícias.

 

Os grandes telejornais tinham comentaristas e a maior parte do programa era referente ao caso, poucos meses após o crime e já tinha comentários sobre pena, pericias que misteriosamente vazavam, promotor, delegado e vários outros envolvidos na investigação davam entrevistas diariamente, não era incomum o envio de cartas à imprensa primeiro foi o próprio Alexandre Nardoni, depois sua irmã e posteriormente Carolina Jatobá.

            Conforme publicou Glaucia Milício em sua página no site “Consultor Jurídico”, em 22 de maio de 2008

 

O promotor foi criticado por quebrar o sigilo do caso. Um dia depois de o juiz decretar segredo de Justiça no inquérito, o promotor convocou uma entrevista coletiva para falar sobre o caso. A ação do promotor fez o juiz Maurício Fossen, do 2º Tribunal do Júri de São Paulo, dar-lhe um “puxão de orelhas” e suspender o segredo de Justiça do caso. (MILÍCIO, 2008)

           

Quando da sentença condenatória, o magistrado manteve a prisão preventiva para garantir a ordem pública, segundo o juiz, o caso havia tomado dimensões tais que, conceder liberdade provisória naquele momento poderia colocar em risco a credibilidade do judiciário, vejamos o trecho da sentença:

 

Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados, pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta Capital, mas de todo o país, que envolveu diversas manifestações coletivas, como fartamente divulgado pela mídia, além de ter exigido também um enorme esquema de segurança e contenção por parte da Polícia Militar do Estado de São Paulo na frente das dependências deste Fórum Regional de Santana durante estes cinco dias de realização do presente julgamento, tamanho o número de populares e profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora, quando já existe decisão formal condenando os acusados pela prática deste crime, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de instrução. (Grifos acrescidos) (FOSSEN, 2010)

 

Diante da leitura deste trecho da sentença penal condenatória, fica evidente o poder que a mídia exerceu quando do julgamento. O próprio magistrado registrou em sentença o clamor público pela condenação. Não foi diferente com os jurados, é de se imaginar a pressão sobre os mesmos, pois naqueles dias de julgamento a população e imprensa que estavam do lado de fora do Fórum, pediam em uma só voz a condenação dos réus.

 

É relevante destacar que, o magistrado poderia, quando do momento da sentença condenatória, tendo em vista que a mesma ainda não havia transitado em julgado e que a prisão preventiva em nosso sistema jurídico é ultima ratio, ter concedido o direito dos réus recorrerem em liberdade, contudo, o juiz manteve a custódia cautelar com a justificativa do clamor público. Notadamente com receio das consequências da libertação dos réus, porém, como já dito, a prisão preventiva é a última hipótese das medidas cautelares, não seria possível aplicar uma menos gravosa aos acusados?

 

Situação diversa foi quando do julgamento do Habeas Corpus n° 110.175 – SP, onde a 5ª turma do STJ denegou a ordem, fundamentando que se fazia necessária a custódia cautelar dos acusados, tendo em vista a alteração da cena do crime, com o intuito de dar melhores condições à investigação e instrução processual. Deve se notar que, a decisão do STJ se deu com a presença de dois pressupostos elencados no art. 312 do CPP, quais sejam: Conveniência da instrução criminal e clamor público, sendo que, a manutenção da prisão no momento da sentença condenatória, se deu tão somente pelo clamor público, pois, o outro motivo não mais existia.

É oportuno trazer à baila as palavras do Doutor Fábio Martins de Andrade (2010, p. 2), quando analisa o fator midiático sobre o julgamento dos Nardoni, ele diz

 

Esse parece ser o verdadeiro papel reservado para a mídia na Democracia que vivemos nesse século XXI: bem informar ao público. Contudo, quando assistimos, como no caso em foco, os órgãos da mídia pressionando e rondando a notícia como verdadeiros abutres atrás de carniça, estamos convencidos de que caminhamos para trás alguns séculos e voltamos aos linchamentos em praça pública, quando populares gritavam e enxovalhavam os réus que nada podiam diante daquela massa que só queria ver seu sangue. É isso o que queremos?

 

Outro ponto que merece ser lembrado, fato registrado no livro “A prova é testemunha” de Ilana Casoy, que assistiu ao Júri, ela diz que “O advogado de Defesa contratado pela família dos réus, dr. Roberto Podval, chega sob uma pequena manifestação de vaias, mas passa rápido pelos jornalistas e não dá nenhuma declaração à imprensa” (CASOY, 2010). Enquanto isso, após o julgamento, o promotor Francisco Cembranelli era esperado para entrevista coletiva, sendo recebido como se fosse um justiceiro, uma espécie de herói. Após a leitura da sentença, populares soltaram fogos do lado de fora do Fórum. Resumindo, a imprensa fez com que o advogado dos réus fosse tido como um malfeitor, enquanto o promotor de justiça era o paladino da justiça.

 

5.2. ELIZA SAMUDIO

 

O caso Eliza Samudio ainda guarda muitos mistérios, isso porque os envolvidos no caso relutam em informar às autoridades pontos importantíssimos do iter criminis, um dos mais relevantes, é onde foi desovado o corpo da atriz e modelo, que até os dias de hoje, mais de cinco anos após o crime, não foi encontrado.

 

O caso ganhou grande repercussão na mídia nacional e internacional pois envolve o então goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes. A atriz, na época dos fatos, dava entrevistas dizendo ter conhecido o jogador em uma festa particular, onde o casal manteve relações sexuais, tendo se encontrado mais vezes com o jogador, posteriormente a modelo engravidou. Daí começa uma trama que findou na morte da jovem de apenas 25 anos.

 

Há que se destacar que antes mesmo do evento criminoso, o caso entre os dois já vinha sendo noticiado pela mídia, devido Eliza frequentemente ir à imprensa fazer denúncias contra o atleta, uma das mais divulgadas foi quando ela foi à Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro para registrar queixa de que o atleta havia lhe agredido devido sua recusa em aceitar uma proposta financeira para que ela abortasse.  Após isso, era comum ver notícias envolvendo o casal. “Agora ele já sabe que qualquer coisa que acontecer comigo ele vai ser o culpado” essas foram as palavras de Eliza reproduzidas em uma entrevista ao Jornal “Extra” na saída da delegacia da mulher, no dia 13 de outubro de 2009.

 

Na versão do jogador, este teria conhecido a garota em uma festa, onde mantiveram relações sexuais apenas uma vez e desta relação nasceu a criança. Em suas entrevistas, o ex-goleiro sempre disse que teria levado a modelo para um sítio de sua propriedade em Minas Gerais, onde iria dar a ela um valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) além de registrar a criança. Após a chegada na propriedade, deixou as pendências com a modelo para serem resolvidas por seu amigo e funcionário, outro envolvido no caso, Luiz Henrique Ferreira Romão, vulgo “Macarrão”, reza a versão do atleta que “Macarrão” sem o seu conhecimento, contratou Marcos Aparecido dos Santos, popularmente conhecido por “Bola”, e ambos se encarregaram de dar fim à vida da jovem.

 

Entretanto, o Ministério Público, quando da denúncia contra os acusados, disse que o crime havia sido premeditado, tendo os acusados agido em unidade de desígnios no sentido de exterminar a vida da vítima. Narra a denúncia que os acusados sequestraram a modelo e seu filho na cidade do Rio de Janeiro e posteriormente estes foram levados ao sítio do então goleiro, localizado na cidade de Contagem em Minas Gerais. No dia 10 de junho de 2010, a mando de Bruno, “Macarrão” e “Bola” foram os responsáveis por executarem o plano.

 

A trama é repleta de idas e vindas, porém, para fins do nosso estudo, se faz necessário destacar apenas alguns pontos relevantes, como por exemplo, uma figura chave no caso, o Jorge Luiz Rosa Sales, primo de Bruno e menor de idade à época dos fatos. Este cidadão, que teve participação direta em toda a trajetória criminosa, deu muitos depoimentos à Justiça e à polícia, contudo, destes depoimentos, saíram várias versões.

 

Em uma primeira versão, Jorge disse que o ex-goleiro não sabia de nada do crime e que tudo tinha sido arquitetado por “Macarrão”, posteriormente, em entrevista a VEJA, refutou esta versão e disse que Bruno “não tinha como não saber”. Importante destacar para nossa pesquisa que, Jorge deu diversas versões sobre o crime, tendo ido à programas de televisão, rádio e dado entrevistas à sites de notícias, após seu livramento da medida sócio educativa e sua maioridade, podendo ele aparecer em público e conceder entrevista quantas vezes quisesse, este se tornou o “objeto de desejo” de toda mídia brasileira, pois era procurado constantemente pela mídia para que contasse mais sobre o acontecido, o resultado disto é o já dito: várias versões, não tendo nenhuma delas sido comprovada em sua totalidade.

 

Um ponto importante a ser analisado no presente caso é o fato de que, até o momento não foi localizado o corpo da vítima e por ser o homicídio um crime material, ou seja, aquele crime que deixa vestígios, como poderia o Tribunal do Júri condenar uma pessoa sem que haja corpo, alguns chegam a dizer que, “se não tem corpo, não tem crime”. Ocorre que, o sistema penal pátrio, admite a formação da culpa por outros meios de provas, apesar da regra do artigo 158 do CPP exigir exame de corpo de delito, aonde o dispositivo legal diz que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado” (BRASIL, 2013), contudo, o artigo 167 do mesmo código traz a possibilidade de outros meios, diz ele que “ Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta” (BRASIL, 2013).

 

Dito isto, podemos dizer com o respaldo da lei que, quando não é possível fazer o exame de corpo de delito de forma direta, se fará de forma indireta, ou seja, através de testemunhas, vestígios de sangue e etc., no caso em análise, por exemplo, vestígios do sangue da vítima foi encontrado no carro do jogador, dentre outras muitas provas que foram acostadas aos autos. Sobre o tema, o professor Luiz Flávio Gomes em artigo publicado no site “conteúdo jurídico” diz

 

Fica claro que, teoricamente, não podemos negar a possibilidade de uma condenação por homicídio sem que tenha sido encontrado o cadáver, mas desde que estejam presentes outros meios de prova, sobressaindo-se a testemunhal. Paralelamente a essa prova testemunhal podem existir outros indícios. No plenário do júri tudo tem que ficar muito bem esclarecido. Os jurados somente votam pela condenação quando estão convencidos. Sabem que é melhor absolver um culpado que condenar um inocente. Em casos como do goleiro Bruno é fundamental a confiança que cada parte transmite aos jurados. (GOMES, 2012)

           

            No dia 8 de julho de 2010, o portal “G1” divulgava que a prisão preventiva de Bruno e “Macarrão” havia sido decretada no dia anterior pelo juiz Marco José Mattos Couto, titular da 1ª Vara Criminal, segundo noticiado o motivo da prisão cautelar foi devido “fatos recentes mostram a periculosidade dos réus em coagir testemunhas no curso do processo” (UCHÔA, 2010). Ou seja, os acusados tiveram suas prisões cautelares baseadas na conveniência da instrução criminal.

 

No dia 6 de dezembro de 2010, a justiça carioca condenou Bruno a pena de 4 anos e 6 meses por cárcere privado, lesão corporal e constrangimento ilegal contra Eliza Samúdio, macarrão foi condenado a 3 anos por cárcere privado.

 

Em agosto de 2010 a justiça mineira, responsável pela instrução criminal referente ao crime de homicídio, decretou a preventiva dos acusados. O primeiro a ser condenado foi Luiz Romão, o “Macarrão” que pegou 15 anos de prisão, dos quais são 12 por homicídio com três qualificadoras e 3 por cárcere, a pena no mínimo legal se deu devido a confissão do réu, que fez com que a juíza reduzisse a sua pena. O Segundo a ser julgado foi o goleiro Bruno que foi condenado a uma pena de 22 anos e 3 meses por homicídio com três qualificadoras, sequestro e cárcere privado, além de ocultação de cadáver. A sentença datada de 08 de março de 2013 não deu direito de o réu recorrer em liberdade. Marcos Aparecido, o “Bola” foi condenado a pena de 22 anos de prisão por homicídio com três qualificadoras e ocultação de cadáver.

 

Com base na morte presumida, a juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, determinou que fosse expedida a certidão de óbito de Eliza Samúdio, tendo o Cartório de Registro civil de Vespasiano emitido o documento, nele consta que a vítima foi morta no dia 10 de junho de 2010, em horário ignorado, na rua Araruama, n° 173, Santa Clara, Vespasiano/MG. O endereço é o mesmo endereço de um dos envolvidos no crime, o ex-policial civil Marcos Aparecido dos santos, de alcunha “Bola”.

 

5.2.2 FATOR MIDIÁTICO

 

O fato do caso envolver uma pessoa pública, ídolo de um dos maiores clubes de futebol do Brasil, inclusive, o goleiro tinha em mãos propostas para jogar fora do país, além de ter seu nome ventilado para defender a seleção brasileira, fez com que o caso se tornasse cada vez mais atrativo à mídia, tendo o caso alcançado repercussão internacional. Diariamente se via notícias sobre o crime e ainda nos dias de hoje, depois de passados mais de cinco anos, ainda é possível ver entrevistas dos envolvidos em que dão suas versões, sempre negando a autoria.

 

Uma das peças chaves do caso foi o primo do goleiro Bruno, o adolescente, na época dos fatos, Jorge Luiz Rosa Sales. A TV globo foi ao ar, no programa “Fantástico” com o depoimento de uma testemunha fundamental, conforme disse o professor Luiz Flávio Gomes em artigo publicado no site “JusBrasil”, quando ele disse:

 

No caso do ex-goleiro Bruno o Fantástico conseguiu ouvir o seu primo Jorge Luiz (menor na época dos fatos), colocando no ar seu depoimento. O que a Justiça não vem conseguindo fazer, a Globo fez. E o povo todo, inclusive quem vai servir de jurado do caso, viu e ouviu a nova versão dessa importante testemunha, que foi a primeira a revelar que Eliza Samúdio foi levada a um local afastado para ser assassinada. (GOMES, 2013)

 

Como não poderia ser diferente, em crimes como esse, de grande repercussão, as emissoras de rádio e TV tinham comentaristas, onde abordavam determinados temas na medida em que a informações do processo iam “vazando”, outra coisa que ocorre bastante nessas demandas. De um lado o repórter Rayder Bragon publicava no portal “UOL” que “O advogado Rui Pimenta, um dos defensores do goleiro Bruno Souza, voltou a afirmar nesta segunda-feira (19) que não há comprovação da morte de Eliza Samúdio, ex-amante do goleiro” (BRAGON, 2012), opostamente, já após a condenação, o promotor do caso Dr. Henry Wagner, dava entrevistas e lamentava que a pena imposta ao jogar era baixa e que o MP já estava se mobilizando para recorrer, buscando a majoração da pena.

 

O fato é que, tendo em vista a repercussão do crime, perícias vazavam, polícia, ministério público, advogados de defesa e muitos outros envolvidos no processo, davam entrevistas diariamente, detalhes do crime eram divulgados, advogados alegavam a todo momento que a vítima estava viva, o ministério público prometia condenação e o receptor desse turbilhão de notícias ficava cada vez mais confuso, contudo, era absoluto nos noticiários que Bruno e os demais, haviam ceifado a vida de Eliza Samúdio.

 

Como esperado, no dia do julgamento de Bruno e também no dos demais, a mídia e a sociedade mineira lotavam o auditório do júri e as ruas próximas do fórum, faixas pedindo justiça foram colocadas, a população estava eufórica e pedia a condenação do ex-goleiro, pois, muitos tinham o receio de que pelo fato de envolver uma pessoa de fartas condições financeiras, a justiça fosse deturpada e o poder econômico prevalecesse em detrimento de uma vida, isso foi muito trabalhado na mídia também.

 

O advogado do goleiro no dia do julgamento, segundo publicou o portal “UOL” em 07 de março de 2013, não deixou de destacar a influência da mídia no caso “A condenação de Bruno é para atender apelo dramático da mídia. Um show midiático que prejudicou meu cliente" bradava o patrono.

 

O caso foi tão divulgado que a TV americana A&E produziu um documentário sobre crimes passionais e entre seus episódios estava o “Penalidade Máxima” que falava sobre o Caso Eliza Samúdio e o goleiro Bruno, o que mais chama atenção é que o documentário foi ao ar em 2012, ou seja, antes do julgamento do atleta, teria isso também influenciado no julgamento?

 

6. CONCLUSÃO

 

Após passarmos por casos reais, demonstrando a intervenção da mídia em seus respectivos julgamentos, fica evidente que, atualmente, a mídia exerce uma influência muito grande na sociedade e consequentemente no julgamento dos crimes de competência do júri. Isso fica claro quando vemos na TV a cobertura de um crime dessa natureza, onde as emissoras fazem plantão em frente ao local do fato, dependências de delegacias, do Ministério público e do Judiciário, a fim de não perder nenhum fato, eles acompanham com suas lentes atentamente a cada ato do processo.

 

Deve-se perguntar: E isso é “ilegal”? Não! Porém, devermos observar pela ótica da moral, da ética e da humanização. A regra é que o processo penal seja público, ressalvadas as hipóteses em que será decretado o sigilo. Não obstante, neste trabalho tivemos a oportunidade de demonstrar que as vezes, até mesmo aqueles que deveriam zelar pelo processo acabam se encantando pelos holofotes e deturpando alguns valores do processo, como foi o caso do promotor do caso Isabella que, após decretado o segredo de justiça pelo judiciário, o mesmo convocou uma entrevista coletiva e passou mais informações sobre o processo.

 

É sempre importante reforçar a ideia de que o presente trabalho acadêmico não visa exterminar a mídia do Brasil, nem mesmo jogar a culpa de todas as mazelas da justiça em seus ombros, contudo, a finalidade do nosso estudo está no fato da grande influência que o poder midiático exerce, tolhendo direitos dos acusados. Sobre o tema, é salutar trazer as palavras do professor Luiz Flávio Gomes em artigo publicado no “JusBrasil” quando aponta que:

 

A mídia não é um poder (não é o quarto poder). É uma força relevante dentro da democracia, tanto quanto o é a advocacia, a defensoria, o Ministério Público, a polícia etc. Como força que busca interferir na busca da verdade ou no resultado dos julgamentos, ela (já que conta com mais credibilidade junto à população que a própria Justiça todas as pesquisas confirmam isso), muitas vezes, consegue coisas que nem sequer a Justiça alcança. (GOMES, 2013)

 

No mesmo artigo, o professor Luiz Flávio fala de maneira cirúrgica sobre a intervenção da mídia em casos de grande repercussão, expondo alguns dos motivos que levam a essa influência, vejamos:

 

Ocorre que, para dar ibope, faz-se necessário explorar a emotividade gerada pelos crimes. Naturalmente reagimos de forma apaixonada frente aos criminosos (dizia Durkheim) e sempre desejamos, consoante o processo mnemotécnico descrito por Nietzsche, as penas mais duras possíveis (porque exclusivamente elas atendem o desejo de vingança, que é uma festa popular a dor e o sofrimento do criminoso gera muito prazer nas pessoas). (GOMES, 2013)

 

Temos que atentar ao fato de que, atualmente, não temos lei que regulamente o direito à liberdade de expressão, pois como já dito, quando do julgamento da ADPF nº 130, o STF entendeu que a lei 5.520/67 não era compatível com a atual ordem constitucional, o que não causa estranheza pelo fato da lei ter sido produzida em plena ditadura militar. Ademais, o que se falta nos dias de hoje é uma regulamentação, não para suprimir a liberdade de expressão, mas tão somente para impedir que esta não frustre direitos de terceiros.

 

Outro ponto que merece destaque e que foi mostrado em nosso trabalho é a famigerada prisão preventiva e seu mau uso face a fatores midiáticos. É sabido que em nosso ordenamento jurídico, a prisão cautelar é ultima ratio, ou seja, é uma excepcionalidade, entretanto dado o estardalhaço feito pela mídia, nos nossos dois casos concretos, foi decretada a prisão preventiva e lá estava o fundamento “clamor público”, Fernando Capez (2012, p. 330 e 331) em seu manual de processo penal aduz que:

 

O clamor popular nada mais é do que uma alteração emocional coletiva provocada pela repercussão de um crime. Sob tal pálio, muita injustiça pode ser feita, até linchamentos (físicos ou morais). Por essa razão, a gravidade da imputação, isto é, a brutalidade de um delito que provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, não pode por si só justificar a prisão preventiva. Garantir a ordem pública significa impedir novos crimes durante o processo. Nesse sentido: “A repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva” (STF, RT, 549/417).

 

No caso da familia Nardoni, a prisão preventiva se deu por dois requisitos: a conveniência da instrução criminal, haja vista que eles alteraram a cena do crime na expectativa de não verem produzidas provas contra eles, além do clamor público. Contudo, passada a instrução e com a condenação, poderia o juiz conceder o direito de os réus recorrerem em liberdade, isso porque o fundamento da conveniência da instrução criminal não mais subsistia, restando apenas o clamor público e o juiz, diante essa situação, resolveu manter a prisão cautelar. Vejamos um trecho da sentença:

 

(...)a manutenção da prisão processual dos acusados, na visão deste julgador, mostra-se realmente necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade do crime, da culpabilidade, da intensidade do dolo com que o crime de homicídio foi praticado por eles e a repercussão que o delito causou no meio social(...) (FOSSEN, 2010)

           

Notadamente o magistrado não manuseou a prisão cautelar como última medida, será que não existia nenhuma outra medida hábil para o momento, ou será que o magistrado apenas temeu pelo que a mídia iria transmitir caso o casal fosse posto em liberdade para recorrer?

 

No caso do goleiro Bruno, é a mesma situação, rezava a decisão sobre a preventiva que existiam dois pressupostos: conveniência da instrução criminal e clamor público, após condenado, consequentemente, ultrapassada a instrução criminal, não mais existia o primeiro fundamento, podendo o juiz conceder liberdade provisória para que o atleta recorresse, não foi o que aconteceu, mais uma vez, o réu foi mantido em cárcere sob o fundamento do clamor público.

 

Esta é apenas uma breve explanação do poder que a mídia tem sobre o julgamento de processos judiciais, que através de uma linguagem desprovida de qualquer tecnicidade jurídica, ou ainda de verdade real da situação, ela passa uma informação de modo a aflorar um sentimento de revolta na população, população essa que formará o corpo de sentença do júri. Não é incomum vermos notícias totalmente pobres de informações verídicas, fugindo sempre da missão que é levar a informação, cooperando com o crescimento da comunidade, pelo contrário, há uma omissão de informação para que o receptor entenda da forma mais trágica possível. Imagine todos os réus trazidos para o nosso estudo, sendo soltos legalmente para que exerçam o seu direito de recorrer em liberdade, como a mídia transmitiria essa notícia?

 

Ademais, devemos observar o direito à intimidade dos réus, pois quem responde à algum processo crimina, naturalmente já passa por alguns constrangimentos, mas, quem comete um crime de grande repercussão, “perde”, aos olhos dos sedentos por sangue, totalmente esse direito, pois passam a ser perseguidos pela mídia sanguinária, como se fossem um pedaço de carniça prontos para serem devorados por um bando urubus.

 

A nossa constituição consagra o direito do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, entre outros. É certo que a violência tem crescido muito nas últimas décadas e todos que seguem outro caminho, se não os que são ditos pela lei, devem ser punidos na medida de seus erros. O que não se pode admitir é que esses cidadãos que cometem, no nosso caso, crimes dolosos contra a vida, sejam tratados como um ser sem qualquer direito, deve-se buscar uma condenação, para os culpados, pautada no devido processo legal, para que haja segurança jurídica, para que exista, de fato, justiça. Não adianta condenar uma pessoa, por mais culpada que ela seja, sem que lhes seja dado todos os seus direitos. Devemos enxergar o ser humano que existe nele por mais brutal que tenha sido o seu crime. Não defendemos a impunidade, defendemos a justiça.

 

[1] Advogado graduado pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte – UNI-RN. E-mail: [email protected]

[2] Professor Orientador do Curso de Direito do Centro Universitário do Rio Grande do Norte – UNI-RN. E-mail: [email protected]

[3] SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. http://www.secom.gov.br/, 2014. Disponivel em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf>. Acesso em: 29 Outubro 2015.

 

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Marcus Moreira

Advogado - Natal, RN


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