A utilização dos acordos coletivos aos trabalhadores não sindicalizados - Um estudo a luz da reforma trabalhista


05/02/2018 às 15h19
Por Mayara Barbosa

 

Anteriormente, as condições de trabalho eram negociadas com a participação dos sindicatos, responsáveis, segundo a Constituição, pela "defesa dos direitos e interesses" das categorias. Assuntos como jornada, remuneração e auxílios só podem ser alterados desde que confiram ao trabalhador uma situação melhor do que a prevista na lei.

Com a reforma, não há mais a necessidade da intermediação do sindicato para que o trabalhador possa realizar, por si só, acordos com a empresa empregadora, sendo estes acordos dados com limite na CLT e CF, ou seja, mesmo que o acordo seja mais desfavorável ao empregado se comparado com os acordos anteriores realizados pelo sindicato, ainda serão válidos, permitindo assim uma maior flexibilização contratual.

Entretanto, o acordo não poderá ser feito com qualquer funcionário. Para que seja lícito o acordo realizado, presumindo a capacidade intelectual das partes, a lei acrescentou o § Único no art. 444 da CLT, permitindo a realização do acordo apenas se o funcionário possuir ensino superior e perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.[1]

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Parágrafo único.  A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.     (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Diante deste cenário, é entendido que funcionários não sindicalizados, sem os requisitos supramencionados necessários para auferir acordo com a empresa, não são capazes para tal feito, o que de certa forma os induzem a manter as contribuições sindicais.

Em decorrência disso, há uma lacuna sobre a interpretação no que diz a extensão dos acordos coletivos realizados pelo sindicato aos funcionários não sindicalizados.

Ocorre que com as reformas, a coletividade dos acordos se restringiu apenas a quem adere ao sindicato, individualizando e distinguindo, de certa forma, a vontade contratual entre os sindicalizados e os não sindicalizados.

Apesar de ser um novo conceito, o entendimento já é antigo, versando que os funcionários não sindicalizados não possuem direito sobre os acordos coletivos realizados:

“ 6 - O autor sustentou não ser sindicalizado e, por isso, negou-se a contribuir para a entidade sindical dos trabalhadores.  A despeito disso, não menos certo é que as entidades sindicais devem ser valorizadas, e precisam da participação dos trabalhadores da categoria (inclusive financeira), a fim de se manterem fortes e aptas a defenderem os interesses comuns.  Aliás, como  qualquer associação de particulares.

Já que o autor não concorda em contribuir com o sindicato , é justo que também não aufira as vantagens negociadas por este em favor da categoria profissional.  “Ubi  emolumentum, ibi ônus”.

Por estas razões, não procedem os pedidos pertinentes a direitos previstos na convenção coletiva de trabalho, conforme os tópicos respectivos”. (Sentença – Processo nº01619-2009.030.02-00-9 – Julgado por Eduardo Rockenbach Pires em 11/03/2010)

Da mesma forma foi o julgado em Recurso de Revista:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. 1. NULIDADE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Havendo manifestação acerca da matéria debatida nos autos, não há que se cogitar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional. Recurso de revista não conhecido. 2. AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL. NATUREZA JURÍDICA. EFEITOS. APLICAÇÃO DE NORMA COLETIVA FIRMADA POR SINDICATO QUE NÃO MAIS REPRESENTA A CATEGORIA PROFISSIONAL DO EMPREGADO. No que tange à decisão proferida na ação de representatividade sindical, o Regional foi claro ao afirmar que, nela, foi afastado o enquadramento dos empregados da ré no Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários do Município do Rio de Janeiro. Assim, por tratar-se de ação meramente declaratória, com efeitos “ex tunc”, que retroagem à data dos fatos, não se faz possível a aplicação ao reclamante de acordo coletivo de trabalho celebrado por sindicato que não o representa.  
(TST-RR-85100-35.2009.5.01.0007 – Ministro Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – Julgado em 10/08/2016)

 

Ora, se um funcionário não pode se prevaler de benefícios representativos de um sindicato diverso, ainda que o representasse anteriormente, da mesma forma e por analogia não se pode aproveitar dos acordos coletivos de sua categoria se não sindicalizado.

Apesar de tal afirmativa, também é necessário analisar a aderência atual dos Magistrados e do MP sobre a reforma trabalhista. Há quem siga os ditames legais, mas também há os reacionários. Portanto, por ser matéria relativamente nova, é possível que entendimentos diversos, apesar de descabidos. [2]

Como alternativa para os acordos coletivos dos trabalhadores, sem que sejam realizados in totum pelo sindicato, surgiu concomitantemente com as alterações trabalhistas o dispositivo que regula  sobre a Comissão de Empregados, nos termos do art. 510-A, da CLT, necessitando, contudo, da mera presença dos sindicato para acompanhamento do feito.

Art. 510-A.  Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de uma comissão para representá-los, com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores

Entretanto, para que o acordo seja reconhecido, há a necessidade que o sindicato se recuse em participar, e segundo o entendimento do relator Ministro João Oreste Dalazen, somente essa circunstância pode afastar a exigência da tutela sindical na negociação coletiva.[3]

ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. NEGOCIAÇÃO DIRETA ENTRE COMISSÃO DE EMPREGADOS E EMPREGADOR. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO DE DOZE HORAS. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DO SINDICATO REPRESENTANTE DA CATEGORIA PROFISSIONAL. VALIDADE. ARTIGO 617 DA CLT. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

1. Foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988  (artigo 8º, inciso VI) o artigo 617 da CLT, no que autoriza a celebração de acordo coletivo de trabalho diretamente entre empregados e uma ou mais empresas, na situação excepcional em que comprovada a recusa do Sindicato representante da categoria profissional em assumir a direção dos entendimentos. 2. A exigência constitucional inafastável é de que o sindicato seja instado a participar e participe da negociação coletiva, ainda que para recusar o conteúdo da proposta patronal. 3. Em tese, todavia, a virtual resistência da cúpula sindical em consultar as bases não constitui empecilho a que os próprios interessados, regularmente convocados, excepcionalmente firmem o acordo coletivo de trabalho, de forma direta, na forma da lei.
(TST - TST-E-ED-RR-1134676-43.2003.5.04.0900 – Relator Ministro JOÃO ORESTE DALAZEN – julgado em 19 de maio de 2016)

 

No RO-8281-17.2010.5.02.0000, julgado em data anterior, o entendimento foi o mesmo.[4]

Acontece que as regras estabelecidas nas convenções coletivas de trabalho são de incidência obrigatória aos integrantes das categorias profissional e econômica representadas pelos sindicatos que formalizaram o acordo. Isso porque a convenção coletiva de trabalho é um acordo que possui natureza de norma.

Nesse sentido, para que as normas convencionais sejam aplicadas às relações individuais de trabalho, não é necessário que empregado e empregador sejam filiados aos sindicatos que celebraram o acordo. Basta que a empresa e o empregado sejam, simultaneamente, integrantes das respectivas categorias econômica e profissional para que surja a obrigação de cumprir as normas coletivas negociadas. A 10ª Turma do TRT-MG manifestou entendimento nesse sentido ao confirmar a sentença que reconheceu que um empregado é beneficiário dos direitos estabelecidos em negociação coletiva, mesmo que o empregador não seja filiado ao sindicato signatário das CCTs.[5]

EMENTA: INSTRUMENTO NORMATIVO APLICÁVEL. DESNECESSIDADE DE SER A EMPREGADORA FORMALMENTE FILIADA AO ENTE SINDICAL PATRONAL CONVENENTE, DESDE QUE, PELO OBJETO SOCIAL, HAJA CORRESPONDÊNCIA COM A REPRESENTAÇÃO SINDICAL. Preconiza o art. 611 da CLT: “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”. Dessa definição legal de Convenção Coletiva de Trabalho se depreende a constatação relevante de que elas ostentam caráter normativo, cogente. Tal equivale a dizer que são normas, do ponto de vista material e, desta forma são de incidência compulsória aos destinatários que, consoante expressamente aduzido, são os integrantes das categorias profissional e econômica. Note-se que a abrangência da aplicação das normas convencionais não guarda relação alguma com a filiação ou não, seja do empregado seja do empregador, aos sindicatos convenentes. Basta, portanto, que a empresa e o empregado sejam, concomitantemente, integrantes das respectivas categorias econômica e profissional, para que sobre eles paire a obrigação de observância às normas coletivas pactuadas. (nº 00157-2010-012-03-00-9  - Relatora Desembargadora Taisa Maria Macena de Lima- julgado em 12 de junho de 2010)

Assim sendo, conclui-se que mesmo os funcionários não filiados, desde que enquadrados na categoria, poderão se valer do acordo sindical, pois tal acordo possui caráter normativo.

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  • #sindicatos
  • #acordoscoletivos

Referências

[1] http://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/carreiras/2017/07/1900566-como-ficam-as-negociacoes-entre-patroes-e-empregados-com-a-reforma-trabalhista.shtml

http://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2017/07/reforma-trabalhista-funcionarios-com-alto-salario-podem-negociar-sem-o-sindicato.html

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI269099,41046-Reforma+Trabalhista+Quadro+comparativo+e+breves+comentarios+a
[2] http://www.comerciarios.org.br/index.php/Nao-sindicalizado-nao-pode-desfrutar-dos-beneficios-da-convencao

http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40566802

https://oglobo.globo.com/economia/nova-lei-preve-acordo-sem-intermediacao-de-sindicatos-para-cinco-direitos-trabalhistas-21594952

[3] http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24355780

[4] http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/tst-mantem-invalidade-de-negociacao-coletiva-sem-a-participacao-de-sindicato - RO indisponível para consulta sem o certificado digital.

[5] https://trt-3.jusbrasil.com.br/noticias/2326076/aplicacao-de-convencao-coletiva-nao-exige-filiacao-a-sindicato -  


Mayara Barbosa

Estagiário - São Paulo, SP


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