Empréstimo consignado: conquista ou abuso de direitos?


06/10/2016 às 14h41
Por Moitinho Advogados Associados

De acordo com o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03), todo aquele que possui 60 anos ou mais é considerado idoso e goza dos direitos ali dispostos. No último censo o IBGE apurou que atualmente a população brasileira é composta por 204.450.649 habitantes, dos quais cerca de 26,1 milhões possuem mais de 60 anos, um número que quase dobrou nos últimos quinze anos.

Esses números são fundamentais para que possamos entender o porquê desta parcela da população ter se tornado tão atrativa para aqueles que trabalham com o mercado de consumo. Atualmente há desde pacotes de viagens até academias especiais para a “melhor” idade.

E com o mercado financeiro não é diferente: a concessão de crédito para aposentados e pensionistas é um filão generoso.

O empréstimo consignado é uma modalidade de empréstimo de dinheiro através da qual os consumidores recebem determinada monta das instituições financeiras fornecedoras e, em contraprestação, autorizam estas a descontarem diretamente de seus vencimentos/proventos um certo percentual mensalmente, a título de amortização parcial da dívida. Os descontos ocorrerão até o reembolso total do valor emprestado, acrescido de juros, correção e demais encargos.

Essa forma de contratação de crédito existe no Brasil há mais de cinquenta anos, mas até 2003 apenas servidores públicos usufruíam dela. Desde a lei n° 10.820, no entanto, os aposentados e pensionistas do RGPS foram incluídos no rol de consumidores desse tipo de linha de crédito.

Portanto, na forma da legislação vigente os aposentados podem tomar empréstimos cujos pagamentos são descontados diretamente em seus benefícios previdenciários. Importante perceber que esse tipo de contratação possui um risco quase zero de inadimplência. Soma-se a isso o fato de que a população consumidora é especialmente vulnerável.

O surgimento do empréstimo consignado para idosos aposentados e pensionistas do INSS indubitavelmente proporcionou uma democratização de acesso ao crédito. Uma classe até então excluída deste mercado passou a fazer uso em larga escala deste serviço.

Evidentemente, tal fato representa uma conquista de direitos, na medida em que a consignação em folha garantiu que os idosos pudessem contratar empréstimos com maior facilidade, e com condições e taxas de juros supostamente mais baixas. Ocorre, entretanto, que tal situação merece cautela, especialmente diante das estatísticas apontadas: cerca de 40% da população idosa no Brasil utiliza ou já utilizou a contratação de crédito consignado.

O que se tem notado é uma grave violação de direitos, com comprometimento do bem-estar e dignidade desta população.

A população que se dispõe a celebrar esse tipo de contrato, cerca de 19 milhões de aposentados e pensionistas, é composta em sua maioria de pessoas de baixa renda que percebem um salário mínimo. O contrato termina sendo desvantajoso para o aposentado, porquanto a maioria dos idosos compromete sua renda e diminui seu poder de compra de alimentos e de remédios; o dinheiro do empréstimo recebido servirá para saldar compromissos com lojas, bancos, agiotas, condomínios, etc.

O idoso recebe oferta para empréstimo com percentual de juros reduzidos e longo tempo para pagar, em torno de 60 meses, ou seja, cinco anos; em contrapartida, autoriza a fonte pagadora – INSS – a repassar para o banco, mensalmente, determinado valor, amortizando assim a dívida contraída. O aposentado não diligencia para buscar maiores informações sobre o empréstimo, sabendo somente que a operação não poderá ultrapassar o teto definido de comprometimento no correspondente a 30% de seu salário mensal. As cláusulas desses contratos são confusas para o público alvo, porque escritas com letras miúdas e oferecem dificuldades para sua compreensão.

Para aumento do consumo, até mesmo de bens supérfluos, oferece-se facilidade para acesso ao crédito fácil sem maiores exigências, mas, ao contrário, com facilidades condenáveis. A publicidade consegue manipular a vontade do indivíduo, direcionando-o a consumir este ou aquele produto.

Por isto que o marketing se sobrepõe às próprias necessidades do consumidor e a armadilha da publicidade mostra-se agressiva, quando afirma que o dinheiro do empréstimo consignado sai muito rapidamente, sem burocracia alguma e assegura que este tipo de operação representa grande conquista da classe dos idosos. O cidadão vai iludido com a possibilidade inclusive de aumentar sua renda, quando na verdade, diminui, porque seu salário passa a sofrer mais esse desconto.

O pior é que, como usuário da agiotagem, o idoso e devedor, antes mesmo do vencimento do empréstimo inicial, recebe nova proposta para renovação do contrato e, portanto, novo empréstimo, perenizando a dívida assumida. O percentual de idosos que renovam o empréstimo situa-se em mais de 62% e o número dos que tem seu nome inserido no cadastro de maus pagadores tem aumentado substancialmente.

Nos últimos cinco anos diversos estudos têm sido realizados tendo como objetivo analisar o perfil dos idosos que estão contratando estes empréstimos, bem como as condições destas contratações, a fim de apurar eventuais ilegalidades. Os resultados mostram-se alarmantes.

Embora a lei determine que o percentual máximo da renda passível de consignação é de 30%, muitos idosos têm comprometida até 60% de seus proventos, ou seja: o dobro do legalmente permitido. Assim, uma pessoa que receba o valor de R$880,00 mensais a título de aposentadoria somente poderá fazer empréstimos cujas parcelas mensais não excedam o valor de R$264,00 no total. Entretanto há inúmeros casos de pessoas idosas que possuem mais da metade de suas aposentadorias comprometida.

Tal situação encontra na lei brechas que favorecem sua existência.

Em meu trabalho já tive a oportunidade de deparar com extratos previdenciários que constituíam uma verdadeira bagunça. Isto porque desde 2008 foi criada a possibilidade de contratação de empréstimo através de cartão de crédito, de modo que a margem consignável de 30% passou a poder ser dividida em 20% para empréstimo pessoal e 10% para o cartão de crédito.

Entretanto, Bancos e seus correspondentes utilizam esse tipo de expediente para burlar o limite do percentual de comprometimento de renda do contratante, em atitude de má fé do fornecedor do serviço. Além disso, com a proliferação dos agentes bancários a quantidade de fraudes envolvendo empréstimos consignados e idosos tornou-se absurda.

Agentes bancários são pessoas jurídicas não financeiras reguladas por normatização do Banco Central que foram criados com o objetivo de facilitar o acesso da população brasileira aos serviços bancários, e hoje existem mais de 374.000 empresas desse tipo atuando no país. Eles podem prestar alguns serviços típicos de instituições financeiras, como encaminhamento de propostas referentes a operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição financeira da qual fazem parte.

Os problemas advindos da atuação dos correspondentes bancários são inúmeros, e vão desde a forma como os empréstimos são oferecidos aos consumidores, aí incluídas a possibilidade de ocorrência de publicidade enganosa e violação do dever de informação, passando pelo deficiente atendimento às reclamações dos consumidores quanto aos serviços prestados.

Por vezes, para o consumidor, o correspondente se confunde com a própria instituição bancária, seja pela indevida utilização de logomarcas de Bancos, seja pela falta de sinalização visual identificando a empresa como correspondente bancário.

Existem ainda os casos, comuns, principalmente nas zonas rurais, em que os funcionários dessas agências vão às casas dos aposentados a fim de convencê-los a contratar tais empréstimos com promessas de parcelas pequenas e dinheiro fácil.

No Brasil, por interesses meramente econômicos incentivou-se a cultura do endividamento, onde tudo se articula com o crédito e o crescimento econômico é condicionado por ele. Segundo essa cultura, viver a crédito seria um bom hábito de vida e meio de ascensão social, e o crédito não seria um favor, mas um direito fácil. Entretanto, muito perigoso. Tão perigoso que estima-se que cerca de 62,3% das famílias brasileiras estão endividadas.

Neste contexto, o empréstimo consignado ganha destaque, justamente por importar em um modo fácil e rápido de contratação, com toda a espécie de incentivo das instituições financeiras, ocasionando inúmeros casos de superendividamento.

Não se desconhece a importância da concessão de crédito, como forma de fomento da economia e circulação de riquezas, o que ganha ainda mais relevância em um mundo globalizado em que vivemos, onde o consumismo é uma atividade social corriqueira, e é estimulado com todo o tipo de campanha publicitária.

Não é raro que os consumidores contratem o empréstimo consignado junto a correspondentes bancários e, por falta de informações, se deparem com práticas de venda casada, contratação de cartão de crédito não solicitado e, até mesmo, problemas pós-contratação como dificuldade na quitação antecipada da dívida.

Mais grave ainda é o crescente número de fraudes envolvendo a contratação de empréstimos consignados. Em 2015 a ouvidoria do INSS registrou cerca de 100 queixas por dia, ou seja: aproximadamente quarenta mil casos envolvendo descontos indevidamente realizados em benefícios previdenciários.

As fraudes podem ser operadas de diversas formas, todas elas facilitadas pela desburocratização da contratação. Existem casos de pessoas que, tendo contratado tais empréstimos uma vez, percebem que as parcelas nunca deixam de ser descontadas porque o banco, à sua revelia, realizou outro empréstimo em seu favor. Às vezes esse dinheiro é depositado na conta do aposentado sem nenhuma solicitação. E, se o valor é de pequena monta, passa despercebido. O problema é que os juros costumam constituir o dobro do valor recebido.

Outras vezes os empréstimos são tomados por pessoas que, com os dados do aposentado e cópias de seus documentos fazem os empréstimos e sacam os valores, restando ao pensionista arcar com os custos de uma operação que não solicitou e cujos benefícios não recebeu.

Para se precaverem das fraudes, que podem ocorrer mesmo que o aposentado contrate o empréstimo, é importante tomar algumas precauções:

1°: Leia atentamente todos os termos do contrato. Se tiver alguma dúvida, esclareça com uma pessoa de sua confiança;

2°: Todo contrato é feito em duas vias, para cada uma das partes. Exija a sua assinada pelo contratado, é um direito seu.

3°: As taxas de juros máximas que podem ser cobradas são regulamentadas. As taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras autorizadas a realizar empréstimo consignado a segurados estão publicadas no Portal da Previdência Social, na internet, e atualmente são de 2,34% ao mês, para o empréstimo, e 3,36% ao mês, para o cartão consignado.

4°: Nunca forneça senhas ou documentos para terceiros.

5°: No empréstimo consignado a segurados os bancos não podem cobrar Taxa de Abertura de Crédito, a “TAC”.

6°: É vedada a contratação de empréstimo consignado por telefone.

7°: O INSS não indica nenhuma instituição financeira específica para os beneficiários.

8°: O beneficiário só pode realizar empréstimos na unidade da federação em que recebe o seu benefício. Por medida de segurança, caso o beneficiário solicite a transferência do benefício para outra unidade da federação, a margem consignável permanecerá bloqueada pelo prazo de sessenta (60) dias.

9°: Solicite junto à agência do INSS o extrato de histórico de consignação (HISCON) ao menos uma vez por ano. Nele constam os demonstrativos de cada contrato que você paga dos últimos 5 anos, com data inicial, data final, número de contrato e valor de parcela.

Conclui-se, assim, que a facilidade de contratação, a oferta agressiva e a vulnerabilidade do público alvo das financeiras e bancos que disponibilizam empréstimos consignados contribuem sobremaneira para o superendividamento dessa camada da população.

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Moitinho Advogados Associados

Bacharel em Direito - Porto Seguro, BA


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